Membros da equipe do projeto de pesquisa “Corredores agroecológicos como estratégias para produção de alimentos e sementes, focados no manejo da agrobiodiversidade e sustentabilidade de pequenas propriedades familiares – Agrobio II”, da Embrapa Cerrados, realizaram as primeiras visitas técnicas das Rotas Agroecológicas em propriedades rurais de Catalão e Silvânia (GO) nos dias 9 e 10 de fevereiro. O objetivo foi apresentar, em dois polos irradiadores, os corredores agroecológicos, uma estratégia de produção combina cultivos alimentares com adubos verdes e outras plantas.
As visitas técnicas foram promovidas em parceria com a Associação Camponesa Nacional (Acan) e com a Associação Estadual dos Pequenos Agricultores de Goiás (Aepago) e contaram com cerca de 90 pessoas, entre agricultores associados à Aepago e à Acan, técnicos, pesquisadores e estudantes. Eles conheceram os corredores agroecológicos implantados em Catalão na Fazenda Corinalves, do casal Jamil Corinto e Lucimar Alves; e em Silvânia, na propriedade da família Carvalho Lima.
O objetivo geral do projeto Agrobio II é a validação da estratégia dos corredores agroecológicos como sistema de produção agroecológico para pequenos agricultores familiares de Goiás, tendo como culturas principais o milho, o feijão e a mandioca, a partir de estudos sobre o funcionamento desse sistema – adaptação de genótipos, variáveis químicas, físicas e biológicas de solo, ocorrência de insetos-praga, inimigos naturais e plantas invasoras e aspectos socioeconômicos – e do rendimento dos cultivos principais e com a introdução de hortaliças no sistema.
A pesquisadora Cynthia Machado, líder do projeto, explicou que a equipe está avaliando a estratégia e buscando validá-la junto com os produtores como um sistema de produção agroecológica. “Nos corredores agroecológicos, feijão e milho são combinados com espécies com funções específicas como controlar pragas e invasoras, atrair polinizadores e melhorar a qualidade do solo”, afirmou.
Integrante da equipe, o pesquisador Altair Machado lembrou que o trabalho também envolve a avaliação de cinco tipos de feijão e de diversos adubos verdes que controlam plantas invasoras e pragas e melhoram a qualidade do solo, bem como a seleção de variedades de milho mais adaptadas à região da comunidade. “Esta estratégia está dentro de um enfoque de produção com sustentabilidade e com autonomia camponesa, na lógica de não apenas produzir a semente, mas também de selecionar, com conhecimento, o milho e o feijão como nossos ancestrais faziam”, disse.
Para a técnica do Aepago, Sandra Alves, a implantação dos corredores agroecológicos representa mais um passo para a produção de alimentos livres de agrotóxicos e sem a dependência de sementes comerciais. “O processo de produzir comida limpa e saudável é possível, e o desafio maior é produzir nossas sementes com qualidade e em grande quantidade. Mas isso só vai dar certo se os camponeses aceitarem participar desse processo”, destacou.
“Vemos que é possível produzir de outro jeito e temos que mostrar à sociedade para que ela entenda e defenda essa proposta. Precisamos de políticas públicas e de leis que apoiem essa forma de produzir com qualidade”, completou o dirigente do Movimento Camponês Popular, Wender Ferreira. Ele ressaltou a parceria da Embrapa, que tem aportado conhecimento científico para auxiliar na mudança da forma de produzir alimentos.
Agrobiodiversidade
Na propriedade de Jamil e Lucimar, o corredor agroecológico foi implantado em solo pedregoso e com compactação. O sistema é composto por faixas intercalando cultivos de milho BRS Sol da Manhã com duas cultivares de abóbora, além de seis tipos de feijão em ensaio de competição, adubos verdes (calopogônio, crotalária juncea, guandu), gergelim e girassol.
O casal, que também cria gado leiteiro e produz leite orgânico, aposta na agroecologia. “Tudo evoluiu muito nos últimos anos, mas parece que nossa própria alimentação não. Muita coisa é transgênica ou tem sabor artificial. O que fazemos aqui é o que acreditamos que tem sabor. Há 11 anos não uso veneno na produção de leite. Isto aqui é o nosso plano de saúde”, disse Jamil. “O importante é que produzimos o milho crioulo e o leite orgânico. É um passo para começar”, completou Lucimar.
