Perspectivas para o agronegócio em 2022

Por Geraldo Sant’Ana de Camargo Barros

Cenário Macroeconômico Externo

O agronegócio é um setor bastante integrado internacionalmente do ponto de vista das suas exportações, que representam em torno de 25% do seu PIB (enquanto para a economia brasileira, a cifra é de 15%). As exportações do agronegócio aproximam-se da metade do total brasileiro. A China é o principal importador (37%) e União Europeia (com 15%) vem em segundo. Aproximadamente 44% do faturamento externo vem do complexo soja e 16% de carnes. Portanto, as exportações são fundamentais para o agronegócio e para o Brasil. Há, porém, uma grande concentração em termos de destinos e produtos, o que gera desconforto e preocupação.

O crescimento econômico mundial previsto pelo FMI para 2021 é de 5,9% (após uma queda de 3,3% em 2020) e, para 2022, 4,9%. Daí para frente a projeção é de uma média de 3,3%. Haverá, portanto, recuperação em 2021. Seguirá havendo recuperação econômica mundial em 2022. Essas cifras são representativas dos grupos de economia tanto avançadas como emergentes. Entretanto, o Brasil destoa ao ter um crescimento de 5,2% em 2021 e 1,5% (já otimista) em 2022. Para a China, os números são 8% e 5,6% e para Índia, 9,5% e 8,5%. Não há grande preocupação, portanto, quanto a demanda mundial em geral e pelos produtos do agronegócio, em especial. Já a economia interna, o mercado doméstico, terá desempenho desapontador.

A preocupação vem do fato de a recuperação mundial se dever às políticas fiscais e monetárias que esquentam a demanda enquanto a oferta em diversas cadeias produtivas ainda não retornou à sua trajetória de longo prazo. Ademais o mercado de energia – petróleo, gás, carvão (que em conjunto subiram 95% desde maio), eletricidade (prejudicada por efeitos climáticos) – desarticulou-se com a pandemia e com questões políticas entre países, ademais de uma arritmia nos processos de mudança das matrizes energéticas, fugindo da energia de origem fóssil. Mesma tendência observou-se nos mercados de insumos para a agropecuária. A recuperação da produção ainda não veio, dando combustível para maior inflação pelo mundo afora. Dessa forma, fortes tendências inflacionárias são observadas, que vêm sendo acompanhadas de elevação dos juros. Não se sabe como vai terminar o jogo de forças entre políticas fiscais expansionistas e monetárias contracionistas. Daí um apreciável grau de incerteza quanto às previsões mostradas acima.

De qualquer forma, a conjunção dessas políticas pode levar à valorização do câmbio, mormente do dólar americano, seguido das demais moedas mais fortes. Esse movimento tem dois efeitos relevantes para o agronegócio brasileiro. Por um lado, o dólar alto tende a deprimir, em alguma medida, os preços internacionais de commodities. Aliás, quedas já são esperadas especialmente para o segundo semestre de 2022 principalmente para algodão e milho, mas também para soja. Taxas negativas em relação a 2021 entre 10% e 15% são esperadas pelos mercados futuros. Entretanto, os patamares das commodities agropecuárias deverão permanecer mais próximos dos níveis relativamente elevados observados no período de 2010/15 do que os do quinquênio seguinte. Todavia, algo semelhante parece ocorrer com os agroquímicos, cujos preços também voltaram (no decorrer de 2021) aos elevados níveis de 2010. De fato, a FAO capta um co-movimento (alta correlação temporal) entre índices preços de produtos (FFPI) e insumos (GIPI) no mercado internacional. Os combustíveis, no mercado internacional, não reproduziram essa evolução, mas já retomaram os níveis pré-pandemia. No Brasil produtos e insumos se viram empurrados pela evolução do câmbio no Brasil.

De outro lado, desvalorizações do real ficam mais prováveis, embora essa tendência ainda não tenha aparecido com intensidade na pesquisa Focus do Banco Central. Mas o FMI já projeta o dólar a quase R$5,90 para o final de 2022. A marcha dos acontecimentos no plano político-institucional no Brasil não permite descartar desvalorizações significativas na moeda nacional no decorrer do próximo ano.

A questão que fica é o grau em que a desvalorização do real compensará a provável queda das commodities em dólar. As projeções correntes sugerem que os preços internacionais internalizados sofrerão moderada queda no Brasil. Um cenário realista, entretanto, não levaria a projetar ameaças de quedas relevantes em relação ao patamar atual. O grau de desvalorização do real será dominante na formação dos preços do agronegócio.

Evidentemente os volumes a serem exportados ficam na dependência do avanço especialmente da economia chinesa, a qual parece que se manterá em avanço mais moderado, mas ainda significativo. Importa muito também como vão caminhar as questões sanitárias dos rebanhos da China e também como seguirão as decisões “aparentemente” erráticas desse país no tocante ao uso que faz dos eventos sanitários no Brasil.

O jogo de braço entre EUA e China ainda tem contornos indefinidos, sendo marcado por afastamentos seguido de aproximações. Enquanto questões comerciais não forem trazidas à baila, não há ameaças. Entretanto, a questão climática/ambiental pode assumir proporções mais preocupantes, com prevalência de medidas extra-mercado como estabelecimento de quotas e tarifas ou proibições. Urge que o governo brasileiro faça um trabalho produtivo nessa área, mudando o humor de players da estatura de China, EUA e União Europeia em relação ao Brasil. Esses aspectos sócio-ambientais aparentemente ainda não estão precificados por falta de previsibilidade. Mas é razoável imaginar que, embora o agronegócio venha se empenhando seriamente nas questões ambientais, a imagem do país pode influenciar fortemente o estabelecimento de regras e políticas comerciais amplas.

