Resultados preliminares de pesquisas realizadas pela Embrapa Cerrados (DF) em usinas do Brasil Central mostram que práticas como a adubação fosfatada corretiva e o manejo da irrigação da cana-de-açúcar podem levar a aumentos de produtividade da cultura.
Em experimentos nas usinas Goiasa (Goiatuba, GO), Anicuns (Anicuns, GO) e Destilaria Veredas (João Pinheiro, MG) em áreas sob pastagem e áreas de primeira reforma, cujos solos têm baixa disponibilidade de fósforo, a adubação fosfatada corretiva a lanço com incorporação, em complemento à tradicional adubação no sulco de plantio, mostrou aumentos na produtividade de colmos de até 18 t/ha por corte para a cana-planta e socas, além de aumentos proporcionais na produtividade de açúcares. Os resultados permitirão a geração de recomendações para o manejo da adubação fosfatada.
Na Usina Goiasa também foi verificado aumento de 10 t/ha a 20 t/ha nos rendimentos de colmos por corte devido à adubação fosfatada anual de manutenção da soqueira, aplicada superficialmente sobre o palhiço. Outros experimentos demonstraram a possibilidade de substituição total da adubação fosfatada no sulco de plantio pela adubação a lanço com incorporação, prática que propiciou maiores produtividades em experimentos na Embrapa Cerrados em solo argiloso e na Destilaria Veredas em solo de textura média.
Os pesquisadores Thomaz Rein, líder dos estudos na Unidade, e Djalma Martinhão ressaltam que as práticas de adubação fosfatada corretiva e de manutenção ainda são pouco usadas na região: “As condições climáticas desfavoráveis [na região do Cerrado] e outros fatores que restringem o desenvolvimento e a produtividade da cultura, como ausência de irrigação de salvamento para a rebrota e colheita em final de safra, geram diminuição nas respostas ao fósforo e modos de aplicação do fertilizante”, explica Martinhão.
Já experimentos de correção da acidez superficial e subsuperficial do solo comprovaram que a cana-de-açúcar tem elevada tolerância à acidez. Os ganhos de produtividade observados em resposta à calagem e ao gesso foram inferiores em relação aos verificados para culturas anuais nos mesmos solos.
Nos experimentos na Embrapa Cerrados, foram observados ganhos de produtividade de 18% em resposta ao gesso complementando a calagem. Respostas similares ou ausência de resposta da cana ao gesso foram verificadas em outros testes em usinas de Goiás e de Minas Gerais. “Em todos esses experimentos, os solos apresentavam alta saturação de alumínio ou teores muito baixos de cálcio na superfície, o que os classificaria como responsivos ao gesso, ou seja, com expectativa de aumento de produtividade com a sua aplicação”, explica o pesquisador João de Deus dos Santos.
Mais cana com menos água
As pesquisas em irrigação da cana-de-açúcar, com experimentos na Embrapa Cerrados e nas usinas parceiras, mostram o grande potencial da prática para aumentar a produtividade da cultura no Cerrado. Com a irrigação, a cana-planta atinge produtividade de colmos de até 255 t/ha e a primeira soca até 220 t/ha para as melhores variedades – índices muito superiores à média da região Centro-Sul do País, normalmente inferior a 80 t/ha. Em produtividade de açúcar, o sistema irrigado tem atingido 38 t/ha na cana planta e 31 t/ha na cana soca, enquanto a região Centro-Sul produz em média 12 t/ha. Com esses níveis de produtividade da cana irrigada, os investimentos em irrigação são pagos já no primeiro ou segundo cortes.
Segundo o pesquisador Vinicius Bufon, a irrigação também promove a verticalização da produção de palhada da cana, cada vez mais importante para a receita das usinas. O sistema de produção irrigado produz, em média, três vezes mais palhada que o sistema utilizado atualmente. “A produtividade aumenta significativamente até regimes hídricos entre 50% e 70% do atendimento da evapotranspiração potencial da cultura para a maioria das variedades avaliadas. Isso indica que a maioria dos sistemas de irrigação instalados nas usinas está subdimensionado para atingir a máxima produtividade”, afirma.
Bufon ressalta que, além de aumentar a produtividade, o sistema de produção irrigado de cana permite atingir eficiência de uso da água maior que o do sistema de sequeiro, ou seja, produzir mais cana e açúcar consumindo menos água. Enquanto um sistema de sequeiro produz em torno de 7 kg de cana e 1,4 kg de açúcar para cada metro cúbico de água que consome, o sistema irrigado pode produzir até 40 kg de cana e 3,1 kg de açúcar com a mesma quantidade de água. O pesquisador destaca o potencial do sistema de produção para, onde houver água disponível, poupar os recursos hídricos do País, o que representa um diferencial de sustentabilidade.
Outras pesquisas
Os pesquisadores também avaliam os efeitos do preparo do solo e o manejo da compactação, o manejo cultural e a fitossanidade nas áreas de expansão da cana-de-açúcar. “Os temas foram identificados como demandas do setor produtivo para a melhoria da produtividade. As pesquisas de campo em manejo da cana no Cerrado realizadas nas usinas e na Unidade já apresentam resultados preliminares úteis para a cadeia produtiva”, afirma Rein.
