Por Eduardo Avila, Rodrigo Sauaia e Ronaldo Koloszuk*
No debate sobre os rumos da geração distribuída (GD) no Brasil, um argumento que tem sido frequentemente usado contra o atual modelo é que ele beneficiaria os mais ricos, em detrimento dos mais pobres. Seria a lógica do “Robin Hood às avessas”: os custos do setor elétrico, ao deixarem de ser pagos pelos que têm GD, os mais ricos, seriam rateados pelos demais consumidores, incluindo os mais pobres. Segundo este o argumento, a solução seria mudar as regras da GD.
No entanto, não é bem o que os números completos apontam: cálculos da ABSOLAR indicam uma realidade diferente e demonstram que, até 2035, serão gerados pela GD mais de R$13,3 bilhões em benefícios líquidos para todos os consumidores brasileiros, inclusive os mais pobres. Estudo publicado em março de 2021 na revista científica Renewable and Sustainable Energy Reviews vai além: conclui que os consumidores com GD, também chamados de “prossumidores”, são na verdade insuficientemente compensados pela energia elétrica que injetam na rede.
Os autores relacionam os custos futuros que as companhias de energia elétrica podem evitar quando um consumidor instala GD, dentre eles: alívio na operação da rede, redução da necessidade de novas linhas de transmissão, redução da necessidade de novas usinas de geração, além de menores impactos e custos ambientais. Com isso, concluem que uma reforma regulatória deveria ser conduzida para assegurar que o consumidor com GD não seja prejudicado e passe a subsidiar de forma injusta as companhias de energia elétrica.
Quanto à questão social, existem importantes projetos no Brasil que buscam a democratização da GD para consumidores de todas as faixas de renda e classes sociais. Sugere-se que representantes das distribuidoras avaliem tais experiências, dentre elas, os projetos desenvolvidos nas favelas da Babilônia e Chapéu Mangueira, na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Nestas iniciativas, fica visível que a energia solar não oferece barreiras, mas soluções para a crise energética vivida diariamente pelos mais pobres.
A população de baixa renda convive com altas taxas de desemprego, contas de energia que não cabem no seu orçamento e serviços de baixa qualidade, com frequentes quedas de luz e atendimento precário. No Rio, por exemplo, apenas na última década a tarifa de energia elétrica mais do que dobrou. Em contraste, o preço da energia solar tem caído rapidamente, fazendo dela uma das fontes de energia mais competitivas da história. A energia solar fotovoltaica também é líder entre as renováveis em outro tema social muito importante: na criação de empregos. São empregos de qualidade, locais, resilientes e consistentes com a nova economia sustentável do nosso tempo.
Assim, a adoção de GD nas comunidades oferece uma oportunidade de forte redução dos custos para acesso digno à energia elétrica. Ao gerar energia em momentos de maior demanda por eletricidade, a GD pode ainda diminuir a carga na ponta da rede e melhorar a qualidade do fornecimento nas favelas. Por seu modelo descentralizado, fomenta o empoderamento energético e novos modelos de organização coletiva para reivindicar direitos.
No entanto, ainda há barreiras para a popularização da GD, notadamente a necessidade de capital para investimento inicial e acesso a crédito. Qual o modelo adequado para que essas comunidades embarquem na GD?
Uma das apostas está no modelo de geração compartilhada, por meio de cooperativas de energia. Essa é uma solução que, além dos benefícios econômicos, harmoniza-se com as tradições de coletividade, autogestão e cooperação das favelas. Neste momento, avança a implantação da primeira cooperativa de energia solar fotovoltaica em uma favela no Brasil.
Entretanto, a redução do valor dos créditos de energia elétrica, como vem sendo proposto pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), tornaria inviável este novo modelo. Isso frearia o crescimento de uma solução sustentável que traz alívio para os desafios enfrentados pelos mais pobres. Sem um marco legal adequado e justo, o futuro da GD nas comunidades de baixa renda ganha enorme incerteza e fica ameaçado.
O Projeto de Lei 5.829/2019, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, em conjunto com a proposta de Emenda Social, oferece um caminho positivo para a solução deste impasse. Não é verdade que só os ricos que se beneficiam da GD solar. Esta é uma tecnologia que vai além dos benefícios econômicos e ambientais, pois tem o potencial de ser uma ferramenta de transformação social para a população de baixa renda no Brasil. Por isso, neste momento, é necessário incentivar a adoção da GD solar, e não a frear.
*Eduardo Avila – Diretor Executivo da Revolusolar
*Rodrigo Sauaia – CEO da ABSOLAR
*Ronaldo Koloszuk – Presidente do Conselho de Administração da ABSOLAR