Carlos A. F. Evangelista é graduado em Engenharia e Direito, pós-graduado em Comunicação e Marketing e MBA em Marketing pela FEA/USP. Atualmente é o presidente da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), que congrega mais de 350 empresas que atuam com fontes renováveis de energia.
Atua no setor de energia há mais de 15 anos, tendo trabalhado na direção de empresas globais, como Ericsson Telco, Emerson Energy, Avaya, Leuze Electronic e VIS Technology. Em 2012 coordenou o grupo consultivo da Associação Brasileira da Indústria Eletro-Eletrônica (ABINEE) no trabalho publicado “Inserção da Energia Solar Fotovoltaica na Matriz Elétrica Brasileira”. Em 2014 recebeu prêmio da Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP) com o melhor projeto na categoria construções sustentáveis. Em 2016 foi escolhido pela “Full Energy” entre os 100 profissionais mais influentes do setor de Energia Elétrica.
Canal: Como o senhor avalia o cenário energético brasileiro atualmente?
Carlos Evangelista: Estamos passando por uma fase bastante sensível, onde as ações que tomarmos agora refletirão na estrutura do setor elétrico brasileiro pelos próximos 20 anos. Recentemente o Ministério de Minas e Energia (MME) lançou as consultas públicas CP-33 e CP-34 (Aprimoramento do Marco Legal do Setor Elétrico & Plano Decenal de Expansão de Energia 2026, respectivamente). Com essas iniciativas, coletaram diversas propostas, estudos e proposições, oriundas das mais diversas entidades e agentes do setor brasileiro de energia. Uma vez consolidadas, condensadas e adaptadas à realidade, deverão pautar a direção, sentido e velocidade ao desenvolvimento do setor elétrico para os próximos anos. Claro que isso tem que ser coordenado com um plano diretor com objetivos e metas. Esperamos que sejam implementações, modificações e melhorias que tragam o equilíbrio e a sustentabilidade, com seus três pilares, para o setor elétrico brasileiro.
Canal: A geração distribuída ainda é uma tendência ou já é realidade no Brasil?
Carlos Evangelista: A geração distribuída já é uma realidade consolidada no Brasil, mesmo com o baixo número de conexões diante do potencial existente (mais de 80 milhões de UC´s). A REN 482/2012, revisada pela REN 687/2015, trouxe os elementos básicos para que a geração distribuída (falamos aqui de micro e minigeração) possa crescer de maneira firme e constante pelos próximos anos. Existem alguns óbices que podem surgir nesse caminho, como a adoção de uma tarifa binômia desproporcional e desconectada da realidade. No entanto, estamos trabalhando para que a remuneração do fio venha de forma equilibrada e justa para todos, com um prazo de transição razoável e com valores factíveis.
Canal: As energias renováveis têm se desenvolvido conforme as perspectivas traçadas? Como têm sido os investimentos para o setor?
Carlos Evangelista: Os investimentos continuam crescentes. O setor elétrico com energias renováveis teve grande sucesso com a fonte eólica. De maneira similar, há bons projetos em andamento no setor de biomassa e, agora, parece ser a vez do setor solar fotovoltaico. Este último desponta como o próximo segmento a se destacar no mercado de energias renováveis. Com a regulamentação do setor de geração distribuída pela REN 482/2012 da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), foi viabilizada GD com fontes renováveis de energia. As principais fontes renováveis foram consideradas na resolução, cada qual com suas características, particularidades e especificidades. Considerando potência instalada, a energia solar fotovoltaica ainda é a mais utilizada (69%), seguida pela biomassa e biogás (15%), eólica (9%) e hidráulica (7%). Isso estimula diretamente a economia do país, fomentando o mercado, com investimentos em equipamentos, comércio e serviços. A ANEEL estimou (em sua segunda previsão), que teremos por volta de 887 mil conexões de GD em 2024 (algo em torno de 6,2 GW de potência). Com esses números, podemos projetar que esse mercado atingirá o tamanho de aproximadamente R$4,43 bilhões por ano, apenas em equipamentos e serviços, sem considerar o valor da energia que será gerada com esses empreendimentos.
Canal: Por que apostar em renováveis para compor a matriz energética brasileira?
