As condições climáticas de cada região são determinantes para o sucesso, ou não, da safra. Neste ano, o fenômeno La Niña deve ser grande influenciador neste processo. O fenômeno ocorre de 2 a 7 anos e está relacionado com a intensificação dos ventos alísios na região equatorial, o que causa anomalias negativas na temperatura da superfície do mar (TSM) sobre o oceano Pacífico Equatorial Central e Leste. Assim, sua interação com a atmosfera influencia na mudança do regime de chuva e da temperatura em diversas regiões da Terra.
Assim, os meses de dezembro, janeiro e fevereiro tornam-se mais chuvosos no Nordeste do Brasil e mais frios no Sudeste. Em junho, julho e agosto, o Sul se torna mais seco e as chuvas mais frequentes e intensas no extremo norte da Amazônia e Norte da América do Sul.
De acordo com informações do Climatempo, durante os últimos meses está ocorrendo o resfriamento das águas do Oceano Pacífico Central e Leste. Somente a partir do mês de setembro a média das anomalias de TSM para o Pacífico Central e Leste, começaram a mostrar valores inferiores a -0,5° C, e ainda observou-se uma tendência de diminuição ao longo dos meses seguintes. Assim, para se configurar um fenômeno de La Niña, é preciso que os cinco trimestres consecutivos após o mês de novembro estejam com TSM abaixo de -0,5°C.
Ocorrência
O professor de agrometeorologia e modelagem, Rafael Battisti, e o professor de Agrometeorologia e Hidrologia, Derblai Casaroli, ambos da Universidade Federal de Goiás (UFG), afirmam que em 2018 é preciso se preocupar com o La Niña. Segundo eles, tem-se observado o efeito deste fenômeno sobre o clima no Brasil, mas eles são diferenciados por região e época do ano. “Atualmente a probabilidade de ocorrência é de 73% de La Niña, 1% de El Nino e de 26% neutro. Além disso, especialistas indicam um La Niña fraco, ou seja, os efeitos observados no Brasil tendem a ser de menor intensidade”, comenta Battisti.
Os professores explicam que a previsão é que o La Niña se mantenha em torno de fevereiro a abril de 2018. Apesar de se falar bastante do fenômeno ENOS (El Niño Oscilação Sul), caracterizado pelas diferenças de temperatura e de pressão atmosférica sobre a superfície em pontos específicos do oceano Pacifico, as variações do tempo meteorológico no Brasil ainda são influenciadas por fenômenos de grande escala, como o dipolo do Atlântico, que afeta principalmente a região nordeste; a oscilação decadal do Pacífico, similar ao ENOS, mas com duração maior, podendo aumentar ou diminuir os efeitos do ENOS; a zona de convergência intertropical; e a zona de convergência do Atlântico Sul, que foi responsável pelo início das chuvas desta safra no Centro-Oeste. “Desta forma, é difícil definir qual será o real efeito do fenômeno ENOS na fase La Niña, devido a todos outros fenômenos que atuam em conjunto. Assim, o produtor deve sempre estar preparado para a variabilidade climática, a qual ocorre em todas as safras, independente do estado atual do fenômeno ENOS.“
De acordo com Battisti e Casaroli, o fenômeno pode favorecer a agricultura, já que tem-se observado chuva acima da média nas Regiões Norte e Nordeste durante o verão. As frentes frias que causam chuva no Sul acabam passando de forma mais rápida na região, alcançando, assim, o Norte e Nordeste.
Regiões de abrangência
Graças ao fenômeno La Niña, deve haver chuvas acima da média no Norte e Nordeste no verão; chuva abaixo da média no inverno e temperatura mínima abaixo da média no verão na Região Sul. “Apesar destes efeitos característicos do La Niña, em previsão climática para dezembro, janeiro e fevereiro de 2018, o CPTEC/INPE (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos/ Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), indica chuva dentro a abaixo da média para o Rio Grande do Sul, chuva dentro a acima da média para o Santa Catarina, Paraná e sul do Mato Grosso do Sul, e abaixo da média para Matopiba, norte de Minas Gerais e metade norte de Goiás. Tais diferenças são devidas a outros fenômenos que controlam o clima no Brasil, os quais não são tão fácies de prever como o ENOS”, explica Battisti.
Biocombustíveis
As culturas utilizadas como matérias-primas para os biocombustíveis não estão isentas das interferências do La Niña. Os professores Battisti e Casaroli ressaltam que nas regiões produtoras de cana ainda não está claro os efeitos do fenômeno ENOS, pois são regiões de transição. Para a soja espera-se benefícios, principalmente na região do Matopiba. Por exemplo, para cultura da soja em Balsas (MA), em 78% dos anos classificados como La Niña obtiveram a produtividade acima da média histórica, enquanto que 73% dos anos classificados como El Niño obtiveram a produtividade abaixo da média histórica. Já em Rondonópolis (MT), em 89% dos anos classificados como La Niña a produtividade foi acima da média histórica, enquanto que anos classificados como El Niño e Normal não foi observado tendência clara. Em Cruz Alta (RS), tais efeitos não são tão claros para nenhuma das fases do ENOS.
Para o milho primeira safra, as tendências são similares às da cultura da soja. Por outro lado, para o milho segunda safra, o que pode complicar foi o atraso do plantio da soja, fazendo com que o milho conclua o ciclo em períodos com redução da disponibilidade hídrica. Por isso, deve se observar o fim da janela de semeadura recomendada pelo zoneamento de risco climático, dando preferência para solos argilosos que estejam com um bom nível de água armazenada e cultivares com ciclo mais curto, para que a mesma conclua o ciclo antes de períodos de déficit hídrico.
Prejuízos
Os professores Battisti e Casaroli explicam que, independente da fase do fenômeno ENOS, o produtor deverá estar atento para o zoneamento agrícola de risco climático, escalonar a época de semeadura/plantio e o ciclo das cultivares utilizadas, selecionar cultivares adaptadas a região e ao ambiente de cultivo, implantar as culturas com condições adequada de umidade do solo, utilizar sementes/mudas de alto vigor e com tratamento de sementes, fazer rotação de cultura visando melhorar a condição física, química e biológica do solo para facilitar o desenvolvimento radicular, cultivos com cobertura do solo para reduzir perda de água por evaporação, e além disso, uma planta bem saudável é capaz de enfrentar melhor períodos de limitações climáticas. Dessa forma, o produtor pode minimizar eventuais prejuízos devido a intempéries climáticas .
Ana Flávia Marinho-Canal-Jornal da Bioenergia