A decisão do presidente Donald Trump de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris representa mais um passo daquele país em direção ao isolacionismo e amplia as dificuldades para o cumprimento das metas estabelecidas no pacto. “A medida não chega a surpreender, uma vez que ela foi objeto de promessa de campanha de Trump. No plano prático, a postura deve aumentar a fricção entre os Estados Unidos e seus parceiros”, analisa Reginaldo Moraes, cientista político e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. “Os Estados Unidos agora vão se somar a Síria e Nicarágua, até então as únicas nações que não eram signatárias do Acordo”, acrescenta Luiz Marques, historiador e também docente do IFCH.
Moraes observa que a posição de Trump está diretamente ligada ao compromisso que o presidente norte-americano tem com o movimento conservador formado por representantes da indústria do petróleo, do gás e do carvão, que nega a existência do fenômeno das mudanças climáticas. “A premissa, como o próprio presidente tem afirmado, é a de colocar os interesses dos Estados Unidos sempre em primeiro lugar, nem que para isso o país tenha que ‘queimar’ o mundo todo”, explica o cientista político.
A saída do Acordo de Paris, conforme Moraes, sinaliza para outras iniciativas da mesma natureza por parte dos Estados Unidos, notadamente no plano das relações comerciais. “Isso certamente deverá aumentar a fricção com países europeus e asiáticos, que têm manifestado descontentamento com a postura altamente protecionista do presidente norte-americano”, antevê.
Metas distantes
Segundo Marques, a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris pode ser analisada sob três pontos de vista. O primeiro aponta para o aprofundamento do isolacionismo daquele país em relação à comunidade internacional. O segundo considera que a defecção pode levar outras nações a também abandonarem o pacto. “Nesse caso, o argumento é de que, sem os Estados Unidos, que respondem por 21% das emissões de gás carbônico (CO²) do planeta, não faria sentido continuar mantendo o Acordo, visto que as metas estabelecidas jamais poderiam ser cumpridas”, exemplifica o historiador.
A terceira interpretação, que tem cores otimistas, parte do princípio de que, mesmo que continuasse no Acordo, os Estados Unidos não atingiriam suas metas. Assim, ao desembarcarem do pacto e levarem mais algum país junto, os norte-americanos criariam um cenário no qual somente as nações verdadeiramente comprometidas permaneceriam no grupo, mantendo a disposição de atingir as próprias metas para a redução das emissões de CO².
Seja como for, acrescenta Marques, a deserção dos EUA tornará o cumprimento das metas globais, que dificilmente seriam alcançadas, ainda mais distantes. “Um dado importante é que a decisão de Trump abriu caminho para que a China tenha manifestado a intenção de assumir o protagonismo desse tema em âmbito global. Mas não devemos nos iludir. Ao mesmo tempo em que a China está fazendo esforços para promover a transição para uma economia de baixo carbono, o país tem exportado tecnologia de minas de carvão para o Paquistão”, adverte o professor do IFCH.
Após a decisão de Trump ser anunciada oficialmente, a comunidade internacional se pronunciou lamentando a atitude. Entre os adjetivos utilizados por dirigentes de diversos países, apareceram expressões como “irresponsável”, “equivocada” e “decepcionante”. Em comunicado oficial, o Itamaraty manifestou “profunda preocupação e decepção” com a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris. “Preocupa-nos o impacto negativo de tal decisão no diálogo e cooperação multilaterais para o enfrentamento de desafios globais”, registrou a chancelaria brasileira.
O Acordo de Paris foi aprovado por 195 países, com o objetivo de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) no contexto do desenvolvimento sustentável. O compromisso ocorre no sentido de manter o aumento da temperatura média global em menos de 2°C acima dos níveis pré-industriais. Um dos signatários do pacto, o Brasil tem o compromisso de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025, com uma contribuição indicativa subsequente de reduzir as emissões de GEEs em 43% abaixo dos níveis de 2005, em 2030.
Jornal da Unicamp