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Artigo/As biorrefinarias e o aproveitamento integral do potencial da biomassa

 

A biorrefinaria ainda é um conceito relativamente recente, que proporciona o aproveitamento integral da biomassa vegetal, seguindo a mesma ideia de uma refinaria de petróleo, porém muito mais sustentável do que a segunda. A sua exploração pela química pode promover uma química renovável, além de proporcionar grandes avanços técnico-científicos e econômicos para diversos segmentos.

O conceito de biorrefinaria é ainda recente e intui um objetivo um tanto quanto ousado: substituir produtos e processos baseados em fontes de matérias-primas não renováveis, sobretudo o petróleo, por produtos e processos que utilizem a biomassa como matéria-prima.

Neste contexto, o desenvolvimento de novas tecnologias que levem ao aproveitamento de todo o potencial econômico e energético da biomassa é de fundamental importância, devendo ser considerada, ainda, a sustentabilidade das cadeias produtivas – o que passa por uma avaliação criteriosa dos impactos ambientais, econômicos e sociais.

O Brasil é um país mundialmente conhecido por sua grande capacidade de produção de biomassa muitas vezes refletida na exportação de commodities agrícolas. Porém, mesmo sendo estratégica a produção e exportação de tais commodities, a possibilidade de agregar valor à biomassa deve ser considerada como uma oportunidade de geração de conhecimentos técnico-científicos nacionais e de minimização dos impactos ambientais.

Os setores energético e químico são os que melhor poderão aproveitar as possibilidades técnicas e econômicas das biorrefinarias. O primeiro, por meio da produção de biocombustíveis e da geração de energia elétrica; e o segundo, pela obtenção de produtos químicos e alto valor.

A diversificação de matérias-primas é a principal característica da biomassa vegetal, o que demanda diferentes tecnologias de cultivo e manejo. Na atualidade, a biomassa vegetal agroindustrial é dividida em quatro tipos: biomassa lignocelulósica (ex.: madeira, bagaço de cana-de-açúcar e resíduos florestais) – a mais representativa em termos de quantidade de massa disponível -, biomassa sacarósica (ex.: cana-de-açúcar e sorgo sacarínico), biomassa oleaginosa (ex.: soja, girassol e palma) e biomassa amilácea (ex.: batata, milho e beterraba).

O Brasil tem uma grande vantagem competitiva por produzir esses quatro principais tipos de biomassa vegetal. Países como USA e Canadá são também bastante competitivos na produção. Porém, o custo Brasil tem impacto negativo direto sobre o aproveitamento da biomassa como matéria-prima para biorrefinarias, elevando os custos de produção e de distribuição das cadeias agroindustriais e químicas.

Avanços em Processos de Produção de Químicos e Biocombustíveis

A heterogeneidade química dos quatros tipos principal de biomassa agroindustrial e o alto conteúdo de água demandam diferentes tecnologias de conversão (químicas, termoquímicas e bioquímicas), sendo que, muito provavelmente, as três classes de processos deverão ser utilizadas para uma mesma biomassa, dependendo dos produtos de interesse. É importante ressaltar que a composição química da biomassa afeta na performance dos catalisadores inorgânicos.

Tecnologias de pré-tratamento, como AFEX (ammonia fiber explosion), ácido diluído e tratamento básico se destacam na desconstrução da biomassa lignoceluósica para a disponibilização das suas frações (celulose, hemicelulose e lignina). Tais frações serão posteriormente utilizadas na conversão a produtos químicos. A lignina desperta especial interesse, considerando os métodos de depolimerização (crackingcatalítico) para liberação de fenóis, benzenos e homólogos. A re-polimerização para obtenção de termo-plásticos é uma tecnologia a ser considerada.

As rotas químicas e termoquímicas (pirólise e gaseificação) ainda se destacam em número de utilizações e investimentos em P&D; com o desenvolvimento de novos catalizadores inorgânicos e novas aplicações, citando-se como exemplo o caso do bio-oleo obtido por pirólise da biomassa lignocelulósica.

As rotas fermentativas são as mais representativas nos processos de conversão de açúcares a ácidos orgânicos e álcoois. As enzimas são biocatalisadores de importância para a conversão da biomassa, devido à sua alta especificidade; porém, sua difícil recuperação deve ser considerada.

A biorrefinaria de base florestal trabalha de forma verticalizada em processo cíclico, produzindo tanto produtos de alto valor derivados da lignina, quanto da celulose. Um bom exemplo são as biorrefinarias da Borregaard.

A biologia sintética vem despertando cada vez mais a atenção, por possibilitar a obtenção de um grande número de compostos químicos a partir da manipulação genética e a melhoria de plantas e microrganismos.

Tecnologias de terceira geração baseadas em bioalgas não serão viáveis para a produção de biocombustível se não estiverem atreladas a outros produtos, como os nutracêuticos.

