O Brasil tem tudo para se destacar no cenário de produção de biogás, pois possui enorme potencial de resíduos agrícolas como vinhaça, palha e bagaço de cana-de-açúcar, palha de arroz, caroço de algodão, bagaço e caroço de frutas, além de resíduos urbanos como lixo, esgoto, resíduos de podas e capinas, e dejetos de animais, caso dos bovinos, suínos, frangos e até de peixes. Ao invés de ir para os lixões e outros destinos sem correta captação ou utilização, contribuindo para o aquecimento global e contaminação do lençol freático, todas essas matérias-primas podem se transformar em fonte de energia renovável.
Entretanto, os investimentos no aproveitamento do biogás ainda são incipientes, principalmente se avaliada a riqueza da produção agropecuária e agroindustrial brasileira. É possível avançar ainda mais, já que segundo estudo inédito da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), somente na destinação de resíduos o Brasil tem potencial de redução de emissões de 29 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2) equivalentes por ano e geração de eletricidade pelas unidades de destinação de resíduos de mais de 280 MW, volume suficiente para abastecer uma população de cerca de 1,5 milhão de pessoas. “O potencial de geração de energia limpa e renovável tende a ser ainda maior, considerando o horizonte de tempo de 2009 a 2039, ou seja, 30 anos. Isso porque o País terá, segundo a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que universalizar a destinação final dos resíduos, já que quase 30 milhões de toneladas por ano ainda não têm tratamento adequado”, observa o diretor executivo da Abrelpe, Carlos Silva Filho.
De acordo com o levantamento inédito, chamado de Atlas Brasileiro de Emissões de GEE e Potencial Energético na Destinação de Resíduos Sólidos, atualmente o Brasil conta com 22 projetos que preveem o aproveitamento energético do biogás, o que equivale a uma capacidade instalada de 254 MW. Essas unidades de destinação final de resíduos têm potencial de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) da ordem de 12 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2) equivalentes por ano, quantidade que considera apenas os projetos brasileiros de MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) registrados perante a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Benefícios
Produzido a partir da digestão anaeróbica da matéria orgânica presente em efluentes e resíduos, o biogás possui em sua composição o gás carbônico (CO2), o metano (CH4) e o sulfeto de hidrogênio (H2S), além de quantidades menores de ácido sulfídrico, amônia, hidrogênio, nitrogênio, monóxido de carbono, carboidratos saturados ou halogenados etc. Esses gases, principalmente o metano, são poluentes e, por essas características, têm grande serventia na produção de combustíveis e energia. O metano, por exemplo, está presente em 70% dos gases gerados da fermentação dos dejetos suínos e tem potencial de aquecimento global 25 vezes maior que o gás carbônico.
Por esses motivos, o potencial energético do biogás está ligado à quantidade de metano no gás, fator determinante para o calor. A energia pode ser convertida em elétrica a partir da sua conversão em grupos geradores e energia térmica a partir de trocadores de calor.
O benefício ambiental surge a partir do aproveitamento de sua parcela energética, ou seja, o metano, que além de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE), podem gerar energia térmica, a exemplo do calor e vapor, e energia elétrica por meio da biomassa, fonte de energia limpa e renovável.
Segundo o proprietário da Ciclo Ambiental Energia Ltda., Marcos Eduardo Gomes Cunha, a vantagem é que se consegue conferir ao resíduo um maior poder calorífico inferior (PCF) gerando uma demanda maior de biogás com metano, enfim, com custo/benefício, gerando insumos energéticos e agrícolas dentro dos padrões e limites de emissões e atendendo plenamente os requisitos legais da legislação ambiental vigente e aplicável do Brasil. Além disso, a energia elétrica gerada a partir do biogás oferece a possibilidade de descentralização e proximidade aos pontos de carga – que são as fontes renováveis e resíduos – , renda extra, criação de emprego, comercialização do excedente às concessionárias, redução da emissão de metano na atmosfera, autossuficiência energética, entre outros.
