Queda do petróleo e alta do dólar: mais açúcar e menos etanol

A desvalorização abrupta nos preços internacionais do petróleo semanas antes do início da safra de cana-de-açúcar no Brasil inverteu o cenário para a produção de açúcar e etanol no país.

Com uma produção de biocombustível voltada majoritariamente para o mercado interno, a tendência é de que as usinas voltem a priorizar a fabricação de açúcar nesta temporada atentas à intensa valorização do dólar ante o real.

“Ironicamente, a safra passada foi uma tragédia para quem estava posicionado no açúcar e, neste ano, é a salvação. Toda a dinâmica da safra passada foi invertida. Quem está exposto no mercado de etanol está preocupadíssimo e, quem está no açúcar, está tranquilo”, observa Mauricio Muruci, analista da Safras & Mercado.

A consultoria já reduziu em cerca de 2,5 bilhões de litros suas previsões para a produção de etanol nesta temporada, número que pode ser revisto ao longo das próximas semanas caso a situação do mercado permaneça como está.

Dois produtos, dois mercados

Há ainda uma outra diferença fundamental entre os dois produtos que deve motivar a mudança no mix da produção das usinas de açúcar e álcool.

Como o etanol tem como destino principal o mercado interno, negociado num modelo semelhante às negociações de balcão, sua fixação em mecanismos de hedge se torna menos eficiente do que no caso do açúcar.

“Uma usina pode até tentar se proteger do etanol usando alguns recursos que o mercado financeiro pode disponibilizar, mas ainda assim não será uma proteção perfeita. Então, se a usina quiser agora, nesse momento, otimizar a sua receita, ela certamente vai virar o botão para produção de açúcar”, explica Arnaldo Luiz Corrêa, da Archer Consulting.

Ele avalia que o percentual de matéria prima destinada à produção de açúcar pelas usinas gire em torno de 43% a 44% em 2019/2020, ante 42,5% apontados inicialmente pela consultoria.

Após operarem na casa dos US$ 0,15 a libra-peso no início deste ano, os preços internacionais da commodity voltaram ao patamar dos US$ 0,11 nas últimas semanas, acompanhando as mudanças no cenário de mercado.

Impacto limitado

Segundo Muruci, o efeito da desvalorização internacional do açúcar será ainda menor sobre as usinas brasileiras devido à elevada antecipação das vendas desta temporada.

“Lá no início do ano o pessoal já sabia que era o melhor momento do ano [para fixar preços] sem saber que a gente estava na beira do precipício”, destaca o analista.

A Safras & Mercado avalia que 63% das 19 milhões de toneladas previstas para serem exportadas nesta temporada tenham sido fixadas até fevereiro.

Mercado de etanol

Se para o açúcar os efeitos da desvalorização são limitados pelo dólar e pelos mecanismos de hedge adotados pelas usinas, no mercado de etanol o cenário é pouco animador.

Muruci explica que, com preços na casa dos R$ 2,20 nas usinas, o biocombustível ofereceu uma remuneração média entre 8% e 10% superior ao do açúcar na semana passada ante uma média de 38% a 40% para o período.

“São ganhos positivos mínimos e a tendência é que que essa rentabilidade fique negativa”, aponta o analista ao avaliar que os preços do etanol possuem mais espaço para queda nas próximas semanas diante da entrada da nova safra de cana-de-açúcar em abril.

“O etanol hidratado, normalmente, já teria pressão sazonal forte agora, o petróleo só adiantou isso”, explica Muruci ao lembrar que muitas usinas têm antecipado a moagem desde fevereiro.

Preço nos postos

Nos postos, as perspectivas são de maior competitividade do etanol ante a gasolina no curto prazo, já que os repasses na queda do preço da gasolina devem levar cerca de duas semanas a mais que o do etanol.

“Semana que vem, vamos começar a ver aumento da competitividade porque o etanol hidratado vai cair nas bombas essa semana, enquanto a gasolina vai estar firme ainda”, explica o analista da Safras & Mercado.

Esse cenário, contudo, deve durar pouco tempo. “A Petrobras certamente deve reduzir a gasolina nas refinarias. Eu chutaria algo em torno de R$ 0,15 além do que já foi reduzido”, avalia Corrêa.

Posição do setor

Em nota, o diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Antonio de Padua Rodrigues, afirma que a entidade não recebeu nenhuma informação de alterações na programação de início de safra das usinas.

Padua também minimizou os impactos da crise com o coronavírus sobre o setor. Segundo ele, não há informações de problemas com logística e abastecimento, o que deve minimizar possíveis efeitos sobre a receita das usinas neste início de safra.

“Não havendo ainda problema com a logística na exportação de açúcar, com o fechamento de portos, por exemplo, essa passa a ser uma fonte importante de financiamento”, reconhece Padua.  Globo Rural

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