A produção do etanol de segunda geração (E2G) é um marco de desenvolvimento para o Brasil tão importante quanto o salto que demos na década de 1970, quando criamos os primeiros automóveis com motores que utilizam biocombustível renovável, com menor pegada de carbono. Além de envolver importantes conquistas tecnológicas, a utilização do bagaço da cana-de-açúcar para produção de mais etanol, como é o caso do E2G, deve aumentar significativamente a capacidade do país de participar da crescente demanda global por esse biocombustível, assegurando benefícios para a balança comercial e para geração de empregos.
O mercado mundial de etanol pode atingir, até 2030, US$ 155,6 bilhões, segundo estimativa da consultoria Precedence Research. Parte desse movimento é sustentado pelo fato de que os Estados Unidos, maior consumidor global, com uma demanda anual de 520 bilhões de litros, encaram o etanol como uma excelente opção de combustível limpo e renovável no curto prazo. O etanol já responde por 10% da oferta de combustíveis no país. Essa perspectiva de aumento de demanda, associada ao processo de transição energética, traz oportunidades para o Brasil, o segundo maior produtor mundial de etanol, mas chegou a despertar inquietações quanto a uma eventual competição entre a produção de biocombustíveis e a produção de alimentos.
Uma das vantagens do E2G é a capacidade de aumentarmos em pelo menos 50% a produção brasileira com a mesma quantidade de área já dedicada ao cultivo da cana, o que nos traz segurança quanto ao equilíbrio entre oferta de etanol e a de alimentos. Atualmente, uma pequena fração da biomassa proveniente da cana cultivada em 8,2 milhões de hectares no Brasil vira E2G. Isso acontece porque há somente uma planta dedicada à produção desse biocombustível no país, com escala comercial. Localizada em Piracicaba (SP), essa unidade inaugurada em 2014 e operada pela Raízen, atingiu, recentemente, a marca de 30 milhões de litros de E2G produzidos na safra 22/23. Esse desempenho consolida o Brasil como maior produtor de etanol celulósico, como também é conhecido o E2G.
A matéria-prima do E2G é o bagaço da cana, resíduo da produção do etanol convencional. Essa biomassa, que já é aproveitada como combustível para geração de energia nas usinas, também pode ser utilizada para produção de mais etanol, por meio de um processo complexo, com tecnologia desenvolvida no Brasil. Nessa transformação, a celulose existente no bagaço vira açúcar, que é fermentado e destilado. O resultado é uma molécula idêntica à do etanol de primeira geração. Ao projetarmos o uso dessa tecnologia à imensa quantidade de bagaço que pode ser reaproveitada, podemos dar como superado o dilema da concorrência com a produção de alimentos.
Do domínio do processo químico e industrial, ganhamos protagonismo na construção das plantas, reduzindo a dependência de equipamentos importados. O pioneirismo com a primeira planta de E2G em escala comercial, e a necessidade de avançarmos com a construção de mais unidades, impulsionam uma cadeia específica de fornecedores, que já envolve mais de 300 empresas. Um dos benefícios dessa rede, que traz empregos e economia de divisas, é a nacionalização de equipamentos essenciais. Mas o mais importante é saber que estamos edificando o ambiente empresarial imprescindível para manter o Brasil na vanguarda da produção de E2G.
A pesquisa acadêmica, que tem sido essencial para aumentar a resiliência e a sustentabilidade da cana-de-açúcar brasileira, também é um componente importante desse ambiente favorável à expansão do E2G. Recentemente, pesquisadores da Universidade Estadual de Maringá, no PR, e da Universidade de São Paulo anunciaram um método capaz de aumentar em até 120% a quantidade de açúcar que pode ser obtida do bagaço da cana. Essa descoberta tem potencial para ampliar e baratear a produção de E2G no Brasil, que deve atingir 560 milhões de litros nos próximos anos, segundo previsão que está no Plano Decenal de Expansão de Energia 2032, documento elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Para atingirmos essa marca, precisamos avançar com a construção de plantas de E2G. A Raízen, que é a maior produtora brasileira de etanol, planeja ter 20 plantas deste tipo em operação até 2030. No segundo semestre, presenciaremos a ativação da produção de E2G em Guariba (SP). Outras quatro plantas – todas no interior de São Paulo – duas em construção e outras duas iniciando em 2023. Na fase de construção dessas plantas, serão gerados 18 mil empregos diretos e 12 mil indiretos. Na fase de operação, considerando o funcionamento de todas as unidades, teremos 4 mil empregos, entre oportunidades diretas e indiretas.
Para suportar parte da necessidade de mão de obra, especialmente na operação, já temos o primeiro curso de formação de operadores de E2G do país, que utiliza uma metodologia específica, desenvolvida pela Raízen. A maioria dos alunos matriculados na primeira turma são jovens que residem em Guariba. Entre maio e agosto deste ano, mais vagas serão ofertadas, de forma gratuita. Acredito que muitos desses operadores que estamos formando serão também os primeiros técnicos e engenheiros especializados em E2G.
Quando chegarmos em 2030, será muito interessante olharmos para trás e fazermos um balanço dos benefícios desse biocombustível para o Brasil. Minha expectativa é de que esse movimento continue gerando valor e impulsionando descobertas que trarão desenvolvimento e qualidade de vida para a população mundial, e que o país possa assumir também o protagonismo na criação soluções net zero baseadas na utilização do etanol, que já é apontado como uma matéria-prima viável o hidrogênio verde, uma solução definitiva para uma nova geração de motores e veículos – incluindo aviões comerciais de grande porte – extremamente eficientes e não poluentes. *Francis Queen é vice-presidente executivo para Etanol, Açúcar e Bioenergia na Raízen-Portal Exame