Atualmente, existem tecnologias disponíveis que aceleram os processos de fermentação – biodigestão – da biomassa a ser processada. Mas Marcos Eduardo Gomes ressalta que devem surgir nos próximos anos novas tecnologias de fermentação com diferentes micro-organismos, enzimas e catalizadores, que farão o processo mais eficiente e eficaz em menos tempo com produção maior de biogás.
De acordo com ele, a maior barreira para que isso aconteça está na desconfiança da tecnologia, a indiferença na vontade política e pouco interesse das partes interessadas em desenvolver e demonstrar a performance de um projeto de Biogás. “Um pouco disto tudo é em função da falta de experiência prática de empresas brasileiras, sobretudo, porque ainda está no ambiente acadêmico no Brasil, mas também pelo fato de que as tecnologias mais desenvolvidas carecem de incentivos do Governo Federal e do entendimento do mercado brasileiro das empresas estrangeiras que detém tal tecnologia”, reforça.
Vinhaça
As usinas têm investido, frequentemente, em tecnologias e equipamentos para aproveitar os resíduos do processamento de produção de etanol e açúcar. Trata-se da busca pela autossuficiência energética e também pela preocupação com os efeitos que gases nocivos podem causar à camada de ozônio. O bagaço, a palha e a vinhaça da cana-de-açúcar hoje têm destinos diferentes em relação a anos anteriores.
Após todo o processo de lavagem e moagem da cana, extração do caldo e demais etapas para produção de etanol e açúcar, um dos itens residuais é a vinhaça, bastante utilizada nas usinas como fertilizante nas áreas dos canaviais. De cada litro de etanol produzido, 13 litros de vinhaça são gerados, efluente que é 100 vezes mais poluente do que o esgoto doméstico. Com base nesses dados, é possível identificar que 1 metro cúbico de vinhaça produz 14,23 metros cúbicos de metano, ou seja, é uma fonte importante para a produção de biogás.
Lixo tem grande potencial
Um dos principais problemas das cidades é o gerenciamento e destino final de resíduos sólidos urbanos e líquidos. Isso porque, de acordo com as fontes consultadas na elaboração do Atlas da Abrelpe, em 2011 foram gerados aproximadamente 198 mil toneladas por dia de resíduos sólidos urbanos no Brasil, o que equivale a cerca de 62 milhões de toneladas por ano. Do total de resíduos gerados, 90% são coletados, o que equivale a aproximadamente 180 mil toneladas por dia. Dos resíduos coletados em 2011, 58% foram destinados a aterros sanitários, 24% a aterros controlados e 17% a lixões.
Isto implica em, aproximadamente, 75 mil toneladas diárias com destinação inadequada, sendo encaminhadas para lixões ou aterros controlados, os quais não possuem o conjunto de sistemas e medidas necessários para proteção do meio ambiente contra danos e degradações. Apesar das determinações legais e dos esforços empreendidos, essa destinação inadequada de resíduos sólidos está presente em todos os estados.
De acordo com os dados disponíveis a região Sudeste concentra cerca de metade dos resíduos gerados no País, ou seja, 97 mil toneladas por dia, o que representa 49% do total de resíduos. A segunda região em geração de resíduos é a região Nordeste, onde são geradas, diariamente, em torno de 50 mil toneladas de resíduos, 25% do total (ver quadro 1).
Esses números comprovam que o Brasil, realmente, tem potencial para gerar quantidade maior de biogás a partir de resíduos urbanos. O que faltam são investimentos do poder público para solucionar problemas não somente energéticos, mas ambientais, já que, com o aproveitamento do lixo na produção de biogás, ocorrerá redução da poluição, gases de efeito estufa, além da preservação de águas subterrâneas e superficiais, recuperação de áreas degradadas, criação de empregos e geração de riquezas.
