Análise /Grandes chances na frota flex 

Nesta análise mensal seguem os principais números e as reflexões tanto para o curto, médio e longo prazo da cadeia agroindustrial da cana à partir dos fatos de dezembro. Segundo a UNICA, já processamos até o dia 15 de dezembro 556,9 milhões de toneladas de cana. Moemos 24 milhões de toneladas a menos (4,10%) mas é uma perda menor que a esperada com a seca, chegou-se a falar em 10%. O mix está em 64,44% para etanol. Em açúcar foram produzidas 26,1 milhões de toneladas (26,72% a menos) e de etanol 29,77 bilhões de litros (18,93% a mais), sendo 44% maior a produção de hidratado, a grande novidade da safra.

Pelo levantamento do CTC, o rendimento acumulado está em 138,7 kg ATR/tcana, contra 137,32 da safra anterior, praticamente igual. Muitas usinas já encerraram uma safra difícil, agora hora de renovar as forças para uma nova safra. E torcer para a chuva voltar novamente. Segundo a UNICA, com dados do Consecana, o preço da tonelada de cana está até o momento (média) em R$ 79,6/t contra R$ 77,7/t da safra anterior. Ano muito difícil à produção de cana.

Reflexões dos fatos e números do açúcar: Segundo a Archer, terminamos 2018 com queda de 16% dos preços em dólar, mas de apenas 1,4% em reais (R$ 1.137/tonelada), ou seja, a desvalorização do real compensou um pouco. As exportações de açúcar na safra devem ser de 19,6 milhões de toneladas, 30% menores. Com isto o Brasil conseguirá tirar do mercado internacional 8,2 milhões de toneladas. Comecei a safra achando que daria para tirar 10 milhões de toneladas de açúcar do mercado, muitos acharam um absurdo, que o máximo seria de 5 milhões. Quase acertei, menosprezaram a força da frota flex, como veremos adiante ainda dá para conquistar muito mais. Até o momento (15/12) exportamos 15 milhões de toneladas, contra 21,2 da safra anterior (queda de 29%) e em valores, US$ 4,4 bilhões contra US$ 8,2 bilhões (queda de 46%).

O preço médio do açúcar nesta safra recebido nas usinas, sem impostos e frete está em R$ 44/sc, contra R$ 49,3/sc na safra anterior e R$ 62,1/sc na safra 2016/17. O dano dos baixos preços do açúcar vem sendo grande e como era esperado, faz vítimas no Brasil e também pelo mundo. A Tereos anunciou prejuízo de EU 100 milhões nos meses de abril a setembro, puxado principalmente pela situação europeia.

A China solicitou um tempo ao Brasil para apresentar uma proposta que evite nossa entrada na OMC. Nossas vendas caíram de mais de 2 milhões de toneladas em 2016 para praticamente nada na atual safra.

Em termos de inovações vale destacar a Camil, que junto com a Amyris passa em breve a comercializar um adoçante de cana que tem zero calorias e será chamado de União Zero Calorie (a Camil é a dona da marca União). A produção vem sendo feita para Amyris em Brotas, à partir de caldo comprado da Raízen, que depois é purificado. É uma molécula existente na Stevia, produzida à partir da cana, mas sem calorias e com poder adoçante superior. Muitas empresas também estão lançando produtos que misturam açúcar de cana a outros, reduzindo as calorias. É uma das variáveis que temos que acompanhar no futuro do setor.

Reflexões dos fatos e números do etanol e energia – Em novembro as usinas no Centro Sul venderam ao mercado interno e externo 2,617 bilhões de litros, 11,7% a mais que o mesmo mês de 2017. Desde o início da safra já foram comercializados 20,436 bilhões de litros, 15,6% a mais. Para as distribuidoras, as vendas foram de 2,513 bilhões de litros em novembro e na safra, 19,319 bilhões de litros, 17,1% a mais. No hidratado, as vendas de novembro chegaram a 1,802 bilhão de litros (25,7% a mais) e na safra estão 36% maiores, totalizando 14,230 bilhões de litros. Como era de se esperar, as vendas de anidro caíram 13,7%, ficando em 6,206 bilhões de litros. Já as exportações acumuladas de etanol estão 5% menores, em 1,117 bilhão de litros. O hidratado recebe o prêmio do ano!

