Desde o final do século XIX, foi adota- do o motor de combustão interna como solução ambiental e energética para a mobilidade. Quando se popularizou na virada do século, foi saudado como uma grande solução ambiental. Passados mais de 120 anos, estamos diante da realidade de que a eficiência termodinâmica do motor de combustão interna é muito baixa – entre 26% e 28% no caso dos motores do ciclo Otto, e entre 28% e 32% no caso dos motores do ciclo diesel. O restante da energia é dissipado na forma de calor, daí a necessidade de radiador, da água para refrigeração, e uso de materiais mais resistentes e pesa- dos como o ferro fundido usado nos mo- tores. O tamanho das frotas e a emissão de poluentes passaram a ser objeto de preocupação e controle, incluindo os que são objeto de controle nas zonas urbanas, como o monóxido de carbono, os compostos orgânicos voláteis, os óxidos de nitrogênio, os aldeídos, o chumbo tetraetila, e outros, ou aqueles classificados como gases causadores do efeito estufa (GEEs).
Há pouca controvérsia em relação à visão de que caminhamos na direção da eletrificação da frota, visto que essa solução proporciona menor consumo energético, geralmente avaliado em Me- gajoules por quilometro (MJ/km). Nesse contexto, a eletrificação está geralmente associada ao conceito do carro elétrico a bateria. Esta solução, entretanto, não é a única e deve, sempre que possível, estar associada à geração de energia limpa, renovável e com geração distribuída.
Atualmente, boa parte das baterias são fabricadas com íons de lítio e com cobalto. Já existe preocupação com a origem e disponibilidade de lítio e cobalto suficientes para suprir toda a demanda que deverá advir da adoção desta tecnologia. Depois de fabricadas e utilizadas, as baterias tem uma vida útil limitada a poucos anos, e requerem substituição a cada 4 ou 5 anos, a um custo considerável. Quando isso ocorre, existe o efeito ambiental negativo do descarte das baterias.
No futuro, novas tecnologias de bate- rias de lítio-enxofre e lítio-oxigênio devem elevar a eficiência das baterias como armazenadoras de energia, mas a sua densidade energética continua- rá muito inferior à dos combustíveis líquidos. A bateria utilizada nos veícu- los atuais tem uma densidade energé- tica de 130 Wh/kg, a meta é chegar a 330 Wh/kg, e com as novas tecnolo- gias no futuro poderá chegar a entre 800 e 900 Wh/kg. A título de compa- ração, a densidade energética do etano é 6200 Wh/kg.
Além disso, de nada adianta a eletrifi- cação se a energia vier de uma fonte fóssil que emite carbono na atmosfera. É preciso levar em conta de onde virá a energia marginal a ser produzida. No Brasil, o consumo de etanol e gasolina equivalem em termos energéticos a todo o consumo de eletricidade, para uso residencial, comercial e industrial, ou cerca de 460 mil GWh. O carro pode ter zero emissão na cidade, mas quando considerado o ciclo de vida completo do produto, se a fonte da energia tiver origem fóssil não resolve o problema do aquecimento global. Há ainda o problema da infraestrutura de distribuição. É necessário criar uma infraestrutura com soluções que levem em conta a cobrança da energia por quem a utiliza efetivamente. Num país onde um percentual elevado da eletrici- dade consumida é clandestina, este é um fator a ser levado em conta.
Mas existe uma outra eletrificação possível para a mobilidade, onde obje- tivos de controle ambiental são atingi- dos com combustíveis líquidos de baixa pegada de carbono. Exemplos desta solução são os veículos híbridos e os equipados com células a combus- tível, desde que utilizem combustíveis de baixa pegada de carbono, isto é, os biocombustíveis.
Para a redução de GEEs, todas as contribuições são necessárias, inclusive aquelas advindas dos veículos elétricos a bateria, mesmo quando a energia não é exatamente limpa. Mas a contribuição dos biocombustíveis – etanol, biodiesel, biogás/biometano e bioquerosene – é muito relevante. E os países que puderem adotar esta estratégia poderão oferecer uma contribuição positiva diferenciada para o esforço global de redução de emissões.
No caso do Brasil, em particular, já existe inclusive uma rede com mais de 41.600 postos de revenda capazes de distribuir etanol de cana, considerado avançado por substituir até 89% das emissões de GEE geradas pelos veículos a gasolina. O etanol e os demais biocombustíveis, representam energia solar de elevada densidade capturada, armazenada e distribuída de forma eficiente, econômica e segura. São, na verdade, equivalentes a hidrogênio capturado, armazenado e distribuído de forma eficiente, econômica e segura.
A otimização dos motores a combustão interna movidos a etanol com o uso, por exemplo, de tecnologias como a biela variável, a introdução do híbrido flex, e da célula a combustível movida a etanol, poderá colocar o Brasil na dianteira global em termos de estratégia integrada nas áreas energética, e de desenvolvimento e valorização do setor agroindustrial, em atendimento a objetivos da Política Ambiental.
A opção por esta rota tecnológica, é uma oportunidade enorme pela vocação agroindustrial e o patrimônio tecnológico que o Brasil desenvolveu nessa área.
O programa de revitalização do setor de biocombustíveis, RenovaBio, e pro- grama Rota2030 são irmãos siameses, e podem levar o Brasil e outros países com condições similares a um grande protagonismo internacional, ao oferecer uma solução que atende simultaneamente objetivos nas áreas de energia, meio ambiente e desenvolvimento econômico. Além disso, representam uma rota tecnológica que gera emprego e renda de forma distribuída. Além de baixo consumo energético e baixa emissão de gases do efeito estufa, a eletrificação baseada em combustíveis líquidos de baixa pegada de carbono promove desenvolvimento econômico e emprego, o que mais vai faltar no futuro com a automação e a modernização dos processos industriais.
Avaliação técnica realizada pela AEA, Associação Brasileira de Engenharia Automotiva, indica a emissão de gases do efeito estufa, em gramas de CO2 equivalente por km, e o consumo energético, em MJ por km, para combinações de gasolina ou etanol com alternativas de motorização. Esta avaliação mostra que, quando considerado o conceito poço-à- -roda, os veículos flex em uso no Brasil equipados com motores de combustão interna quando utilizam etanol apresentam emissões menores do que os veículos elétricos em uso no mercado europeu, tanto na atualidade, quanto os projetados até 2030 ou 2040.
Plinio Nastari é representante da Sociedade Civil no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e presidente da Datagro consultoria