Atualmente, no Brasil, dos 46 projetos brasileiros de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) – ferramenta criada para auxiliar o processo de redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE) ou de sequestro de carbono – relacionados a resíduos sólidos registrados na ONU, 33 estão localizados no Sudeste do País, cujo potencial energético pode atingir, até 2039, 170 MW, o suficiente para abastecer a cidade de São Bernardo do Campo, que tem pouco mais 750 mil habitantes. Pelas expectativas da Abrelpe, a região também responderia por cerca de 60% das emissões de GEE.
As regiões Nordeste, Sul e Norte possuem 7, 4 e 2 projetos respectivamente, enquanto o Centro-Oeste não dispõe de nenhum atualmente. O potencial de geração de energia e percentual de emissão de GEE em cada uma dessas regiões, respectivamente, é de 49 MW e 18% para Nordeste; Sul, 23 MW e 8%; Centro-Oeste, 22 MW e 8%; e Norte, 18 MW e 6%.
No total, existem 23 projetos no Brasil que consideram a captura e queima do biogás recuperado, o que representa cerca de 50% dos projetos MDL do País. A maior parte dos projetos está situada na região Sudeste (15 ao todo), com 65% do total. Em segundo lugar esta a região Sul, com quatro projetos (18%); em terceiro a Nordeste com três projetos (16%) e, finalmente, a região Norte, com um único projeto (4%). Não existem projetos registrados no Centro-Oeste.
De acordo ainda com o Atlas Brasileiro de Emissões de GEE e Potencial Energético na Destinação de Resíduos Sólidos, dos 46 projetos de MDL no setor de resíduos sólidos e aterros no Brasil, 23 incluem o aproveitamento energético do biogás, ou seja, 50% dos projetos. Destes, 22 incluem geração de eletricidade e somente um considerava a purificação do biogás para posteriormente injetá-lo em uma rede de gás natural. No total, a capacidade instalada para geração de eletricidade declarada desses projetos é de 254 MW. Três regiões contam com projetos reportados, caso da Sudeste, que é a com o maior número de projetos deste tipo, 16, representando 76% do total .
Em operação no Campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Ilha do Fundão, a Usina Verde é um dos projetos brasileiros que consegue produzir energia suficiente para abastecer 15 mil residências a partir de resíduos na produção de biogás. Além disso, a unidade transforma lixo em cinzas, aproveitadas em calçamento ou base asfáltica. Já em São Paulo, dois aterros – Bandeirantes e São João – são responsáveis por produzir biogás a partir do lixo, gerando energia suficiente para abastecer 35 mil domicílios na capital paulista.
Dejetos
A cama de frango é um resíduo da produção avícola – frangos de corte, matrizeiros, avozeiros e perus -, que contém característica nutricional para geração de biogás. Em 2009, foi iniciado um projeto de desenvolvimento tecnológico para atuar na otimização do processo de biodigestão anaeróbia e viabilizar a utilização de cama de frango em escala real. Um galpão de frangos de corte, por exemplo, pode gerar, cerca de 65.250 m3 de biogás que, se convertidos em energia elétrica, equivalem a 110,1 MW de energia.
A energia do biogás gerado pela cama de frango pode suprir as demandas energéticas da granja ao longo do ano. A proposta do projeto é transformar a criação animal em sistemas sustentáveis de produção, de forma energética e sob o aspecto ambiental.
A suinocultura também é uma atividade que poluí o meio ambiente, principalmente pelo manejo incorreto dos resíduos, provocando gases que interferem na atmosfera. Mas esses dejetos suínos podem ser convertidos em metano para a geração de energia térmica e elétrica. São utilizados nas granjas os biodigestores, que contribuem para transformar os gases a partir dos resíduos em biogás.
Estima-se que a população brasileira de suínos gere dejetos suficientes para se produzir cerca de 4 milhões de m3 por dia de biogás. Esse biogás seria capaz de gerar, aproximadamente, 2 milhões de kwh de energia elétrica por dia, o que representa 60 milhões de kwh por mês. Admitindo-se um consumo médio mensal de 170 kwh, a energia elétrica produzida a partir da suinocultura brasileira poderia atender mais de 350 mil residências.
Canal – Jornal da Bioenergia