Segundo o CEO da companhia, Bruno Serapião, a ideia é que seja uma das primeiras em escala industrial do produto no mundo, seja ela colocada no Brasil ou em outro país.
“Hoje, a nossa visão é que o Brasil pode ser sim a plataforma global de biocombustíveis da Mubadala [Capital, braço de investimentos do fundo soberano de Abu Dhabi] no mundo. Cabe a nós. Temos que lembrar que tem 180 países com condições diferentes. Esse capital pode investir em qualquer lugar”, diz o executivo.
A Atvos, que no passado foi a empresa de biocombustíveis da Odebrecht e passou por um processo de recuperação judicial encerrado em setembro de 2023, também pretende, com o novo acionista árabe, avançar na substituição dos combustíveis fósseis para outros transportes, conforme a evolução regulatória.
“Ainda não estamos focando em navegação porque ainda não tem uma regra global sobre o assunto. É diferente da aviação, que já adotou o SAF e já tem uma certificação. Haverá uma solução para navegação e, no momento em que ela for delimitada e todos concordarem, com certeza, a Atvos vai participar”, diz.
Quando saiu da RJ (recuperação judicial), em 2023, a empresa anunciou a intenção de superar 30 milhões de toneladas de cana processadas e aumentar o portfólio dos biocombustíveis. Como estão esses planos?
No ano passado, fizemos 22 milhões de toneladas de cana processada e neste ano vamos terminar com 27,5. No próximo, ficaremos perto de 29 e, no seguinte, já vamos superar 30.
Tem o biometano, em que iniciamos uma parceria com uma provedora de tecnologia. Até o meio do ano, vamos anunciar a decisão final de investimento para conseguir colocar para funcionar esse biometano, que é feito através de subprodutos do etanol para que se produza gás. Esse gás vai substituir o diesel da nossa frota. Isso nos ajuda a gastar menos e descarbonizar. E o segundo processo é o do SAF. Queremos montar uma planta em escala industrial para perto 1 milhão de metros cúbicos de SAF e conseguir iniciar esse processo de descarbonização da aviação.
Em que pé está o projeto do SAF? É produção experimental? Qual é o tamanho? Temos que pensar em descarbonização em grande escala. Em uma frota de carros, por exemplo, se você tem combustível em um dia e não tem no outro, você não vai investir em um carro que seja menos poluente. É assim também com a aviação. Para a aviação adotar o SAF, precisa ter oferta em grande escala.
Já temos um time montado, estamos fazendo o projeto de engenharia e caminhando para chegar a uma decisão de investimento de onde colocar essa planta.
Vai ser uma planta de tecnologia que traz do álcool até o jet fuel, que é o querosene de aviação. A molécula é igual à do combustível fóssil. Isso é importante porque você não precisa mexer na frota de aviões no mundo. Esses aviões hoje já são autorizados a operar com 50% de SAF e 50% de querosene e, em breve, serão autorizados a operar com 100%. É uma solução que ajuda a manter a frota, ajuda o crescimento da aviação e descarboniza ao mesmo tempo.
Nos inspiramos no etanol brasileiro, que é uma solução em que você coloca combustível no carro, continua andando com o mesmo carro flex e pode escolher um ou outro. O que temos no etanol brasileiro é algo que gostaríamos de chegar no SAF daqui a 15 ou 20 anos.
Hoje, o gargalo ainda é tempo e preço, não? No SAF, primeiro é oferta. Hoje, não tem uma planta no mundo operando em escala industrial. As plantas que estão sendo instaladas nos Estados Unidos estão começando o comissionamento agora. Nossa ideia é ser uma das primeiras plantas em escala industrial no mundo, sendo ela colocada no Brasil ou em outro país.
Essa primeira planta deveria acontecer entre 3 a 5 anos. E entre 10 a 15 anos, imaginamos que a tecnologia vai melhorar de uma forma que o SAF possa ser mais barato que o querosene de aviação.
