Alessandro Gardemann é formado em Administração de Empresas pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP- FGV), com cinco anos de atuação no mercado financeiro. Em 2008, fundou a Geo Energética e, desde então, tem se dedicado ao biogás. Foi um dos fundadores da Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), onde, atualmente, é o presidente.
Canal: Jornal da Bioenergia: De que forma o senhor avalia o setor de biogás em 2019?
Alessandro Gardemann: O setor passa por uma excelente fase. Neste ano, tivemos um crescimento de 40% em relação ao ano passado, com novos empreendimentos surgindo em diversas regiões do Brasil, que somam mais de 300 unidades. Com o novo marco regulatório para o mercado de gás natural instituído pelo Governo Federal, vislumbramos uma ótima oportunidade para o incremento do biogás, com a produção descentralizada no interior. O biogás e o gás natural são complementares, levando o gás para as regiões do Brasil onde não há canalização, já que ele pode ser produzido próximo à fonte da matéria-prima: resíduos agroindustriais, sucroenergéticos e de saneamento.
Canal: Qual a produção atual do Brasil?
Alessandro: Hoje, o Brasil produz 500 mil m³/ dia de biometano e mais 300 MW de biogás, o que equivale ao total de 1,5 milhão m³/dia de biogás. A participação é de 2% do gás natural do país.
Canal: O biogás tem três aplicações: térmica, elétrica e de mobilidade. Qual mais cresce no Brasil? E no mundo?
Alessandro: No Brasil, a maior parte serve para a produção de energia elétrica e térmica, mas já temos projetos inovadores que estão produzindo combustível principalmente para a substituição de diesel. No mundo, principalmente na Europa, a aplicação é para energia elétrica. Agora, em nova fase, estão incentivando a integração de biogás em frotas de transporte público e de carga, substituindo o diesel, como na Suécia. Nos EUA, estão incentivando principalmente o biometano, com as melhores notas de descarbonização no programa LCFS (Low Carbon Fuels Standard) da Califórnia. Diria que o uso do biogás para mobilidade, com o objetivo de reduzir a importação de combustíveis fósseis, configura a próxima tendência em biogás. A Índia, por exemplo, também está lançando um programa para incentivar este tipo de uso do biogás.
Canal: Qual o potencial do Brasil em relação à energia produzida pelos rejeitos? Quais as perspectivas para a próxima década/ anos?
Alessandro: Como uma potência agroindustrial, associada à população de mais de 200 milhões de habitantes, o Brasil tem o maior potencial do mundo para a produção de biogás, que é de 84,6 bilhões Nm³/ano. A maior fonte de resíduos que poderiam ser aproveitados para a produção de energia vem do setor sucroenergético, que chegaria a 41, bilhões Nm³/ano. Já os resíduos da indústria agropecuária apresentam um potencial de 37,4 bilhões Nm³/ano.
Recentemente, a ABiogás produziu um estudo em parceria com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) que calculou o volume de resíduos sólidos produzidos nos aterros sanitários e o potencial de biogás que está sendo desperdiçado e que poderia ser convertido em energia.
Os dados mostram que o Brasil destinou mais de 42 milhões de toneladas de resíduos sólidos para aterros sanitários em 2018. Considerando que apenas 75% do volume de biogás gerado em aterros sanitários consegue ser captado, a estimativa é de que o Brasil poderia captar 4,2 bilhões de Nm³ de biogás. Porém, apenas 9% deste potencial foi utilizado para geração de eletricidade (751 GWh) e menos de 2% produziu 35 milhões de Nm³ de biometano.
A nossa previsão é de que chegaremos a uma produção de 30 milhões Nm³/ dia até 2030, com investimentos de cerca de R$ 50 bilhões.
Canal: O mercado do biogás pode ser considerado já consolidado no país? O biogás é uma fonte de energia discriminada? Por quê?
Alessandro: É um mercado em processo de consolidação. Durante muito tempo o biogás teve sua imagem comprometida devido a projetos que não apresentaram bons resultados por deficiência tecnológica. Mas estamos em nova fase. Hoje, dispomos de tecnologia eficiente e competitiva para produzir um biogás que garanta qualidade e disponibilidade, e que nos garanta segurança energética e mitigação de impactos ambientais, com destinação definitiva de resíduos.
