Defesa do B13 imediato para contornar as dificuldades

CRISE DA COVD   Juan Diego Ferrés, presidente da União Brasileira  do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio)

Canal – Jornal da Bioenergia: Quais os efeitos da crise imposta pela pandemia do novo coronavírus no setor?

Juan Diego Ferrés: O biodiesel tem como sua principal matéria-prima o óleo de soja, e em função do aumento da demanda chinesa, da entressafra norte-americana e das dificuldades de exportação na Argentina, a exportação brasileira do grão apresenta um forte crescimento.

De acordo com dados do Ministério da Economia e dos embarques, as exportações de janeiro a maio de 2020 apresentaram um crescimento de 5% em relação ao mesmo período de 2019. Além disso, a redução da demanda por produtos do complexo soja em razão da interrupção de frigoríficos e a menor demanda por diesel reduziram a capacidade da indústria brasileira de fazer frente à demanda externa e industrializar a soja brasileira. No mês de abril de 2020, por exemplo, houve um salto de 73% nas vendas externas do produto em relação a abril de 2019 (comparando em milhões de toneladas março 2020 sobre março/2019: 16,3 milhões versus 9,4 milhões).

Embora a exportação de grão seja muito positiva para a balança comercial brasileira, a combinação de câmbio favorável e menor demanda por biodiesel pode levar a uma redução no processamento de soja e, consequentemente, menor produção de farelo proteico de soja, base da proteína para alimentação animal, e óleo vegetal, base para a produção de biodiesel.

 

Canal – Houve efeitos negativos? Se sim, quais os principais?

Ferrés: A queda do PIB decorrente da pandemia da Covid-19 resultará em forte queda na demanda por diesel comercial e, por consequência, do biodiesel. De acordo com informações da ANP, Banco Central do Brasil e projeções da Ubrabio, as vendas do produto deverão cair de 6,9 bilhões de litros para 6,5 bilhões de litros, ou seja, uma redução de 400 milhões de litros. De acordo com esse cenário, a demanda por matérias-primas cairá significativamente. O óleo de soja, por exemplo, terá uma queda nas vendas para biodiesel da ordem de 350 mil toneladas, volume equivalente ao esmagamento de 1,75 milhão de toneladas de soja. Ou seja, a redução da demanda por diesel comercial trará impactos negativos severos para a cadeia produtiva do biodiesel, a qual, por sua vez, reduzirá a oferta de farelo de soja para a produção de proteínas animais.

 

Canal – O que precisa ser feito para atravessar esse ano e mitigar os efeitos negativos para o negócio? O que depende do governo federal e dos estaduais? E o que o próprio setor pode fazer?

Ferrés: Chegou a hora de discussões a respeito da agregação de valor no Brasil. Hoje dependemos do biodiesel para reter uma parcela pouco superior de um terço da soja produzida, para esmagamento no Brasil. Por isso estamos sendo obrigados a pleitear o B13 imediato – embora possa parecer uma contradição, não é.

Preservando a demanda de biodiesel, em detrimento de uma mínima diferença na importação de diesel fóssil, o Brasil garantiria a retenção dessa parcela de grão, já pequena, para o esmagamento do segundo semestre.

Com isso, fica preservada a robustez das cadeias que dependem do farelo, tanto para a alimentação do mercado interno quanto para as produções para exportação das carnes e derivados, que vem operando em ritmo muito forte em 2020 e, que não deveriam ser prejudicadas.

Esses setores acima mencionados que vêm resistindo à crise bravamente, não deveriam ser premiados com a falta de sensibilidade ou indiferença do governo em relação aos seus problemas, pois contribuem muito para mitigar os efeitos da crise do Covid-19.

Ainda não há falta de disponibilidade de soja para o esmagamento, mas da equação econômica para a retenção  dessa matéria-prima, insubstituível para a alimentação dos nossos rebanhos e nossos plantéis até a chegada da próxima safra, só em 2021.

Isso depende de três ministros: da Economia, da Agricultura e do Ministério de Minas e Energia, no imediato:

– financiamento à estocagem da soja.

– suporte da demanda no mercado de biodiesel.

Isso é o que dá para fazer no curto prazo para atravessar o segundo semestre de 2020.

 

Canal – E o futuro? Como planejar para o pós-crise?

Ferrés: No longo prazo: discussão das políticas de equalização do Complexo Soja Brasileiro no ambiente global, hoje certamente sofrendo de distorções que representam perdas de valor e eficiência.

Substituir o mercado quase único, do grão e da China, pela exportação muito superior de centenas de produtos para milhares de clientes em dezenas de países, com a agregação de valor brasileiro, com um objetivo de, nos próximos anos, conseguirmos industrializar, no mínimo, a metade do total da soja produzida anualmente.

Por agregado, seremos surpreendidos com um crescimento inesperado da atual produção de 124 milhões de toneladas anualmente para 200 milhões de toneladas, numa década. Surpresa: a metade que ainda remanescerá para as exportações de grão, ainda será bem maior que os dois terços do total atualmente exportados. E os valores? Dez vezes maiores!

 

Canal –  Que lição tirar dessa situação atual?

Ferrés: Desde março, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o coronavírus como pandemia, as indústrias de biodiesel associadas à Ubrabio passaram por uma severa adaptação para continuar produzindo sem colocar em risco a saúde dos seus colaboradores. Quase dois meses depois, as empresas confirmam a ausência de casos de contaminação por Covid-19 em suas unidades.

Ao todo, são 14 unidades de produção de empresas associadas à Ubrabio, instaladas em oito estados brasileiros (RS, MT, SP, GO, TO, PR, BA, PI), livres de casos de coronavírus entre os trabalhadores.

Esse exemplo demonstra a capacidade de adaptação do setor frente aos mais profundos desafios, conseguindo sustentar os pilares econômico, social e de sustentabilidade do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), mesmo diante de uma crise sem precedentes como a atual.

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