O diretor executivo da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), Sergio Beltrão, cedeu entrevista sobre as implicações para o setor sobre as alterações quantidade de mistura obrigatória de biocombustível da legislação e, consequentemente, o cenário de ociosidade gerado por conta disso. Além disso, o diretor pontou os danos ao meio ambiente e a saúde da sociedade.
Canal- Jornal da Bioenergia: Quais os efeitos atuais para o setor de biodiesel e as constantes mudanças nas leis e portarias que o regulam?
Sergio Beltrão: O setor de biodiesel vem sendo severamente impactado com ações que atingiram em cheio a previsibilidade e segurança jurídica, tão necessárias para qualquer setor de energia. Em relação à mistura obrigatória ao diesel fóssil, deveríamos ter utilizado até fevereiro deste ano o B13 (13% de biodiesel adicionado ao diesel de petróleo), e o B14 desde março de 2022. No entanto, no final de 2021, uma decisão do Conselho Nacional de Política Energética determinou que ao longo de todo o ano de 2022 prevaleceria o B10.
Outra medida negativa foi a publicação, em julho deste ano, do Decreto nº 11.141. As mudanças promovidas por esse ato alteraram as datas para o cumprimento das metas de descarbonização, desestabilizando significativamente o conceito e a dinâmica da Política Nacional dos Biocombustíveis – o RenovaBio, o maior Programa de descarbonização do setor de transportes do mundo. E, pior ainda, a indústria nacional sequer tomou conhecimento ou teve a oportunidade de se manifestar antes dessa medida tão negativamente impactante.
Canal: E a médio prazo?
Sergio Beltrão: Além de inibir novos investimentos, essa medida atingiu fortemente as 57 usinas autorizadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) presentes em 15 estados em todas as regiões do país. Esse conjunto de usinas acreditou na previsibilidade dada pelo próprio Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) de aumento gradual da mistura, dada ainda em 2018. Certamente serão afetadas outras 11 novas indústrias que estão em processo de instalação, sem contar os sete processos de ampliação de capacidade de usinas em curso.
Canal: O setor está em ociosidade? Aumentar a participação de biodiesel no diesel pode reduzir esse ócio?
Sergio Beltrão: Cada ponto percentual de biodiesel na mistura com o diesel significa cerca de 600 milhões de litros por ano. A ociosidade média atual do setor ultrapassa 50%. Deveríamos ter utilizado, até fevereiro deste ano, o B13 e o B14, desde março de 2022. No entanto, por decisão do CNPE, estamos durante todo o ano de 2022 com o B10. Portanto, é imprescindível retornar a agenda estabelecida originalmente em 2018 com a progressão imediata para o B14 e a entrada do B15 a partir de 01 de março de 2023.
Canal: Era para o Brasil estar no B14, mas infelizmente não está. Quais os motivos o senhor considera que não chegamos a esse ponto?
Sergio Beltrão: Temas extremamente sensíveis rondam o nosso setor e se constituem de verdadeira ameaça. A perspectiva de autorização para a importação de biodiesel chega a ser incompreensível. Não há razoabilidade em se gerar externalidades na produção do biodiesel em outros países, que em alguns casos utilizam condições artificiais, como dumping. A sociedade brasileira, que já paga para usufruir das externalidades geradas pelo biodiesel, não pode ter a parcela da produção retirada desta conta.
Há a necessidade de uma análise holística e criteriosa que sustente uma tomada de decisão pela retomada da agenda do CNPE. Na verdade, o governo está exclusivamente levando em conta o preço do combustível na bomba, mas deixa de contabilizar as externalidades nas dimensões econômica, social e ambiental trazidas pela produção e uso do biodiesel.
Canal: Sem contar a economia, quais danos foram causados à saúde da população e ao meio ambiente?