Canal: A Lei de Resíduos Sólidos de 2010 permitiu o crescimento do uso desta matéria-prima? O que mudou deste então para o avanço?
Alessandro: A PNRS tem interface com o biogás, mas não traz nenhum detalhamento sobre seus diferentes usos, substratos e potencialidades. Dessa forma, serviu para trazer a discussão de aproveitamento energético dos resíduos orgânicos, mas não serviu como um grande trampolim para o setor de biogás.
Canal: É notável o crescimento desta fonte de energia no Brasil. Há novos projetos a serem implantados ainda neste ano e em 2020? Em quais estados?
Alessandro: Este ano tivemos grandes projetos lançados. Temos dois aterros no Rio de Janeiro que vão produzir energia elétrica e biometano em Seropédica e Nova Iguaçu. Além disso, foi inaugurada a usina termelétrica a biogás de Entre Rios do Oeste, no Paraná, que funciona como uma cooperativa do qual a energia elétrica gerada será utilizada na própria cidade. Um projeto de destaque em andamento é o “Cidades Sustentáveis” da Cocal com a GásBrasiliano. A iniciativa utilizará os resíduos de cana-de-açúcar da Cocal e será distribuído por um gasoduto dedicado de cerca de 60 km de extensão atendendo 230 mil pessoas no interior paulista com biometano.
Canal: Em quais regiões e estados esse tipo de energia mais avança? Por quê?
Alessandro: Fortaleza (CE) já conta com uma das maiores plantas de biogás, com sua produção sendo injetada diretamente na rede da concessionária local. Temos projetos bastante avançados no Sul. No Paraná, a cidade de Entre Rios do Oeste inaugurou recentemente uma usina de produção de biogás a partir de rejeitos suínos que está abastecendo 100% dos equipamentos da Prefeitura. São 72 prédios da administração municipal que tem sua energia elétrica fornecida a partir de 215 toneladas de dejetos de suínos de 18 fazendas da região.
Canal: Qual matéria-prima para a geração do biogás ganha mais espaço? É no setor rural ou nas cidades, com os resíduos urbanos?
Alessandro: Muito mais no setor rural. Atualmente, o Brasil apresenta o maior potencial energético do mundo, que chega a 84,6 bilhões Nm³/ano. O setor sucroenergético seria o maior fornecedor de insumos, representando um potencial de produção de 48%. Em seguida, contaríamos com 45% de resíduos agroindustriais e 7% do saneamento. Esse potencial tem capacidade de suprir quase 40% da demanda nacional de energia elétrica e 70% da demanda de diesel.
Canal: O RenovaBio pode ajudar o setor? Se sim, como?
Alessandro: Sim. A Política Nacional dos Biocombustíveis ou RenovaBio é uma iniciativa de nível federal que busca incentivar a descarbonização do setor de transporte. Essa “descarbonização” será feita a partir de metas anuais definidas para um período de dez anos, metas individuais para as distribuidoras de combustíveis e através da certificação dos biocombustíveis com valores que demonstrem a diminuição de emissão dos gases causadores do efeito estufa.
Nesse sentido, ressaltamos como o biometano pode ser importante para que os agentes alcancem essas metas. Obtido através da purificação do biogás, o biometano pode apresentar emissão negativa ou uma “pegada neutra de carbono” ao analisarmos seu ciclo de vida completo. Ao usar resíduos orgânicos para produzir combustível, o agente detém de maior valor de descarbonização, o que consequentemente vai incentivar toda a cadeia do biogás. O biogás além de ter a uma das melhores notas do programa do RenovaBio, a integração dele na cadeia de outros biocombustíveis, como um etanol que seja produzido sem a utilização de diesel e use biometano na logística da cana, terá um ganho em sua nota de descarbonização, gerando além do Cbio (crédito de descarbonização) do biogás em si, também terá mais Cbios para a mesma quantidade de etanol produzido.
Canal: Existem linhas de financiamento para expansão do setor?
Alessandro: Sim, cito algumas delas: Fundo Clima – Energias Renováveis (BNDES); Programa ABC (Agricultura de Baixo Carbono) (BNDES); Inovagro (BNDES); Linha Economia Verde (Desenvolve SP); FUNDES Economia Verde (BANDES); Fundo Constitucional do Centro Oeste – FCO (Banco do Brasil); Fundo Constitucional do Nordeste – FNE (Banco do Nordeste).