O SAF pode ser feito através de óleos combustíveis. Se eles custarem muito caro, o SAF vai custar muito caro. No alcohol-to-jet [nome da tecnologia], como ele tem o etanol como entrada, e tendo uma oferta de etanol muito maior, a gente garante uma estabilidade no preço do insumo.
Acreditamos que o petróleo vai continuar no mundo. Nos próximos 50 anos, não tem como o mundo acabar com o petróleo do dia para a noite. Temos que aproveitar esse movimento para fazer a transição de maneira organizada. Quanto mais economicamente viáveis forem essas outras fontes, mais rápida será a adoção.
A queixa das companhias aéreas é justamente o preço do querosene. Pelas suas projeções, essa queixa tem data para acabar? Quando se fala em preço de querosene de aviação, você tem que pensar no preço e nas emissões de carbono. O carbono vai ser uma commodity também trocada entre os países.
O Brasil tem a melhor matriz energética do mundo, 85% renovável, com etanol em grande parte da frota, mas quando você vai para outros países do Sul Global, eles não têm como fazer isso. Na África, por exemplo, se usa gasolina e não tem dinheiro para fazer eletrificação. Como eles vão conseguir ajudar na descarbonização? Como se alia essas duas coisas? Tendo o Brasil como grande hub disso, e vendendo os nossos créditos de carbono.
Quando se pensa em custos de transportes, temos de pensar em quanto custa o combustível e quanto carbono ele emite. Juntando essas duas coisas, com certeza, o SAF vai ser mais barato em 10 a 15 anos.
Sua formação é engenharia aeronáutica? Trabalhei com isso seis anos no início da minha carreira. Acredito que o SAF seja uma solução para a aviação, porque não tem eletrificação, não dá para colocar motor elétrico num avião para 400 pessoas. Tecnicamente é inviável. E os três operadores globais, Airbus, Boeing e Embraer, adotaram o SAF como solução mais viável de transição, que descarboniza e não mexe nas estruturas colocadas, e que é a mesma solução que temos no etanol do Brasil. Como engenheiro aeronáutico e líder de uma empresa de biocombustíveis, aliando esses dois conhecimentos, eu realmente acredito que o SAF seja a solução no futuro da aviação.
Precisaria de políticas públicas, ajuda do governo para companhias aéreas, incentivo tributário, para deslanchar? Hoje, tem dois elementos no mundo guiando a adoção de combustíveis renováveis em detrimento dos fósseis. O primeiro é o modelo americano, que é de subsídio fiscal. O governo tira dinheiro do bolso e entrega. O segundo é o europeu, que é regulação forte, tirando a possibilidade de se operar com coisas diferentes. O Brasil não tem espaço fiscal para subsídio e já tem matriz muito limpa.
Temos o etanol e a soja mais baratos do mundo. Nós produzimos soja em grão, mandamos para a China, que esmaga, faz óleo e farelo. Se você coloca essa fábrica aqui, a carga de impostos é grande. É melhor colocá-la no destino e exportar o grão. Quando se pensa em SAF ou outras industrializações, precisamos pensar nisso: ‘eu não tenho essa indústria hoje, então, qual é a minha política para ela se instalar no Brasil de maneira inequívoca e longeva?’ É ter a mesma condição em que ela foi instalada em um país onde não tem essa estrutura fiscal.
Como é um mercado que não existe, ninguém abre mão de recurso nenhum. Colocar as plantas em uma estrutura fiscal que seja semelhante ao que se tem, por exemplo, no Paraguai, em que você consegue amortizar o investimento inteiro antes de começar a pagar imposto de renda, é uma inteligência de estado. Ninguém abre mão de nada, a situação fiscal continua igual e a gente só cresce, em emprego, tecnologia e em ambiente de negócio.
Não advogamos por subsídio nem dinheiro fiscal. O que advogamos é dar as mesmas condições no Brasil. Tendo o etanol brasileiro, que é o mais barato do mundo, vamos ter o SAF mais barato do mundo. Com isso, a gente consegue ser exportador de tecnologia.
