Limitar o aquecimento global a 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais exige mudanças imediatas e sem precedentes na economia mundial. Essa é a avaliação do novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da Organização das Nações Unidas (ONU).
Produzido por 91 cientistas e revisores de 40 países para guiar líderes globais, o relatório detalha – com base em 6 mil estudos científicos – a diferença que o impacto do aumento de 1,5°C ou 2°C nas temperaturas teria para o planeta. Atualmente, a ação do homem já provocou o aumento médio de 1,1°C na temperatura global.
Diplomatas de vários países do mundo se reuniram na semana passada em Incheon, na Coreia do Sul, para negociar o relatório preparado por cientistas do IPCC. De acordo com Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo e membro do IPCC, houve uma forte reação dos Estados Unidos e dos Emirados Árabes em defesa dos combustíveis fósseis, até que finalmente se chegasse a um consenso no sábado (6).
“O relatório diz com todas as letras que se quisermos limitar o aumento da temperatura em 2°C, não tem jeito, vai ter que ser emissão zero de carbono até 2050 e emissões negativas, ou seja, além de não emitir carbono, também sequestrar [retirar] carbono da atmosfera ao longo dos últimos 50 anos deste século. Essa seria hoje a única maneira de conseguirmos isso, uma tarefa praticamente impossível”, disse Artaxo à Agência FAPESP.
Outro ponto destacado no relatório é que muitos dos efeitos do aquecimento global já são percebidos e serão intensificados antes mesmo de atingir o limite de 1,5°C. Caso o aquecimento global continue no mesmo ritmo de hoje, a temperatura global deve aumentar 1,5°C (em comparação com os níveis pré-industriais) até 2040.
Isso acarretaria piora da escassez de alimentos, secas, enchentes, na redução da biodiversidade e a mortalidade em massa de recifes de corais. Outros impactos em destaque são o aumento do nível do mar, dos casos de doenças transmitidas por vetores, de ondas de calor e de ciclones tropicais.
Porém, a diferença de 0,5°C, além de diminuir o impacto das mudanças climáticas, impediria, por exemplo, que os corais fossem completamente erradicados e também aliviaria a pressão sobre o Ártico, reduzindo o aumento do nível do mar.
De acordo com o relatório, o que acontecer entre 2018 e 2030 será determinante, especialmente para as emissões de CO2. Entre as determinações para limitar o aquecimento global em 1,5°C estão banir os combustíveis fósseis e o desmatamento.
“Estamos em uma encruzilhada. Aquilo que for feito nos próximos cinco e 10 anos será determinante para o clima no planeta neste e nos próximos séculos. Se não agirmos agora e conseguirmos obter reduções substanciais nas emissões ao longo da próxima década, será muito difícil manter o aquecimento global em apenas 1,5°C”, disse.
Desmatamento na Amazônia
A necessidade de emissões negativas aumenta automaticamente a importância do combate ao desmatamento da Amazônia e a promoção de iniciativas de reflorestamento em larga escala visando aumentar o armazenamento de carbono. As florestas são capazes de armazenar carbono da atmosfera, questão fundamental para as mudanças climáticas.
“Com a necessidade de estocar carbono, aumenta a preocupação com a Amazônia e outras áreas de florestas tropicais que estão em risco. Temos que parar 100% com o desmatamento de áreas tropicais. Parar de destruir floresta é a maneira mais barata e eficiente para reduzir emissões e que só traz benefícios. É mais fácil e barato, por exemplo, que mudar a estrutura energética de um país e, além disso, é o que traz retorno imediato”, disse.
Artaxo ressalta que a necessidade de desmatamento zero deixa o Brasil em posição delicada. “Desmatamento é basicamente uma questão de legislação e de fazer cumprir essa legislação. Isso deixa o Brasil em situação delicada, já que nos últimos quatro anos o desmatamento aumentou de 5 mil km² para 8 mil km². É um valor absurdamente alto”, disse.
Intensificação do Acordo de Paris
O relatório do IPCC será peça-chave para a 24ª Conferência das Partes (COP-24) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) que será realizada em Katowice, na Polônia, em dezembro. Na conferência, os governos vão revisar o Acordo de Paris (2015) para combater as mudanças climáticas.
“Lá será discutida a intensificação do Acordo de Paris, com metas mais altas de redução das emissões de gases do efeito estufa. Mas a Alemanha, por exemplo, já falou que não vai conseguir atingir as metas voluntárias do Acordo de Paris. Os Estados Unidos não querem que a opinião pública da indústria do carvão se vire contra eles. Países como a Polônia, por exemplo, com 70% da energia gerada por carvão, afirmam também que não vão conseguir atingir as metas”, disse Artaxo.
O Acordo de Paris adotado por 195 nações na 21ª Conferência das Partes (COP-21) da UNFCCC, em dezembro de 2015, incluiu o objetivo de fortalecer a resposta global à ameaça das mudanças climáticas “mantendo o aumento na temperatura média global menor que o aumento de 2°C do nível pré-industrial (1750) e esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C ”.
Como parte da decisão de adotar o Acordo de Paris na COP-21, o IPCC foi convidado para produzir, em 2018, o Relatório Especial Global Warming of 1.5°C, sobre o aquecimento global de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais e vias de emissão de gases de efeito estufa. O relatório tem como objetivo examinar a questão para o fortalecimento da resposta global às mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável e esforços para erradicar a pobreza. FAPESP