O sistema de plantio direto, sem preparo do solo na reforma do canavial, é avaliado nas usinas Goiasa e Jalles Machado (Goianésia, GO). Na Goiasa, a produtividade da cana renovada sob plantio direto com sulcação sobre o palhiço, avaliada em dois cortes, foi equivalente à obtida com preparo do solo com grade aradora. Na Jalles Machado, o plantio direto e o preparo convencional propiciaram produtividades similares à da cana-planta estabelecida em solo ácido de pastagem, com a aplicação superficial e sem incorporação de calcário e gesso no caso do plantio direto.
Segundo os pesquisadores Marcos Carolino de Sá e João de Deus dos Santos, esses resultados preliminares apontam o plantio direto como uma alternativa promissora para reduzir os custos de reforma do canavial e melhorar o balanço energético com a economia em máquinas e combustíveis, além de permitir melhor conservação do solo por meio da manutenção da cobertura com o palhiço até o momento da sulcação. Mas eles ponderam que ainda são necessários mais experimentos para recomendar a prática, principalmente para as áreas colhidas com solo úmido, condição comum no início e final de safra no Cerrado e que favorece a compactação do solo.
Sobre a compactação do solo, resultados de um experimento na Goiasa mostram que a operação anual de escarificação para descompactação da entrelinha do plantio não resultou em ganhos de produtividade da cana colhida em início de safra.
Experimentos nas usinas Goiasa e Jalles Machado mostram efeito positivo do palhiço na redução da perda de água do solo por evaporação na fase de rebrota da cultura, mesmo com níveis de palhiço remanescente inferiores a 50%. Segundo os pesquisadores Cláudio Franz e Marcos Carolino de Sá, não houve nos dois experimentos perda de produtividade pela remoção total do palhiço, o que sugere a viabilidade do recolhimento parcial da biomassa para diversos fins na indústria.
Por outro lado, no experimento em que a renovação do canavial foi realizada com plantio direto, perdas de produtividade da cana colhida em início de safra foram observadas com o recolhimento total do palhiço. “Os estudos de decomposição do palhiço nesses experimentos mostram que cerca de um terço da quantidade inicial após a colheita mecanizada permanece sobre a superfície do solo após um ano”, completa a pesquisadora Arminda Carvalho.
Proteção com controle biológico
Resultados do primeiro ano de um experimento sobre arranjo de plantas na Embrapa Cerrados que avalia diferentes espaçamentos entre linhas revelaram que a produtividade de uma variedade de arquitetura foliar prostrada (com rápido fechamento da entrelinha) não foi afetada pelos tratamentos. Já para a variedade de arquitetura foliar ereta com fechamento mais lento da entrelinha, o pesquisador Arthur Müller verificou a tendência de maior produtividade com o plantio mais adensado.
Já os pesquisadores José de Ribamar dos Anjos e Charles de Oliveira têm realizado levantamentos em usinas da região para identificar patógenos da parte aérea e raízes da cana, as principais variedades susceptíveis, a ocorrência de nematoides, além de avaliar a incidência de insetos-praga na cana irrigada e no plantio direto.
O controle biológico de insetos-praga da cana-de-açúcar foi tema de experimentos já concluídos na usina Jalles Machado. Segundo o pesquisador Roberto Teixeira, os resultados mostraram alta eficácia do controle biológico da cigarrinha-das-raízes baseado em formulações com o fungo Metarhizium anisopliae em comparação à utilização de inseticidas químicos. O emprego da pulverização aérea de agentes de controle biológico para a cana-de-açúcar é tema de outro estudo em andamento.
Expansão da cana no Cerrado
Na última década, o Brasil Central se tornou a principal fronteira agrícola para a expansão do setor sucroalcooleiro devido à disponibilidade de áreas cultiváveis, clima favorável à cultura e topografia relativamente plana, propícia à mecanização. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2000 e 2012, a área com cana-de-açúcar cresceu 108% no Estado de São Paulo, que responde por 53% da área plantada no País. Mas no mesmo período, Minas Gerais teve crescimento de área de 202% – a maior parte no Cerrado mineiro – e a região Centro-Oeste de 312%. O setor sucroalcooleiro no bioma já alcança mais de dois milhões de hectares.
Para se aproximar da realidade dos produtores da região, a Embrapa Cerrados implantou, a partir de 2009, experimentos em usinas em Goiás, Minas Gerais e Tocantins, além de estudos na área experimental em Planaltina (DF). As pesquisas também envolvem outras unidades da Embrapa: Agropecuária Oeste (Dourados, MS), Informática Agropecuária (Campinas, SP) e Solos (Rio de Janeiro, RJ).
Ex-gestora de usinas em Goiás, Patrícia Fontoura, gerente agrícola corporativa do grupo Noble, com quatro usinas no noroeste paulista, salienta a importância da parceria entre a Embrapa e o setor produtivo nas pesquisas com cana no Cerrado. “A carência do setor produtivo na área é muito grande. A Embrapa veio ocupar uma lacuna, pois não há instituições trabalhando na pesquisa básica. Antes, era o próprio corpo técnico da usina que fazia essas pesquisas. No entanto, muitas vezes, chegava a conclusões errôneas por não ter o know how da Embrapa”, afirma.
As pesquisas já provocaram mudanças práticas em algumas usinas de Goiás. Segundo Fontoura, foram revistas as recomendações de fertilidade, principalmente as relacionadas com aplicação de gesso e adubação, além do manejo de irrigação. “Mas ainda há muitos desafios a serem enfrentados pela pesquisa e o setor produtivo”, destaca. Embrapa