Cenário Macroeconômico Interno

As perspectivas quanto ao crescimento econômico brasileiro em 2022 vêm piorando sequencialmente. Taxas já próximas a 1% (ou menor) circulam entre especialistas. Enquanto uma fase mais moderada da pandemia se estabelece, os serviços passam a ganhar fôlego, mas a indústria se revela como o setor mais afetado pela crise. O investimento que ganhou algum fôlego mas foi baseado, entretanto, mais em importações de máquinas e equipamentos (enquanto a indústria nacional caía). A construção, em expansão forte, começa a mostrar sinais desanimadores face às condições menos favoráveis de financiamento e juros. Ademais, as incertezas político-institucionais abalam a confiança do investidor.

A expectativa de inflação, captada pelo Banco Central até que se acha moderada, embora em níveis ainda acima da meta oficial. Duas questões sobre a inflação. Por um lado, será largamente afetada pela trajetória do câmbio, que depende bastante dos rumos político-institucionais do país, que tendem a se agravar num ano eleitoral como 2022. Ainda do lado da oferta, o custo da energia pesa sobre a produção – e duramente sobre o consumidor – enquanto as condições climáticas permanecerem severas, com escassez de água.

De qualquer forma, o Banco Central já iniciou um agressivo processo de elevação dos juros que tem limitado potencial para conter o câmbio, nenhum em relação à oferta de energia e lento efeito sobre a inflação ainda bastante indexada no Brasil. Por outro lado, o efeito mais provável ainda em 2022 talvez seja o de contribuir para um crescimento ainda menor. Em síntese, o Banco não tem como produzir juros baixos, que foram estratégicos para a economia brasileira em 2019 e 2020. Da parte do governo, não há possiblidade à vista de que encontre espaço para uma política fiscal expansiva ou não contracionista enquanto as reformas fiscais e administrativas não se definem.

O agronegócio em 2022

O PIB volume do agronegócio brasileiro tem apresentado nos últimos 20 anos (2000 a 2019, para contornar o efeito do ano atípico de 2020) tendência de crescimento em volume médio de 1,6% ao ano, enquanto a agropecuária o faz a quase 4,7% (com valores semelhantes para lavouras e pecuária). A diferença entre essas taxas e a agregada se deve ao crescimento muito baixo da agroindústria (0,6% em média). O crescimento do volume de grãos tem sido em torno de 7%.

Já a renda do agronegócio (PIB-Renda) tem crescido à taxa média de 0,2% ao ano. Para a agropecuária, especificamente, o crescimento da renda tem sido em média 2,6%, sendo 1,8% para as lavouras e 4,2% para a pecuária. Na verdade, os preços reais da agropecuária (medidos pelos seus deflatores do PIBs) têm caído em média 1,8 % ao ano; os agrícolas, especificamente, 2,6%; os da pecuária, 0,4%. Produção crescente e preços reais em queda têm sido a marca do desempenho do agronegócio brasileiro. Embora pontos fora da curva possam acontecer, a expectativa é de que o padrão médio de crescimento do setor se mantenha em 2022.

No mercado interno, a demanda deverá seguir relativamente fraca em consonância com o crescimento muito baixo esperado para 2022. Há, porém, um aspecto altamente relevante e provavelmente positivo para o agronegócio que se relaciona ao programa de transferência de renda – Bolsa Família ampliada ou Auxílio Brasil. Em 2020 foi espetacular o impacto social do Auxílio Emergencial de quase R$300 bilhões quando finalmente foi implementado, que terminou por afetar os mercados em geral e o de alimentos em especial. Estima-se que 53% dos recursos transferidos foram dispendidos em alimentação, equivalendo a 20% do VBP agropecuário do ano. Na verdade, foi fundamental para grande parte da sociedade diante das dificuldades de oferta em geral e da disparada do dólar. Ainda não está clara a potência com que virá desta vez. Mas certamente é necessário que os produtores e demais agentes das cadeias produtivas mantenham-se em alerta para um impacto muito expressivo quando o programa passar a ser implementado. Em 2020 o agronegócio chegou a ser apontado como insensível à crise social no contexto da pandemia devido à alta dos alimentos, que, na realidade se deveu ao comportamento do dólar e à forma imprevista – no tempo e no volume de recursos – com que o auxílio foi implementado, não permitindo às cadeias produtivas se planejarem para esse salto de demanda doméstica. Algo da mesma natureza pode suceder em 2022, já em seu princípio.

No front externo, as exportações deverão manter seu desempenho mesmo que os preços internalizados sofram queda moderada (algo incerto até o momento). São bem conhecidas e reconhecidas a competividade e a resiliência do agronegócio brasileiro. Essas características serão mais uma vez postas à prova diante do quadro preocupante do suprimento de insumos altamente dependentes de importação. Embora, como indica a FAO, preços de produtos e insumos, no mercado internacional, tendam a seguir de formas semelhantes, no Brasil o quadro atual é de uma ameaça (além da alta de preços) de falta de suprimento de insumos na medida em que eventos e medidas extra-mercado ocorram. Outra preocupação relaciona-se à ocorrência em diferentes graus de descasamentos temporais entre operações de compra de insumos e venda de produtos por parte dos produtores num ambiente de alta volatilidade dos mercados, inclusive o cambial.

*Geraldo Sant’Ana de Camargo Barros é coordenador Científico do Cepea

 

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