Nos últimos anos, o emprego de bioinsumos tem aumentado na produção agrícola brasileira, face à percepção da maior necessidade de adotar práticas mais sustentáveis, de forma a reduzir o impacto ambiental e, ao mesmo tempo, diminuir custos. Na cadeia produtiva da cana-de-açúcar, um dos pilares da economia agroindustrial do Brasil, a adoção de bioinsumos surge como uma alternativa promissora frente aos insumos químicos convencionais. Contudo, para que essa tecnologia seja incorporada em larga escala, é essencial considerar os fatores econômicos envolvidos, incluindo custos, oferta, demanda e impactos macroeconômicos.
Em 2023, o mercado global de bioinsumos agrícolas foi avaliado entre US$ 13 e 15 bilhões, abrangendo segmentos como controle biológico, inoculantes, bioestimulantes e solubilizadores. A expectativa é que este mercado cresça a uma taxa anual de 13% a 14% até 2032, podendo atingir o valor de US$ 45 bilhões, ou seja, triplicando o número atual. Os produtos de controle biológico representam a maior parcela desse mercado, com 57% do valor total, e devem continuar liderando o avanço, especialmente com a crescente adoção de bioinsumos nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil.
O mercado de bioinsumos no Brasil registrou crescimento de 15% na safra 2023/2024 em relação à anterior, totalizando R$ 5 bilhões em vendas ao agricultor. Nos últimos três anos, esse mercado teve taxa média de avanço anual de 21%, um desempenho notável e que é quatro vezes superior à média global.
A área tratada no Brasil com proteção de cultivos, que abrange terras agrícolas onde são implementadas práticas para proteger as plantas contra pragas, doenças e outros fatores prejudiciais, tanto por meio de produtos químicos quanto biológicos, aumentou 15% na safra 2022/2023 em comparação com a anterior. Nesse mesmo período, o uso de bioinsumos agrícolas cresceu mais de 35% dentro dessa área, atingindo 12% de participação total na safra 2022/2023. Dentre as principais culturas que utilizam bioinsumos, a soja se destaca, representando 55% do total, seguida pelo milho, com 27%, cana-de-açúcar, com 12%, e outras culturas como algodão, café, citros e hortifrúti (HF) que, juntas, somam 6%.
O estado de Mato Grosso lidera o uso de produtos biológicos agrícolas no Brasil, representando 33,4% do total nacional. Em seguida, estão Goiás/Distrito Federal, com 13%; São Paulo, com 9%; Paraná, com 7,9%; e Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, com 7,8% cada. A taxa média de adoção de bioinsumos por área aumentou de 22% para 23% entre as safras 2022/2023 e 2023/2024, abrangendo todos os segmentos. A utilização dos biofungicidas aumentou de 11% para 12%; bioinseticidas, de 19% para 21%; bionematicidas, de 24% para 25%; bioinoculantes, de 61% para 63%; e solubilizadores de nutrientes, de 3% para 4%. Dentre as culturas, destaca-se o uso de bionematicidas no algodão e soja; bioinseticidas na cana-de-açúcar e milho; biofungicidas na soja e no milho; além de bionematicidas e biofungicidas em hortifruti (HF).
CUSTOS: UM DESAFIO INICIAL COM POTENCIAL DE REDUÇÃO
A adoção de bioinsumos na produção de cana-de-açúcar apresenta desafios significativos, especialmente no que diz respeito ao custo inicial de implementação. Esse custo pode ser maior em comparação aos insumos convencionais, devido à necessidade de adaptação das práticas agrícolas, à capacitação de mão de obra e à aquisição de novos produtos. Além disso, a produção em larga escala de bioinsumos ainda enfrenta desafios logísticos e tecnológicos que podem elevar os preços, tornando o investimento inicial mais elevado para produtores.
