O combustível limpo já move milhares de veículos no chão, mas ainda não ganhou os ares. As companhias aéreas brasileiras ainda não adotaram o bioquerosene para abastecer suas frotas. Foram realizadas algumas iniciativas pontuais, mas a utilização rotineira ainda não é realidade e a justificativa é o déficit na produção nacional.
A aviação internacional é responsável por 2% das emissões de dióxido de carbono (CO2) da Terra. O setor precisa encontrar soluções para cumprir o compromisso de reduzir o impacto ambiental e as metas ambiciosas assumidas neste sentido. Até 2020, a meta estipulada durante a Assembleia da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) de 2013, com participação do Brasil, é atingir um crescimento neutro de carbono e, até 2050, reduzir até a metade suas emissões de CO2, com base nos níveis de 2005. As mudanças envolvem eficiência energética, melhorias tecnológicas e uso de biocombustíveis, o que também faz parte dos esforços consolidados no Acordo de Paris.
De acordo com informações da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o biocombustível de aviação pode ser utilizado voluntariamente em mistura com o QAV fóssil – desde que seguindo parâmetros e percentuais estabelecidos em resolução. O órgão afirma que o setor de transportes, incluindo a aviação, é responsável pela maior parte das emissões de CO2.
A American Society for Testing and Materials (ASTM) adota critérios rigorosos para a aceitação de misturas de biocombustíveis com o querosene de aviação (QAV) de origem fóssil. Estes critérios procuram garantir a qualidade do combustível antes e depois da mistura com o QAV, para que não haja necessidade de nenhuma alteração nos equipamentos e sejam atendidos os mesmos parâmetros de segurança na utilização em aeronaves comerciais de grande porte. Quando necessário, as normas de controle incluem parâmetros diferentes dos comumente analisados no QAV derivado de petróleo.
Atualmente, o Brasil não está produzindo bioquerosene. Apesar dos casos específicos de produção alguns anos atrás, as dificuldades de atingir um preço atrativo inviabilizaram a produção. Pedro Scorza, diretor de Biocombustíveis para Aviação da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), relembra que a Gol, em 2014, fez mais de 300 voos durante a Copa do Mundo com uma mistura de 4% de bioquerosene ao combustível convencional, mas, de lá para cá, tanto a produção quanto o consumo estão parados. “O problema hoje é mercadológico. O custo do bioquerosene final não é competitivo em relação ao fóssil. A tecnologia evoluiu muito, mas estimamos a diferença de preço em cerca de 20%, e isso chegava a 200% há alguns anos”, explica Scorza. Atualmente, o querosene de aviação responde por 28,8% dos custos das companhias, segundo dados da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear). “Aí entra a questão da escala, como ainda não há produção, o preço fica mais alto.”
Entretanto, Scorza afirma que o Brasil tem potencial para estabelecer uma indústria capaz de atender a demanda por bioquerosene. Segundo levantamento da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a demanda por querosene de aviação no Brasil em 2018 foi de 7 bilhões de litros – isso representa menos que a capacidade autorizada para produção de biodiesel no País – projetando 10 bilhões de litros em 2028. “Se formos cumprir a obrigação da indústria da aviação civil nos voos internacionais de neutralizar o crescimento das suas emissões absolutas de gases de efeito estufa a partir de 2020, necessitaríamos aproximados 1,5 bilhões de litros em 10 anos: muito menor que o crescimento da indústria do biodiesel teve no mesmo período. Ou seja, é possível estabelecer uma indústria com escala para atender o mercado de combustível sustentável de aviação. A questão principal, na verdade, é o preço.”
Como proposta, o porta-voz da Ubrabio afirma ser necessário resolver gargalos logísticos, de distribuição e de preço. Ele considera também uma estrutura tributária equivalente à do biodiesel e etanol, melhorando a competitividade com o querosene fóssil. “Um exemplo é que as biomassas com custo mais acessível estão concentradas em regiões menos densas e distantes dos grandes mercados, enquanto os grandes mercados consumidores estão concentrados próximos ao litoral. O ideal é que a biomassa esteja próxima à biorrefinaria, que, por sua vez, deve estar próxima aos aeroportos.”
