Utilizar um combustível renovável para foguetes e satélites, com baixo índice de toxicidade, menos agressivo à saúde humana e mais amigável ao meio ambiente, é o objetivo de dois grupos de pesquisa brasileiros, um do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e outro no Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), braço de pesquisa do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) do Comando da Aeronáutica.
No Inpe, cientistas do Laboratório Associado de Combustão e Propulsão (LCP), em Cachoeira Paulista (SP), desenvolveram um novo combustível espacial, também chamado de propelente, que tem entre seus ingredientes o etanol e o peróxido de hidrogênio, a popular água oxigenada. O projeto tem o apoio da FAPESP.
Um diferencial do combustível é que ele não precisa de uma fonte de ignição, como uma faísca, para entrar em combustão e fazer o motor funcionar. No IAE, em São José dos Campos (SP), a pesquisa foi realizada em conjunto com o Centro Aeroespacial Alemão (DLR), direcionada ao desenvolvimento de um motor para veículos lançadores de satélite que funcione com etanol e oxigênio líquido.
Os principais propelentes utilizados em foguetes e satélites são a hidrazina, que é o combustível, e o tetróxido de nitrogênio, a substância que provoca a reação de queima. Essas substâncias apresentam bom desempenho em propulsores, mas têm desvantagens. Além de serem caros, a hidrazina e seus derivados são cancerígenos, o que requer um cuidado muito grande com o seu manuseio. Já o tetróxido de nitrogênio pode ser fatal após alguns minutos de exposição, em caso de vazamento ou má manipulação.
A busca por um combustível espacial alternativo, menos nocivo à saúde e ao ambiente, não é uma exclusividade de instituições brasileiras. “Agências espaciais de vários países – entre elas a Nasa, dos Estados Unidos – fazem pesquisa nesse sentido”, afirma o engenheiro Carlos Alberto Gurgel Veras, diretor da Divisão de Satélites, Aplicações e Desenvolvimento da Agência Espacial Brasileira (AEB).
“Como o Brasil não domina o ciclo de produção dos propelentes tradicionais usados em motores de foguetes, desenvolver um combustível alternativo a eles seria um avanço significativo para o setor”, destaca Gurgel. Ter um combustível de fácil aquisição no país, em grande parte renovável e a preços baixos, faz parte do pacote de desenvolvimento tecnológico a ser conquistado pela indústria aeroespacial brasileira. Há mais de 20 anos, o Inpe desenvolve satélites de pequeno porte de coleta de dados ambientais e, em conjunto com a China, para sensoriamento remoto, destinados à captação de imagens da superfície terrestre. Todos foram lançados por foguetes estrangeiros.
O Brasil possui tecnologia de motores de propulsão com combustíveis sólidos para pequenos foguetes usados em experimentos científicos e tecnológicos. “Nosso principal objetivo é dominar as tecnologias necessárias para o desenvolvimento de um motor de foguete movido a propelente líquido. Para lançar satélites de grande porte é imprescindível o emprego desse tipo de propulsão”, afirma o engenheiro metalúrgico Daniel Soares de Almeida, gerente do projeto no IAE.
Especialista em combustíveis de foguetes e professora do curso de engenharia aeroespacial da Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Bernardo do Campo (SP), a engenheira química Thais Maia Araujo considera importante que o Brasil trabalhe na criação de um propelente renovável para o setor. “O combustível em desenvolvimento no Inpe, além de ser mais seguro e fácil de manusear, é mais barato do que os propelentes tradicionais e tem o apelo da sustentabilidade. O etanol é um combustível renovável e largamente disponível no Brasil”, comenta.
O esforço do Inpe para criar um propelente espacial à base de etanol teve início há três anos. Coordenada pelo químico industrial Ricardo Vieira, chefe do LCP, a pesquisa teve a participação do doutorando Leandro José Maschio, da Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (USP). Embora possa ser usado em foguetes, o novo combustível é indicado principalmente para satélites. “Nosso propelente pode ser mais bem utilizado nos chamados motores de apogeu, usados na transferência de órbita de satélites”, explica Vieira. Após serem lançados no espaço, esses aparelhos precisam se posicionar na órbita correta e o deslocamento é feito por propulsores existentes no próprio artefato.
Leia a íntegra da reportagem publicada pela revista Pesquisa FAPESP no endereço revistapesquisa.fapesp.br/2017/06/20/propulsao-verde/?cat=tecnologia.
Revista Pesquisa FAPESP