Carlos Evangelista: Não há uma energia melhor do que a outra, todas são importantes e devem ser consideradas na matriz energética brasileira, sempre respeitando suas características e especificidades. Não podemos abrir mão de nenhuma tecnologia. Especificamente, no caso das energias renováveis, existem vantagens que sobressaem sobre as demais e são adequadas à tendência mundial de preservação dos recursos naturais conjugado com proteção ao meio ambiente. A sustentabilidade em longo prazo sempre tem que ser analisada sob a perspectiva dos três eixos principais: ambiental, econômico e o social.
Canal: O que a ABGD faz para apoiar o setor?
Carlos Evangelista: Trabalhado arduamente para difundir o conhecimento e inovação, fomentar negócios, trazer oportunidades aos associados e criar condições para as empresas crescerem dentro de seu setor de atuação. Entendemos ser fundamental que empresas atuantes no segmento de geração distribuída tenham uma associação diferenciada, focada e especializada, com o objetivo de unir e concentrar esforços para, dentre outros fins, trabalhar nos objetivos comuns do setor. Alguns deles: focar em ações para fomentar o crescimento do mercado de geração distribuída; atuar nos fatores políticos, econômicos e tributários que afetem o setor; padronizar as regras de conexão nas distribuidoras do Brasil; regulamentar, seguir e divulgar normas de instalação para a geração distribuída; criar uma certificação para Instaladores de Sistemas Fotovoltaicos; trabalhar nos agentes financeiros para um efetivo financiamento do setor; desenvolver mecanismos de apoio e proteção às empresas associadas; unir as associações e empresas com afinidade a esses objetivos, buscando o crescimento do setor. Esses objetivos e outros devem ser tratados por uma associação fundada por empresas que têm na geração distribuída sua atividade principal ou sua atividade estratégica, que queiram ser protagonistas nas mudanças, influenciar o mercado positivamente, contribuir com sugestões, se fazer representar com voz ativa, enfim, um canal onde todos possam contribuir e se beneficiar.
Canal: Há mão de obra qualificada disponível?
Carlos Evangelista: Existe uma carência grande de mão de obra especializada nessa área, apesar dos inúmeros cursos que surgiram para atender essa deficiência. A maioria dos cursos são apenas informativos e com carga horária insuficiente para dar uma formação mínima aos profissionais. Nós recomendamos uma carga horária mínima de 40 horas para quem já tem formação na área elétrica. Para quem não tem formação na área elétrica/eletrônica, dependendo da experiência profissional, pode ser necessário uma carga horária bem maior para uma formação mínima que garanta que as instalações serão efetivadas de qualidade e com segurança. Importante ressaltar que esse cenário está mudando.
Existem várias iniciativas, públicas e privadas para desenvolver treinamento e capacitação adequados ao mercado, inclusive com a criação de uma certificação do profissional FV, assunto em que temos trabalhado desde meados do ano passado, em conjunto com a ABINEE, SENAI, GIZ, Centro Paula Souza e outras entidades do setor.
Canal: A energia solar deve ser mais explorada nos próximos anos?
Carlos Evangelista: De acordo com o último estudo da BNEF (Bloomberg New Energy Finance), em 2040, 43% de nossa matriz elétrica será da fonte solar fotovoltaica e, desse percentual, 75% será de geração distribuída. Essa projeção é similar ao que está acontecendo em outros países. Portanto, acredito que solar FV seja uma das fontes que mais receberão investimentos nos próximos anos.
Canal: Por que a eólica se destacou tanto em relação à solar nos últimos anos?
Carlos Evangelista: No caso da eólica, foi uma combinação de oportunidade, demanda e competência. Tenho certeza que as outras fontes também conseguirão juntar esses três fatores para alcançar o mesmo nível de desenvolvimento. Poucas pessoas sabem, mas a energia solar fotovoltaica existe no Brasil há mais de trinta e cinco anos. Infelizmente perdemos várias oportunidades de estar na vanguarda dessa tecnologia. No entanto, ainda há tempo para o Brasil se colocar como um dos maiores “players” mundiais desse segmento, pelo menos em alguns setores da cadeia de produção FV.
A ABGD apostou em 2015 em geração distribuída com fontes renováveis de energia (solar fotovoltaica, CGH´s, biomassa, biogás, eólica etc). Atualmente somos em 350 empresas do setor e devemos chegar ao final do ano com mais de 400 associados.
Ana Flávia Marinho-Canal-Jornal da Bioenergia