Plínio Nastari, presidente da DATAGRO, é um renomado especialista em consultoria agrícola com uma vasta experiência que se estende por mais de 50 países. Com uma trajetória marcada por profundas análises e previsões do setor sucroenergético, Nastari é uma figura central nas discussões sobre tendências e desafios do mercado. Recentemente, ele compartilhou suas percepções sobre as previsões da safra e as dinâmicas dos mercados no setor sucroenergético em uma entrevista ao Canal – Jornal da Bioenergia.
Canal – Jornal da Bioenergia: Quais são os principais desafios enfrentados pelas usinas neste ano, de acordo com a DATAGRO?
Plínio Nastari: Na safra 24/25, acreditamos que os principais desafios estarão relacionados ao clima mais seco, que em algumas regiões do País está exigindo uma revisão no planejamento de colheita e comercialização. No âmbito regulatório, a preocupação gira em torno do detalhamento da Reforma Tributária e do tratamento que deverá ser dado aos produtos com maior teor de açúcar.
Canal: Qual é a previsão atual para o mercado de açúcar? O aumento nas exportações de açúcar no mês passado indica uma tendência para toda a safra de 2024?
Plínio: O Brasil desempenha um papel crucial como maior fornecedor de açúcar no mercado mundial. No caso do açúcar bruto a granel, o país é responsável por quase 80% das exportações globais. Na safra 23/24, o Brasil (Centro-Sul e Norte-Nordeste) exportou 35,25 milhões de toneladas de açúcar. Para a safra 24/25, estimamos um excedente exportável de 34,28 milhões de toneladas. O line-up de navios continua indicando uma fila com volumes nomeados acima de 3 milhões de toneladas por mês.
Canal: Como os conflitos e guerras globais têm influenciado o preço do açúcar brasileiro no mercado internacional? Existe algum impacto significativo?
Plínio: Conflitos e guerras, como o da Ucrânia-Rússia e o de Israel-Hamas, não têm impactado o comércio e o preço do açúcar no mercado internacional. O fato mais relevante é que o balanço mundial nos anos comerciais 23/24 e 24/25 (outubro/setembro) indica uma condição bastante equilibrada. Estamos prevendo um pequeno déficit de 1,1 milhão de toneladas de açúcar bruto equivalente para 23/24 e um ligeiro superávit de 0,5 milhão de toneladas para 24/25. O fluxo de comércio tem mostrado um ligeiro superávit no caso do 01bruto e um ligeiro déficit no caso do açúcar branco.
Canal: Existe alguma previsão para a abertura de novos mercados para o etanol? A parceria com carros híbridos é considerada uma possibilidade viável?
Plínio: Mais do que abrir novos mercados para a exportação de etanol, os produtores brasileiros têm feito um esforço significativo para ampliar a adoção do etanol como solução para o transporte terrestre, marítimo e aéreo. Esses esforços estão dando resultado, especialmente porque o etanol produzido no Brasil é certificado e tem comprovadamente uma baixa intensidade de carbono. Isso lhe confere uma grande capacidade de promover a descarbonização, seja pelo seu uso direto em veículos e no transporte fluvial e marítimo, seja como insumo para a produção de outros combustíveis, como o SAF (combustível sustentável de aviação) e o plástico verde.
Canal: Qual é o cenário atual para a bioeletricidade no Brasil em 2024?
Plínio: Em 2023, a participação das fontes renováveis na matriz elétrica brasileira, avaliada pelo SIN (Sistema Interligado Nacional), foi de 93,0%. A bioeletricidade contribuiu com 8% desse total, mantendo o mesmo percentual observado em 2022. A energia hidráulica representou 59,8%, a eólica 13,2%, a solar fotovoltaica 7%, a energia elétrica a partir do gás natural fóssil 5,3%, outros derivados de petróleo 1,5%, e a nuclear 2%. Assim, a bioeletricidade é um componente crucial da oferta de energia elétrica no país. Considerando que 2024 está sendo um ano mais seco do que o normal, a importância da bioeletricidade aumenta, pois é uma energia firme gerada de forma complementar ao regime sazonal da energia hidráulica. Com um ano mais seco, o nível dos reservatórios deve diminuir, e o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), calculado pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), deve refletir essa condição climática menos favorável.
Canal: Os projetos políticos em votação, como a política “do berço ao túmulo” no Programa de Combustível do Futuro, o Projeto de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), e o projeto de transição energética no Senado, representam uma vitória para o setor sucroenergético?
Plínio: A adoção do conceito “berço ao túmulo”, ou Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), no cálculo das emissões de carbono dos veículos, aprovado no Programa Mover e adotado pelo Deputado Arnaldo Jardim em seu trabalho de relatoria do Projeto de Lei Combustível do Futuro, que está em tramitação no Senado Federal, representa uma vitória para toda a sociedade e coloca o Brasil na vanguarda mundial em termos de regulação moderna e avançada. Esse conceito é considerado pelo meio científico como o mais completo e definitivo, oferecendo previsibilidade e segurança regulatória para nortear investimentos na mobilidade sustentável e na transição energética. Exatamente por esse motivo, já foram anunciados investimentos no Brasil que ultrapassam 130 bilhões de reais nos próximos anos.
Canal: Como o RenovaBio contribui para a diversificação da produção e para a redução das emissões de carbono no Brasil, e quais são os possíveis benefícios e desafios na atualização de seus princípios?
Plínio: Temos acompanhado os esforços de muitos grupos de produtores e suas entidades representativas na promoção da diversificação da produção e do uso integral da energia contida nas principais fontes de biomassa, como cana-de-açúcar e milho, além de seus coprodutos e resíduos. O Brasil está avançando na direção da produção de produtos bioenergéticos com menor intensidade de carbono, criando oportunidades interessantes para várias cadeias de produção promoverem uma efetiva redução de emissões, com a garantia de que a origem dos produtos é certificada seguindo os mais rigorosos padrões internacionais. Esse é o grande valor e legado do RenovaBio, que precisa ser valorizado e preservado, inclusive com a atualização e modernização de alguns de seus princípios, se necessário. (Canal- Jornal da Bioenergia)