Por fim, o processo para a produção do etanol 2G é um bom exemplo de tecnologia para a biorrefinaria lignocelulósica em escala demonstrativa.

Avanço em Métodos de Análise

A aplicação das técnicas espectroscópicas de absorção na região do UV e Raman é viável para a rápida análise da recalcitrância de biomassa lignocelulósica, como a cana-de-açúcar, e para a análise on-line de processos de fermentação. As chamadas sondas espectroscópicas podem ser usadas em campos de cultivo e em biorrefinarias, o que facilita a aquisição de dados analíticos para a tomada de decisão.

Potencial Econômico de Novos Produtos e a Sustentabilidade

Compostos blocos-construtores, como ácido succínico, ácido levulínico e FDCA continuam se destacando como promissores para as biorrefinarias (Vaz Jr., 2014). Observa-se que o maior número de compostos promissores é derivado dos açúcares de primeira e segunda geração, principalmente de C6. No entanto, derivados da lignina e coprodutos oleoquímicos também são fortes candidatos. Os polímeros são, na atualidade, um dos principais produtos já obtidos pelas biorrefinarias. Os produtos drop-in são a principal forma de “esverdeamento” para produtos químicos e biocombustíveis. Contudo, os produtos “verdes” devem criar seu mercado.

Para a avaliação dos cenários industriais e de mercado os roadmaps tecnológicos e de inovação necessitam ser dinâmicos, além de dar especial atenção aos tipos de biomassa e à sua disponibilização.

Quanto às ameaças às biorrefinarias, o aparecimento do shale gas nos EUA nos anos mais recentes pode reduzir a demanda por produtos renováveis, por ser uma fonte barata de matéria-prima petroquímica para a indústria química e de química fina, promovendo ainda mais produtos não renováveis.

Quanto a parcerias estratégicas, consórcios tecnológicos, como os europeus, podem alavancar a economia verde, ou bioeconomia, já que congregam diferentes especialistas da indústria e da academia focados em objetivos bem definidos. Vários consórcios ao redor do mundo estão sendo constituídos para avaliar a sustentabilidade da biomassa, em seus três componentes: impacto ambiental, impacto social e impacto econômico. Indicadores de sustentabilidade devem levar em conta: ACV, qualidade do solo, diversidade biológica, preço e disponibilidade da matéria-prima e zoneamento agroecológico.

Quanto ao ambiente regulatório brasileiro, o grande número de exigências é um dos grandes gargalos a ser superado para a aplicação industrial de bioprodutos desenvolvidos em laboratórios.

O Brasil se destaca como um dos grandes produtores mundiais de biomassa, principalmente a agroindustrial, o que leva a um ambiente favorável para as biorrefinarias, devido à grande disponibilização de matérias-primas a um baixo custo.

Questões de ambiente de mercado relacionadas ao custo Brasil e às exigências regulatórias constituem-se como um grave entrave para o desenvolvimento da bioeconomia e das biorrefinarias no País; são necessárias melhorias urgentes de infraestrutura, além da revisão e redução do número das exigências regulatórias.

Açúcares C6 de primeira geração destacam-se como a principal matéria-prima para as biorrefinarias. Porém, a lignocelulósica vem ganhando espaço, principalmente, devido à grande quantidade de resíduos agroindustriais gerados.

A tendência é que se tenha uma sinergia entre processos químicos, bioquímicos e termoquímicos para o aproveitamento de todo o potencial da biomassa, aliados a um monitoramento on-line de tais processos, principalmente com o uso de técnicas analíticas espectroscópicas.

Os compostos blocos-construtores se destacam como de grande potencialidade na agregação de valor à biomassa e na substituição dos petroquímicos.A sustentabilidade das biorrefinarias deve ser avaliada segundo seus três componentes: impacto ambiental, impacto econômico e impacto social.

*Silvio Vaz Jr. é químico, doutor em química analítica, pesquisador da Embrapa e palestrante da TeQ 2016 (Feira Internacional de Fornecedores da Indústria Química e de Processos), maior evento de tecnologia química da América Latina que acontecerá no Brasil (Riocentro / Rio de Janeiro) entre os dias 8 e 10 de novembro desse ano. A primeira edição, realizada pela alemã Dechema (Sociedade para Engenharia Química e Biotecnologia), terá uma média de 100 expositores e 10 mil visitantes. A entrada é gratuita. Mais informações no www.tecnologiaquimica.com.br

Referências Bibliográficas

Vaz Jr., S. Potencialidades da biomassa para química verde. In: Vaz Júnior, S. (Ed.) Biomassa para Química Verde. Embrapa Informação Tecnológica, Brasília/DF, 2013, p. 169 – 181.

Vaz Jr., S. A renewable chemistry linked to the Brazilian biofuel production. Chemical and Biological Technologies in Agriculture. 2014, 1:13.

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