Na ocupação da frota de Ciclo Otto, em termos de volume, a participação do etanol hidratado foi de 33% na safra 2015/16, 26% na safra 2016/17, 28% na safra 2017/18 e está em 42% na safra 2018/19 (UNICA e ANP). Com todo o crescimento visto neste ano, ainda estamos próximos a 40%. Tem ainda grande possibilidade pela frente, principalmente na participação em estados produtores.

As importações de etanol americano cresceram 2,8 vezes em novembro, com entrada de 137,7 milhões de litros, mas ela não deve superar 2017. Segundo a SCA Trading, devemos fechar 2018/19 com importações de 1,3 bilhão de litros e exportações de 1,5 bilhão de litros. A FCStone estima que o etanol americano custa hoje em Paulínia R$ 2,36/l, pagando o imposto de 20% e R$ 1,99 sem pagar, contra R$ 1,90 nas usinas. Os EUA estão pressionado para se aumentar a cota de anidro que pode entrar sem o pagamento da alíquota de 20%, hoje liberada para 150 milhões de litros por trimestre. Um julho vence a norma da CAMEX, mais uma decisão a ser monitorada pelo setor.

O preço médio do etanol hidratado nesta safra recebido nas usinas, sem impostos e frete está em R$ 1,61/l, contra R$ 1,58/l na safra anterior e R$ 1,62/l na safra 2016/17. Do anidro, respectivamente são R$ 1,77; R$ 1,74 e R$ 1,83/l.

A EPA Agência de Proteção Ambiental dos EUA divulgou as metas de biocombustíveis para 2019, um numero pouco maior que o de 2018. No total serão misturados aos combustíveis fósseis 19,92 bilhões de galões (19,29 neste ano). Milho e os convencionais continuam com os 15 bilhões de galões. Os avançados (onde se encontra a cana) aumentaram para 4,92 bilhões de litros (aqui inclui 2,1 bilhões de galões de biodiesel) principalmente puxados pelos celulósicos, que aumentaram quase 40 milhões de galões. O teor médio da mistura de etanol na gasolina dos EUA é de 10,11%.

Sempre temos esperança no médio prazo do etanol e da bioeletricidade da cana. Um grupo de experts do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) chega ao surpreendente número de US$ 2,4 trilhões por ano até 2035 que seriam necessários para evitar um aquecimento global superior a 1,5 graus. A forma de buscar isto será a de precificar o carbono emitido ou sequestrado. Segundo o estudo muitas grandes empresas estão dispostas a adotar este sistema, estimuladas por sustentabilidade de negócios e pressão de investidores. Mais um ponto para o RenovaBio. A Cogen (Associação da Indústria de Cogeração de Energia) crê em crescimento de 57% na cogeração por biomassa de cana-de-açúcar até 2030, indo de 11,4 gigawatts para 17,9 gigawatts. Pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética) existem hoje 209 unidades que cogeram, do total de 367 unidades.

Quem seguiu minha sugestão aqui de não vender hidratado e até comprar e armazenar quando estava a R$ 1,50/l acabou ganhando. Com o litro passando de R$ 2 nas usinas, entressafra, câmbio atual e preços do petróleo não caindo mais, algum oxigênio entrará.

Onde eu arriscaria agora em dezembro/janeiro: Os cortes de produção anunciados não seguraram a queda dos preços do petróleo pois existem receios de excesso de produção, somados à chance de uma guerra comercial diminuir os fluxos de mercadorias e o consumo, afetando o crescimento mundial e a desaceleração da China, devido a elevado endividamento. O barril do Brent veio a US$ 56, um pesadelo quando lembramos que esteve acima de US$ 85 em outubro. Os EUA já se tornaram o maior produtor mundial, com mais de 11,5 milhões de barris por dia. A Rússia também cresceu muito sua produção. Mas agora a estes preços parte da produção fica inviável. Uma queda maior ainda de preços faria a recuperação do açúcar demorar mais pela menor atratividade do etanol em relação à gasolina, que poderia jogar mais 2 a 2,5 milhões de toneladas no mercado de açúcar na safra 2019/20. Portanto o preço do petróleo é a principal variável neste momento, aliado à nossa taxa de câmbio. Por outro lado, com a recuperação da economia, deve aumentar o consumo no mercado interno tanto de alimentos como de combustíveis. Continuamos na torcida pelos altos consumos de hidratado agora nas férias. Com uma safra 2019/20 igual a esta, eu aposto em preços melhores.

Prof. Dr. Marcos Fava Neves
Especialista em planejamento estratégico do agronegócio, é Professor Titular dos Cursos de Administração da USP em Ribeirão Preto e da FGV em São Paul

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