Evandro Gussi, atual presidente e CEO da União da Indústria da Cana de Açúcar (UNICA), desde fevereiro deste ano, foi como Deputado Federal, autor da Lei “RenovaBio”, que representa um marco para o setor de biocombustíveis no Brasil. Gussi é mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutor em Teoria do Estado pela Universidade de São Paulo (USP).
Canal: Quais os desafios da Unica para os próximos anos?
Evandro Gussi: Atuamos para garantir a competitividade do nosso produto no mercado internacional, identificando barreiras e distorções no comércio. O governo federal abriu contenciosos na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra a China, Índia e Tailândia.
A Tailândia sinaliza estar aberta a rever suas práticas e é possível que nem cheguemos a abrir o painel. Com a China estamos em fase de consulta na OMC sobre as salvaguardas. Seria um resultado positivo se o Governo chegasse a um acordo de não renovação das mesmas. E também, mais recentemente, o Governo entrou na OMC contra os subsídios da Índia à sua cadeia produtiva e de exportação de açúcar.
Além disso, trabalhamos conjuntamente com outros países para fortalecer os programas locais de incentivo ao etanol, o que trará mais equilíbrio para o mercado de açúcar. Isso garante que tenhamos uma demanda internacional do biocombustível maior no futuro.
Outra frente de trabalho é o acompanhamento da regulamentação do Programa RenovaBio, principalmente junto à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e ao Ministério de Minas e Energia, mas também aos órgãos ligados ao mercado financeiro para o detalhamento do funcionamento do mercado de Créditos de Descarbonização (CBios). Até agora, todos os prazos estabelecidos em lei foram cumpridos e estamos confiantes de que em 2020 o RenovaBio será uma realidade, trazendo segurança energética, previsibilidade para o setor de combustíveis e redução de emissões de gases de efeito estufa, com estímulo à geração de empregos e novos investimentos no país.
Canal: Na sua visão, quais são os maiores problemas da atividade sucroenergética no Brasil?
Evandro: Vemos que o maior desafio do Brasil, como um todo, é realizar as reformas estruturais, principalmente da previdência e tributária. Não há setor bom em país que não vá bem economicamente.
Canal: Como autor do projeto transformado em lei da nova política nacional dos biocombustíveis (RenovaBio), como o senhor avalia esta fase de regulamentação?
Evandro: Até agora todas as datas legais foram cumpridas. Estamos identificando um grande comprometimento das instâncias competentes com o cronograma estabelecido, principalmente do Ministério de Minas e Energia e da ANP.
Os sinais dos efeitos do RenovaBio já são aparentes, porque investimentos passam a ser projetados. No ano passado, por exemplo, a Fenasucro, principal feira do setor, teve um incremento de 7% no volume de negócios. E os especialistas dizem que isso está acontecendo, justamente, porque o RenovaBio está no horizonte.
Canal: O que o RenovaBio pode acarretar para o setor? Como está a conversação entre UNICA e o Governo Federal?
Evandro: O governo é um grande apoiador do RenovaBio, que vai implicar em um incremento superior a 50% no nosso consumo de etanol nos próximos nove anos. Além disso, o programa possibilitará uma redução de emissões na ordem de 10,1%. O impacto, sem dúvida, será muito importante também na vida dos brasileiros.
Hoje, quando nós olhamos para grandes cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo, nos perguntamos: por que são tão diferentes de cidades como Xangai, Bangkok e Nova Délhi? Localidades onde as pessoas têm problemas seríssimos de qualidade do ar, obrigados, inclusive, a usarem máscaras para se protegerem de um ar de péssima qualidade.
Rio de Janeiro e São Paulo diferenciam-se dessas metrópoles porque temos 27% do etanol associado à gasolina. Além disso, nós temos o benefício do carro flex, onde é possível utilizar 100% de etanol. Temos toda a sensibilidade e apoio do governo federal.