O desempenho dos cultivos alimentares nos corredores agroecológicos será avaliado pela equipe ao longo do tempo de execução do projeto Agrobio II. A equipe também vai avaliar a melhoria da fertilidade e da qualidade biológica do solo promovida pelos adubos verdes, bem como monitorar pragas e insetos benéficos atraídos por outras espécies de plantas e promover cruzamentos entre as cultivares de abóbora para a seleção de novo material junto com os agricultores. Além de pesquisadores e analistas da Embrapa Cerrados, participam do projeto especialistas da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, da Embrapa Hortaliças (Brasília, DF) e da Embrapa Arroz e Feijão (Santo Antônio de Goiás, GO).
Ao lado do corredor agroecológico, foram plantadas parcelas com diferentes adubos verdes para a avaliação do desempenho produtivo e da capacidade de produção de sementes: feijão de porco, lablab, mucuna preta, crotalária spectabilis, guandu anão, crotalária ochroleuca, guandu comum e calopogônio.
Seleção genética
Na Fazenda Corinalves também foi implantada uma área de seleção de variedades de milho. Altair Machado falou sobre o processo de obtenção da cultivar BRS Sol da Manhã, selecionada na década de 1980 no solo arenoso e seco de uma comunidade fluminense de mesmo nome. Lançada em 1996, a cultivar atualmente é de domínio público.
Ele explicou os passos do processo de seleção genética para a obtenção de uma nova variedade de milho, que envolve basicamente a seleção das melhores plantas, plantio das sementes, nova seleção e plantio das sementes das plantas selecionadas. Já a seleção genética do feijão pode ser feita com menos ruas que no caso do milho, a partir da escolha das melhores plantas, cujas sementes são então plantadas, dando origem às plantas superiores que serão selecionadas.
Resultados de Ensaios de Valor de Cultivo e Uso do milho serão encaminhados ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para registro de variedades adaptadas ao sistema agroecológico e produção de sementes agroecológicas. “São 15 variedades sendo desenvolvidas em sistema agroecológico. A ideia não é apenas a autonomia de produção, mas ter o domínio da seleção, da produção e da diversificação”, disse o pesquisador, acrescentando que a medida permitirá que os agricultores acessem mercados e não dependam de políticas públicas. “Se tivermos um sistema que se autossustenta, melhor. A política pública deve vir como um complemento”, finalizou.
Melhoria do solo
Em Silvânia, os participantes da visita técnica foram recebidos pelo agricultor Adair dos Santos Lima, que junto com a mãe Benedita Carvalho e a esposa Joselina Maria Santos cuida da propriedade de 7,67 hectares da família. Na roça de 1,5 hectare, ele produz milho, mandioca e hortaliças como beterraba, cenoura e alho em sistema orgânico. A fazenda conta ainda com área de mata de Cerrado nativo preservada.
Na propriedade, o corredor agroecológico foi implantado numa área onde haviam sido plantados mandioca e milho, tendo sido mantida em pousio por um período. Agora, o agricultor revela satisfação com o corredor, onde está sendo testada a variedade MC 20 (ainda em validação) para milho verde. “É uma realidade. Tempos atrás, se eu falasse em capinar aqui, me chamavam de doido. Dá trabalho, mas estamos vendo a terra melhorar e que é possível produzir sem veneno”, disse.
Segundo Cynthia Machado, o teor de matéria orgânica do solo no local do corredor é satisfatório. “A estratégia passa por isto: plantas que retiram mais do solo e plantas que recuperam a fertilidade do solo”, apontou. Assim como na Fazenda Corinalves, a equipe do projeto Agrobio II vai avaliar o desenvolvimento dos consórcios, a rotação, o rendimento das culturas, a fertilidade e a biologia do solo, os insetos praga e os benéficos e as plantas invasoras.
Ela lembrou que cada propriedade estabelece o corredor agroecológico conforme suas necessidades. “Por isso, vamos testá-lo de acordo com o que o Adair quer fazer, mas sempre combinando os adubos verdes com os cultivos alimentares”, salientou. “Foi muito bom ter instalado o ensaio aqui, pois a área é pequena e o desafio é melhorar o sistema de produção de semente e obter uma semente de qualidade”, comentou o pesquisador Altair Machado.
Embrapa Cerrados