Companhias
A GOL Linhas Aéreas Inteligentes foi pioneira na utilização do bioquerosene, efetuando o primeiro voo comercial em 2012 com biocombustível no Brasil. Em 2014, o mesmo foi utilizado durante a Copa do Mundo em mais de 360 voos e para a realização do primeiro voo internacional de uma empresa brasileira. “As iniciativas são uma forma de demonstrar o desempenho dos combustíveis sustentáveis e destacar os benefícios que eles possuem para o meio ambiente, de forma a despertar o interesse por essa alternativa no País. Hoje as tecnologias em uso para produção de bioquerosene de aviação são todas certificadas e são alinhadas ao alto padrão de segurança de nossa indústria”, considera Pedro Scorza, que também é assistente-técnico para Combustíveis Renováveis da GOL.
Segundo Scorza, a grande vantagem da utilização de biocombustíveis é a redução das emissões de gases de efeito estufa, determinantes para o aquecimento global, além da manutenção da sustentabilidade local por meio da redução das emissões de gases particulados devido à sua composição. Em termos técnicos, a eficiência e o rendimento do combustível é exatamente igual ao fóssil e sua utilização não exige nenhum ajuste nas aeronaves.
Ainda assim, o grande desafio apontado pelo executivo da GOL é o custo, sendo este um componente importante na sustentabilidade financeira de uma empresa aérea. “A Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) de dezembro de 2017, associada aos esforços em pesquisa através da Rede Brasileira de Bioquerosene (RBQav), plataformas de bioquerosene estaduais e projetos da iniciativa privada, têm construído uma base que trará competitividade a estes combustíveis renováveis em esperado curto prazo.”
Para o futuro, a GOL vem desenvolvendo estratégias de curto e longo prazo pensando na utilização dos biocombustíveis. No momento, a companhia está empenhada em fomentar e desenvolver essa nova cadeia produtiva nacional por meio de acordos com dois fornecedores que estão dispostos a produzir o combustível considerando a qualidade, sustentabilidade, custos adequados e especificidades que a segurança da aviação requer. “Além disso, há cerca de cinco anos, identificamos o potencial da macaúba, particularmente na biodiversidade de Minas Gerais, e, desde então, temos colaborado com um projeto de reflorestamento de áreas degradas que, em algumas décadas, tornará possível a utilização de óleo do fruto da planta para a produção dos combustíveis sustentáveis, ao mesmo tempo em que trará benefícios sociais, ambientais e econômicos para a região e contribuirá com a descarbonização de nossa indústria”, antecipa Scorza.
Em 2012, a Azul Linhas Aéreas Brasileiras fez um voo teste com bioquerosene, que foi batizado de Azul+Verde. A companhia abasteceu metade da aeronave com biocombustível de cana. Na época, segundo a coordenadora de gestão ambiental, Raquel Carramillo Keiroglo, a empresa notou que seria possível produzir o querosene de aviação (QAV) com esse combustível, mas, hoje, entendem que não há escala comercial no mercado para suprir a demanda que surgiria.
“Nesse sentido, a Azul entende que o CORSIA (Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation) é um sistema importante, porém provisório, para a redução do impacto da aviação no clima global. Ainda assim, a companhia acredita que a adoção de biocombustíveis é a alternativa que trará resultados efetivos à questão de emissão de gases do efeito estufa pela aviação”, afirma Keiroglo, referindo-se ao o esquema de compensação e redução de carbono para a aviação internacional desenvolvido pela OACI. Segundo ela, por isso, a empresa está engajada em participar das discussões sobre a produção, distribuição e consumo de BioQAV, em parceria com a ABEAR, a fim de garantir a qualidade, quantidade e viabilidade econômica desse tipo de combustível.
Já o Grupo LATAM Airlines afirmou por meio de nota que apoia iniciativas que buscam viabilizar o uso de combustíveis de menor impacto ambiental no setor aéreo e tem protagonizado diferentes ações sobre o tema nos últimos anos. O Grupo não investe diretamente em biocombustíveis, mas tem interesse em utilizá-los quando os preços e as condições de produção e comercialização forem similares às do combustível de aviação.
Canal-Jornal da Bioenergia