Canal: Nos últimos anos só ouvimos notícias de fechamento de usinas. Como está a atual situação delas?
Evandro: O setor já vem buscando maiores índices de eficiência há muitos anos. Acontece que, sobretudo durante o governo Dilma, com o controle dos preços da gasolina, as margens do etanol foram reduzidas, o que levou ao fechamento de, não algumas, mas inúmeras unidades, e, no fundo, sequelas gravíssimas em várias outras.
De lá para cá, o setor com muita resiliência, com muita capacidade de se reinventar, uma disposição para lutar por um Brasil mais competitivo, por uma agricultura e indústria mais competitivas, uma parte considerável do setor, já tem perfil de alavancagem e de endividamento bastante racionais.
Com o RenovaBio, as perspectivas são de que o setor retome sua pujança e sua capacidade de investimento e, consequentemente, a geração de emprego e renda. O setor sucroenergético é um setor que emprega muito. Que distribui muita renda por onde passa.
Um exemplo é que em cada município onde uma usina é instalada, a renda per capita aumenta em mil dólares, por ano. Nas cidades vizinhas à usina, onde há plantio de cana, a renda é de cerca de 400 dólares, per capita, ao ano. Então estamos muito esperançosos.
Além disso, nós produzimos açúcar, etanol e a bioeletricidade também. Uma parte considerável da energia que os brasileiros consomem vem da cogeração nas usinas.
Canal: E a nova safra? Qual a expectativa?
Evandro: A safra 2019/2020 será marcada pela conclusão da regulamentação do RenovaBio. Temos um trabalho interno a ser realizado pelas usinas, o qual envolve a organização e o levantamento de informações para o processo certificação e a obtenção da nota de eficiência energético-ambiental. Para auxiliar esse processo, a Unica está organizando workshops gratuitos em parceria com a ANP e a Associação Brasileira das Empresas de Verificação de Inventários de Emissões de Gases de Efeito Estufa e Relatórios Socioambientais (ABRAVERI). Nesses eventos procuramos esclarecer dúvidas e destacar a importância da participação dos produtores de etanol no RenovaBio. As usinas e destilarias que não se certificarem não poderão emitir os Créditos de Descarbonização (CBios) e, portanto, estarão fora do RenovaBio. Esse é um desafio que já está posto para todos os players do mercado nacional de biocombustíveis.
Canal: O senhor defende o livre mercado? Como seria?
Evandro: A Unica sempre defendeu o livre mercado, tanto que apoiou a redução da tarifa de importação comum do Mercosul para a entrada do etanol norte americano no Brasil. Contudo, como somos a favor do livre mercado, precisamos de contrapartida equivalente. Os Estados Unidos oferecem, atualmente, uma cota para o nosso açúcar que é um 1/6 do que oferecemos para eles. Assim, apoiamos a volta da TEC do Mercosul sobre o etanol. Se os países querem livre mercado, que seja livre de fato.
Canal: Qual a posição da UNICA em relação aos carros elétricos?
Evandro: Somos entusiastas do processo de eletrificação veicular. Estamos convencidos de que o etanol fará parte desse futuro. Uma ponderação que deve ser feita é de onde vem a energia que alimentará os carros. Se é de uma fonte que emite GEE, como as usinas a carvão, o objetivo de redução não é alcançado. Por isso, estamos contribuindo fortemente para mostrar que o caminho para eletrificação precisa ser coerente com o objetivo buscado. Se digo que estou reduzindo emissões com motor elétrico, mas uso eletricidade de uma termelétrica movida a carvão, meu discurso passa a ser falacioso. Infelizmente, isso é o que tem acontecido em algumas regiões do mundo.
Assim, vemos que iniciativas como a da Toyota, como o híbrido-flex, e a da Nissan, com a célula de combustível a etanol, são mais realistas e entregam a meta de redução de emissões.
Cejane Pupulin-Canal-Jornal da Bioenergia