E o combustível de navegação? Navegação vai por um caminho diferente, o do metanol. É um álcool diferente do etanol, que pode ser processado. Ainda não estamos focando em navegação porque ainda não tem uma regra global sobre o assunto. É diferente da aviação, que já adotou o SAF, já tem uma certificação. Todos os países, por meio da Iata e da Icao, que são organizações internacionais, estão olhando o SAF com essa posição. O paralelo com a navegação ainda não tem um padrão pré-definido. Então, é arriscado tomar decisão de produção para 30 anos. Quando se coloca uma planta, precisamos ter certeza de que essa adoção de tecnologia vai continuar.
Tem uma discussão sobre eletrificação. Também não acreditamos que a navegação não vai ser eletrificada. Haverá uma solução para navegação e, no momento
em que ela for delimitada e todos concordarem, com certeza, a Atvos vai participar.
Lula disse recentemente que o Brasil não é mais campeão de futebol, mas vai ser da energia verde. E o seu investidor, o Mubadala, o que acha? O Mubadala colocando capital na Atvos e na Acelen, para fazer etanol, SAF e biometano, dá uma visão clara de que estão enxergando biocombustíveis como futuro. É um grande investidor internacional, tem visão de muito longo prazo e conhece energia.
Hoje, a nossa visão é que o Brasil pode ser sim a plataforma global de biocombustíveis da Mubadala no mundo. Cabe a nós. Temos que lembrar que tem 180 países no mundo com condições diferentes. Esse capital que está lá, tem quase US$ 1 trilhão sentado nos Emirados Árabes, pode investir em qualquer lugar. Nossa obrigação é transformar o Brasil em um lugar com estabilidade, visão de longo prazo e respeito ao capital estrangeiro. Se fizermos isso de modo convincente, seremos bem-sucedidos. Os primeiros passos já foram dados, e a Mubalada e os Emirados Árabes já mostraram seu comprometimento ao Brasil nesse segmento.
A Novonor ainda tem participação na empresa? Como fica a lembrança da Lava Lato na memória da companhia? A Novonor não é mais acionista da Atvos. Deixou de ser antes de eu entrar. Depois que a gente saiu da RJ, o acionista de referência é a Mubadala, com vários outros acionistas. A Atvos nunca esteve envolvida em nada da Lava Jato. A Novonor não tem mais nada a ver com a empresa. De agora para a frente é: ‘somos uma grande plataforma de biocombustíveis brasileira para levar isso a um outro patamar’.
Como foi a agenda levada por vocês à COP? Como o Brasil deve se posicionar? Levamos para a COP a agenda dos biocombustíveis e do etanol como um combustível de substituição ao fóssil em transportes. Quando você olha a descarbonização do mundo em 2050, para limitar o aquecimento global a 1,5 grau, 30% da energia do mundo tem que ser em biocombustíveis. Hoje é 4%.
O Brasil tem um combustível mais barato, sustentável e socialmente mais responsável que o petróleo. Participamos da aliança de biocombustíveis que Brasil, Índia e EUA montaram defendendo essa prática. Fizemos painéis sobre o que é o Brasil em biocombustíveis, falamos com imprensa internacional, principalmente europeia. Tem uma discussão de protecionismo europeu ao biocombustível brasileiro sem nenhuma razão técnica. Fomos defender o Brasil com o pessoal da CNI e do governo. Os empresários têm de estar presentes nessa discussão.
O setor de cana é um dos campeões em quantidade de processos de RJ. Isso prejudica o movimento de transição energética? O setor tinha 250 usinas há dez anos e hoje tem 125. Aconteceu uma consolidação com players internacionais fortes, seriedade no trato do combustível. Hoje, tem uma parte que funciona com usinas e distribuidoras menores à margem de impostos de incentivos de carbono, e tem um setor organizado. Estamos em outro patamar. Essas RJs vieram organizar esse mercado. Folha de S.Paulo