Artigo / Prefiro não saber – Por Arnaldo Luiz Corrêa

Na semana em que o medo e o pânico atravessaram o Atlântico – após a quebra de dois bancos americanos – e se instalaram na Europa com as dificuldades reportadas pelo Credit Suisse, a fuga de capital dos ativos de risco atingiu fortemente as commodities. Petróleo tipo WTI caiu 13% na semana, enquanto o Brent (que serve de referência para a Petrobras) derreteu 12.5%. As softs commodities sofreram menos: açúcar caiu pouco mais de 2%, enquanto café e algodão apresentaram pequena retração menor do que 1%.

O mercado futuro de açúcar em NY encerrou a semana com o vencimento maio/2023 cotado a 20.67 centavos de dólar por libra-peso, uma queda de 49 pontos em relação à semana anterior, quase 11 dólares por tonelada. Todos os meses de negociação na bolsa de NY, de maio/23 até outubro/25 recuaram entre 35 e 54 pontos, equivalentes a uma queda entre 8 e 12 dólares por tonelada. Tudo isso ainda reflexo da crise que se abateu e que, agora parece, que está se equacionando. Com a queda de NY e a valorização do dólar frente ao real, os açúcares para exportação encolheram 15 reais por tonelada na semana.

Quando examinamos o que ocorreu aqui no Brasil com as Americanas, nos Estados Unidos com o Silicon Valley e o Signature Bank e com o Credit Suisse na Europa, todas elas empresas auditadas com o carimbo das principais auditorias do mundo, a gente se questiona acerca do critério técnico que esses analistas usaram para esquadrinhar o balanço dessas empresas e poder dizer se essa ou aquela empresa é triplo A. Prefiro não saber.

Em um mundo em que a informação é abundante e o conhecimento escasso, ainda vamos assistir a muitas dessas surpresas atingindo os mercados durante muitos e muitos anos. Veja, por exemplo, o que ocorreu recentemente com jogadores de um time de futebol de São Paulo, que investiram grande soma de dinheiro com um gestor sob a promessa de que a grana renderia 5% ao mês. Por que esse pessoal acredita piamente que esse tipo de rendimento é sério? Luiz Stuhlberger, considerado um dos maiores gestores de fundo do Brasil, entregou ao longo de 25 anos um rendimento bruto (sem descontar o CDI) de aproximadamente 1.73% ao mês. Como é que alguém acredita que pode ganhar 5% ao mês de maneira constante? Prefiro não saber.

Outro exemplo inacreditável é o caso do Maddof, que por quase duas décadas conseguir enganar centenas e centenas de pessoas, muitas delas celebridades, que confiaram a gestão do seu dinheiro a esse pilantra de Wall Street. Durante esse período de reinado do Maddof, um matemático e estatístico tentou alertar a SEC que a constância dos ganhos que ele dizia obter no fundo fake que administrava era matematicamente impossível de se obter. Ninguém poderia conseguir ganhos anuais de forma tão consistente ao longo de tantos anos em um mercado conhecidamente volátil. O que fez a SEC? Nada.

E quantos casos já vimos de má gestão e desconhecimento dos riscos na utilização de derivativos no mercado de commodities, aqui e lá fora? Por exemplo, a alemã Metallgesellschaft AG, que perdeu US$ 1.3 bilhão porque usou uma estratégia de hedge de longo prazo utilizando futuros com vencimento no curto prazo. E a Codelco (Corporación Nacional del Cobre de Chile) que em 1994 perdeu US$ 218 milhões devido a um erro na planilha? São erros assombrosos que desafiam as pessoas com um mínimo de razoabilidade. No Brasil, os casos também abundam nos grãos, no café, no açúcar, no câmbio. Não tem espaço para descrever as barbaridades que já vi nesse quesito.

Derivativos são algo muito sério e deveriam ser tratados dentro da empresa com absoluta prioridade. O problema é que a alta direção das empresas – e muitas vezes o Conselho de Administração – não tem a menor ideia do que os derivativos representam nem o quanto podem trazer de valor agregado e/ou mitigação de risco.

O mercado de commodities no Brasil e no exterior, pela experiência que tive ao longo desses anos tanto como executivo quanto consultor, ainda está aquém do essencial. O conhecimento do assunto, apesar da quantidade de informação disponível, é ainda incipiente. Poucas empresas capacitam seus colaboradores (traders, controllers, auditores, entre outros) para mergulhar no tema. Corretores de futuros, invariavelmente também possuem déficit de conhecimento e deixam de fomentar o mercado. Conceitos como gamma, vega e theta, e seus impactos numa posição de opções, com o intuito de replicar um hedge com futuros, ainda provocam dúvidas e incertezas. Você vai perceber que poucos profissionais dominam esse assunto deste ou daquele lado do balcão.

É por isso que o mercado se move como manada. Não raramente nos tornamos altistas na alta e baixistas na baixa. Também preferimos a companhia dos outros, tão perdidos quanto nós, nos momentos de crise. Parecemos leitõezinhos amedrontados sob trovoadas, todos juntinhos e assustados. Quantos consumidores industriais compraram futuros ou mesmo calls (opções de compra) quando o açúcar negociou a 10 centavos de dólar por libra-peso em maio de 2020? Quantas usinas fixaram açúcar quando o mercado encostou nos R$ 2,500 por tonelada?  Prefiro não saber.

Conhecimentos sólidos na área de derivativos mudam a nossa visão transformando crises em oportunidades. Muito mais que um chavão de livros de autoajuda, mercados que exageram na baixa nos impelem para a construção de estratégias altistas; mercados que exageram na alta (como na minha visão tem sido o caso do açúcar) nos instigam a construir posições que nos protejam da queda. Mas, o que se vê nos mercados, em geral, é exatamente o oposto: na queda os fracos saem vendendo e na alta, os desesperados entram comprando. E a história se repete.

Num workshop que participei em que o Nassim Taleb, ensaísta e autor do livro Cisne Negro, era o professor, ele me surpreendeu positivamente ao dizer que nunca lia notícias de jornais, nem relatórios de bancos para tomar decisões. Procurava se ater aos fundamentos do mercado em questão e buscar as fraquezas daquele segmento para então apostar em uma estratégia que – caso tudo desse errado – fosse vencedora com enorme rentabilidade. Convencionou-se chamar esse tipo de estratégia de Cisne Negro. Ao que parece, tem dado certo. Quanto tempo levaremos para começarmos a pensar fora do nosso quadrado? Gostaria de saber.

Comenta-se à boca pequena no mercado que uma importante parceria entre duas grandes empresas está a um fio de se romper.

*Arnaldo Luiz Corrêa é CEO na Archer Consulting

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