No entanto, estudos mostram que, a médio e longo prazos, os bioinsumos podem reduzir consideravelmente os custos de produção. Isso se deve à diminuição da necessidade de insumos químicos, ao menor gasto com correção de solo e tratamentos fitossanitários, além de melhorias na qualidade do solo e na produtividade das culturas. Por exemplo, o uso de inoculantes desenvolvidos pela Embrapa na cana-de-açúcar mostrou aumento de até 20% na produtividade, o que pode compensar os custos iniciais mais elevados.
Além disso, as práticas sustentáveis associadas ao uso de bioinsumos têm potencial para gerar economias adicionais ao longo do tempo, especialmente em um contexto em que o mercado valoriza produtos sustentáveis e que políticas públicas incentivam práticas agrícolas mais verdes?, capazes de promover uma produção mais eficiente e mais sustentável, o que pode ser vantajoso em mercados que estão, cada vez mais, exigindo práticas agrícolas ambientalmente responsáveis.
IMPACTOS ECONÔMICOS: SUSTENTABILIDADE E COMPETITIVIDADE
A adoção de bioinsumos na produção de cana-de-açúcar no Brasil tem o potencial de gerar impactos macroeconômicos significativos, principalmente ao fortalecer a competitividade do País no mercado global e ao promover práticas mais sustentáveis. Do ponto de vista econômico, a substituição de insumos químicos por bioinsumos não apenas diminui a dependência de produtos importados, mas também reduz os custos ambientais associados à produção agrícola, como a emissão de gases de efeito estufa e a degradação do solo.
O Brasil, como maior produtor mundial de cana-de-açúcar, está em uma posição privilegiada para liderar a exportação de produtos agrícolas sustentáveis. A utilização de bioinsumos na produção de açúcar e etanol pode abrir novos mercados internacionais, especialmente em regiões onde há demanda crescente por produtos mais ecológicos. Além disso, a energia gerada a partir do bagaço da cana, conhecida como bioeletricidade, pode ser uma importante fonte de energia renovável, com o potencial de alimentar até 30% do País, caso seja plenamente aproveitada.
A longo prazo, a internalização dos custos ambientais, como a redução das emissões de CO2 e a preservação dos recursos naturais, pode gerar vantagens econômicas consideráveis. Isso ocorre porque práticas agrícolas sustentáveis estão cada vez mais valorizadas globalmente, e os produtos que as seguem podem obter preços mais elevados nos mercados internacionais. O Brasil já possui vantagem competitiva no custo de produção de etanol, que é significativamente menor em comparação com outros biocombustíveis, como o produzido a partir de milho nos Estados Unidos.
Além disso, políticas públicas, como o Plano Safra e outras iniciativas voltadas para a agricultura de baixo carbono, podem incentivar ainda mais a adoção de bioinsumos e a produção sustentável, aumentando a atratividade do Brasil como um fornecedor global de biocombustíveis e açúcar sustentável. Esses desenvolvimentos não apenas solidificam a posição do Brasil como líder em agricultura sustentável, mas também contribuem para a criação de um futuro mais verde e economicamente viável para o País.
Portanto, a adoção de bioinsumos na produção de cana-de-açúcar representa uma oportunidade significativa para o Brasil, tanto em termos de sustentabilidade ambiental quanto de competitividade econômica. Embora os custos iniciais de implementação sejam elevados, devido à necessidade de adaptação das práticas agrícolas e à aquisição de novos produtos, a médio e longo prazos, esses insumos podem reduzir consideravelmente os custos de produção, melhorar a qualidade do solo e aumentar a produtividade.
Para que essa transição seja bem-sucedida, é necessário um esforço conjunto entre produtores, governo e empresas, apoiado por políticas públicas adequadas, incentivos financeiros e investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Dessa forma, os bioinsumos têm o potencial de transformar a produção de cana-de-açúcar em uma prática mais sustentável e economicamente viável, fortalecendo a competitividade do Brasil no mercado global, especialmente na exportação de açúcar e etanol sustentáveis, além de contribuir para a preservação ambiental.
Fernanda Cigainski Lisbinski, Leonardo Ferraz e Heloisa Lee Burnquist, Pesquisadores do Cepea