Sergio Beltrão: Inúmeros, mas sem dúvidas posso citar os reflexos da redução do uso do biodiesel na qualidade do ar e no aumento de contaminantes, entre eles os cancerígenos, principalmente com o Diesel S500, que contém 500 partes por milhão de enxofre, verdadeiro veneno que, que, por sinal, todos os países com representatividade já decidiram pela sua abolição.
O biodiesel proporciona ganhos de qualidade de vida. Por ser isento de enxofre, reduz significativamente os demais poluentes emitidos pelo diesel fóssil, inclusive os cancerígenos.
De acordo com uma nota técnica que trata do Impacto na saúde humana pelo uso de biocombustíveis na Região Metropolitana de São Paulo, publicada em de 24 de fevereiro de 2021 pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), o B15 reduziria em 348 mortes por ano apenas na cidade de São Paulo, e aumentaria a expectativa de vida em mais quatro dias ante o uso do B10. Esses dados são muito relevantes para a sociedade e precisam ser levados em conta.
O volume de biodiesel produzido entre 2008 e 2021, de 53,3 bilhões de litros, além de ter evitado a importação de diesel de petróleo no mesmo volume, evitou também a emissão de 101 milhões de toneladas de CO2, o que equivale ao plantio de 740 milhões de árvores em 4,9 milhões de hectares, o que equivale à área somada de Alagoas e Sergipe.
Canal: Quais ações que o setor está fazendo para melhorar essa questão?
Sergio Beltrão: Temos procurado demonstrar ao poder Executivo e ao Congresso Nacional o conjunto de benefícios que o biodiesel traz para sociedade. O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) se firmou nesses últimos 17 anos como uma política pública de interesse nacional, sustentando por virtuosas externalidades nas dimensões econômica, social e ambiental.
É inequívoco que o biodiesel seja vetor de aumento do Produto Interno Bruno (PIB), interiorização e verticalização da indústria em prol do desenvolvimento regional com ampliação da receita tributária, da agregação de valor do complexo soja em benefício às cadeias de proteínas animais adjacentes pelo aumento do processamento de soja para obtenção do óleo e consequente aumento de oferta e barateamento do farelo proteico indispensável para a produção de rações.
Canal: Qual a importância do biodiesel em uma sociedade que busca mais o uso de energias renováveis?
Sergio Beltrão: A política pública do biodiesel nesse contexto de transformação global contribui, também, para o Brasil captar e desenvolver externalidades que, por secundárias, não seriam pouco importantes, que vão desde uma nova destinação para os óleos de frituras reciclados até novas culturas de reflorestamento, promoção do agronegócio e suas cadeias de valor, na promoção de investimentos e empregos no setor de biocombustíveis, na diminuição gastos com saúde pública e na redução de gastos na importação de derivados fósseis.
Governo e sociedade têm que ter uma análise mais profunda sobre o PNPB. Restringir a produção e uso do biodiesel significa afrontar o RenovaBio (Lei 13.576/2017), política nacional que reconhece e valoriza os biocombustíveis. Isso afeta a imagem do país perante o esforço global de descarbonização.
Na esfera social, mais de 300 mil pessoas são ligadas à agricultura familiar (71.669 famílias), além de 74 cooperativas e mais de uma centena de empresas cerealistas localizados em 1.100 municípios de 17 unidades da federação de todas as regiões do país. Essas famílias forneceram 3,4 milhões de toneladas de matéria-prima, ultrapassando o montante de R$ 8,8 bilhões.
Inegável, ainda, a contribuição do Selo Biocombustível Social para a diversificação de culturas, segurança alimentar e sustentação do homem no campo. Em contrapartida, a indústria de biodiesel fornece assistência técnica e insumos, resultando em aumento de renda e produtividade.
É fundamental que as decisões do CNPE também estejam aderentes com a aptidão para liderança global do país como economia verde, com grande impacto geopolítico e protagonismo no esforço de descarbonização diante de sua inigualável potencialidade dos fatores de produção, de nossa biodiversidade e da vocação natural na área agroambiental e energética.