O carro elétrico parece ser a foz para onde as águas da indústria automotiva correm de maneira inevitável, não é mesmo? Não para o grupo FCA, que no Brasil atua fortemente com as marcas Fiat e Jeep.
Durante o anúncio da nacionalização dos motores 1.0 e 1.3 turbo da família Firefly (ou GSE, se preferir), o que mais chamou a atenção da Quatro Rodas não foram os propulsores T3 e T4 de 130 e 180 cv, respectivamente, nem o investimento de R$ 8,5 bilhões que será aplicado em Betim (MG) nos próximos anos.
Lá no meio do comunicado, quase que despretensiosamente, a fabricante apontou também que está desenvolvendo um propulsor conhecido como E4, “com tecnologia turbo voltada apenas à combustão de etanol”. Ressaltou, ainda, que se tratava de uma “patente nacional”.
Mais adiante, o texto explicou que o propulsor será baseado no quatro-cilindros 1.3 GSE turbo (T4), porém com foco em alta eficiência energética, a fim de “reduzir o gap de consumo do etanol em relação à gasolina, que é de 30% atualmente”. As informações param aí.
Mas, afinal, do que se trata o conceito? No INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) há o registro de que o projeto vem sendo pensado pelo menos desde 1º de fevereiro de 2013.
Dois anos depois, o site Autos Segredos publicou um artigo a respeito do mesmo projeto, o que confirma que a FCA vem trabalhando nele já há um bom tempo.
A diferença é que o propulsor “turboetanol” daquela época era baseado no 1.4 T-Jet que conhecemos de versões de Punto, Bravo e 500. Agora, sua base será o 1.3 GSE que estará presente em Toro, Compass (cinco e sete lugares) e Fastback.
Lei do menor esforço
O conceito é engenhoso. Engenhosidade, aliás, que já foi em doses um tanto homeopáticas aplicadas aos propulsores 1.0 e 1.3 Firefly naturalmente aspirados, e que também estarão presentes nas derivações GSE turbo.
Trata-se do chamado downspeeding, uma solução de engenharia que visa a reduzir a energia dispensada pelo motor em seu próprio funcionamento e que acaba por reduzir sua eficiência térmica – ou seja, a energia produzida que efetivamente é transmitida às rodas.
Para tanto, os engenheiros da FCA já obtiveram nos propulsores Firefly (ou GSE, como queira) otimizações significativas em pontos como entalpia da queima do combustível, tempos de ignição, bomba de óleo variável e defasagem entre os tempos de admissão, compressão, combustão e exaustão.
Ele também promove redução significativa do movimento dos componentes do motor. Por exemplo, o centro dos pistões não fica alinhado com o centro do eixo do virabrequim, mas sim deslocado.
Desta forma, é possível ajustar o ângulo entre a biela e o pistão de forma que se aumenta o apoio do pistão na parede do cilindro quando a força vertical é pequena ou se reduz o apoio no local quando a força vertical é grande, diminuindo a perda de energia. Ainda pequenos rolamentos no virabrequim para facilitar o movimento.
Só que o E4 vai além: contará ainda com o auxílio de turbocompressor, injeção direta (que o 1.3 GSE turbo possui e o 1.4 TJet não tinha) e quatro válvulas por cilindro, itens essenciais em um conceito mais conhecido de todos nós, o downsizing, e que tem como principal foco dirimir o turbolag.
O que não pode passar batido é que o motor E4 terá, assim como os T3 e T4, comando de válvulas Multiair. Assim como as versões aspiradas, eles têm apenas um comando de válvulas com um variador de fase e seus cames atuam diretamente nas válvulas de escape.
Mas há uma câmara hidráulica gerenciada por solenóides (válvulas eletromagnéticas) em cada cilindro, que funciona como intermediária entre cames e válvulas de admissão. É a quantidade de óleo nessa câmara que define o momento da abertura das válvulas e o tempo que elas permanecerão abertas. Isso é decidido considerando parâmetros como temperatura, rotação do motor e da pressão exercida no pedal do acelerador.
Quando o solenóide está fechado, a câmara transmite todo o movimento dos cames ordenando a abertura completa da válvula. Quando aberto, porém, o óleo retorna para uma câmara e as válvulas continuam fechadas.
O segredo está em definir a quantidade de óleo que vai se deslocar, controlando o tempo e a duração da abertura de cada válvula de admissão. A variação é ilimitada o que permite controlar a admissão – e a perda por bombeamento gerada pela borboleta – a todo momento.
Para ter o desempenho máximo do motor, basta fechar o solenóide e obedecer os cames – o tempo deles foi definido para entregar potência máxima em alta rotação. Ao forçar o fechamento antecipado das válvulas em baixa rotação, porém, aumenta-se o torque.
Com todas estas estratégias, a FCA afirma que conseguirá compensar o déficit de poder calorífico do etanol frente à gasolina, tornando o aproveitamento do combustível vegetal em km/l tão bom (ou ainda melhor) quanto aquele obtido com o derivado do petróleo.
Uma fonte ouvida por Quatro Rodas durante o anúncio da expansão da fábrica de motores em Betim (MG) se mostrou extremamente empolgada com o projeto. “Se der certo, vai garantir a sobrevida dos motores a combustão por mais 50 anos. E levará os carros elétricos a perderem o sentido, pelo menos na América Latina”, explanou.
Aqui está o ponto nevrálgico do E4: ele é uma resposta extremamente criativa – e relativamente barata – da FCA à eletrificação, ainda tão cara e inacessível. A grande pergunta é: será que a aposta vai vingar? A fonte consultada aposta que sim: “O funcionamento desse motor é incrível”, relatou.
Por enquanto, o projeto segue em fase de testes e, diferentemente dos GSE turbo flex convencionais, que ganharão o mercado já no ano que vem, não deve ser lançado antes de 2022. Ou seja: quase um decênio depois de essa ideia sair da cabeça de algum engenheiro para lá de criativo. Revista Quatro Rodas