Auxiliar na descarbonização é o caminho do etanol

Mário Campos, presidente do Fórum Nacional Sucroenergético (FNS) e  presidente da Associação da Indústria Sucroenergética de Minas Gerais (SIAMIG), do Sindicato da Indústria do Açúcar no Estado de Minas Gerais e do Sindicato da Indústria da Fabricação do Álcool no Estado de Minas Gerais, conversou com o Canal- Jornal da Bioenergia sobre o atual cenário do setor, os receios e até mesmo sobre o andamento da safra em seu Estado.

Ele é economista formado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com MBA em Finanças pelo IBMEC e Relações Governamentais pela FGV de Brasília.

Confira o bate-papo.

Canal – Jornal da Bioenergia: No cenário atual e futuro da mobilidade sustentável como o avalia o papel do etanol? O setor tem se comunicado adequadamente em alta escala para destacar todo o potencial do etanol neste contexto?

Mário Campos: O grande desafio dos governos, das empresas e da sociedade como um todo é a questão da descarbonização. O mundo precisa emitir menos gases que provocam efeito estufa para atingir a neutralidade climática.

Há várias alternativas no mundo e no Brasil uma já consolidada, que envolve a economia e a mobilidade é a utilização de biocombustíveis, seja misturada em combustíveis fósseis, seja de forma direta, no caso o etanol hidratado, já cumprindo o papel da descarbonização.

O que falta é justamente aliar essa descarbonização, ou seja, o fato de descarbonizar com um equipamento que seja mais eficiente no seu uso. Isso é, sair do convencional, o motor a combustão que utiliza etanol e faz sete quilômetros por litro, para um equipamento que entregue mais eficiência nesse processo. Ou seja, andar mais quilômetros por litro de etanol.

O setor também precisa ter produtos que a sociedade possa adquirir. Isso significa que há necessidade de melhorar a nossa eficiência produtiva. Ter um produto com baixo custo e valor acessível ao consumidor. Além disso, ter o equipamento que vai utilizar esse nosso produto de forma acessível.

A nossa solução não é modismo, como a outras alternativas, como é o caso do carro elétrico, em que se gasta muito dinheiro de propaganda e de desenvolvimento industrial. A gente precisa mostrar para a sociedade que temos uma alternativa de mobilidade que descarboniza e gasta menos.

Canal: O carro elétrico pode ser considerado um ameaça para o setor sucroenergético?

O carro elétrico, a bateria, é uma ameaça. Ele está substituindo o nosso modelo a combustão já consolidado. Qualquer tipo de variação desse modelo a combustão, por exemplo um modelo híbrido, onde associo um motor elétrico com motor a condução, é uma ameaça.

Mas ele também tem as suas fraquezas. Hoje estamos na frente, mas temos que entender que a transformação tecnológica é feita muito rápido.  Hoje, o setor se posiciona no sentido de demonstrar para a sociedade que é preciso caminhar para algo que alinhe, não só a questão da descarbonização, seja ter um produto que de fato apresente um conteúdo de descarbonização.  E isso etanol e o veículo elétrico a bateria fazem, mas precisamos elencar:

  • A indústria brasileira que produz veículos. Vários países estão investindo forte na questão da diversificação da frota.  E a pergunta que fica é: se o Brasil será um player importante na produção de veículos se optar por caminhar por uma tendência de elétrico à bateria? Na nossa opinião, seremos importadores dessa tecnologia, em função de tudo que o Estados Unidos, China e Europa, estão fazendo nesse modelo.
  • O que eu preciso fazer pra que esses veículos possam andar no Brasil. Hoje eu tenho um sistema de produção de biocombustíveis consolidado, espalhado pelo Brasil, gerando emprego e renda para milhões de brasileiros. E paralelo a isso, ao importar esse veículo, temos que analisar se teremos a mesma dinâmica social de hoje? Inclusive, dificilmente, a vocação agrícola.

Sabemos que por mais que o veículo elétrico, ou seja, a bateria, seja uma ameaça, ele também tem as suas dificuldades.  Por outro lado, temos que melhorar a nossa estrutura para que de fato sermos uma alternativa muito mais viável no Brasil.

Canal: Como estão as tratativas com o governo federal para garantir que o etanol não seja prejudicado neste contexto das discussões e decisões em torno do combustível do futuro?

Mário Campos: As tratativas do Governo Federal estão evoluindo muito bem. Esse governo tem uma preocupação ambiental mais latente, mais aparente, no qual vários ministérios têm assessorias e secretarias que cuidam do tema.

E hoje temos que lutar para aliar a política pública para se ter ações que incentivem a indústria automobilística, na evolução de produtos que tenham etanol como foco e também com agroindústria canavieira ou a produtora de etanol de milho, com o objetivo de aumento de produção.

Já foram implementadas políticas e agora é o momento de fazer com que elas dialoguem. No setor automobilístico temos o Rota 2030 que estabelece planos de redução de emissões nos equipamentos que são comercializados, investimentos em pesquisa e desenvolvimento por parte da indústria automobilística.

E por parte do setor sucroenergético, temos RenovaBio. O programa indica um aumento de consumo de biocombustíveis a médio e longo prazo, remunerando o produtor que está fazendo a descarbonização com a venda do CBio, compondo a receita de venda de etanol.

Temos que verificar como um pode conversar com o outro. Isso é, a assimilação do conceito que o RenovaBio tem de ciclo de vida, ou seja, começar verificar não apenas o que está sendo emitido no campo descarga, que é a ótica do Rota 2023, mas sim como que o combustível que chegou até aquele veículo é produzido. Assim, temos a óptica da análise do ciclo vida e a óptica da análise de emissões do poço à Roda. E essa necessidade de incluir esse conceito na política pública é muito importante. E para fazer isso, está sendo traçado no Governo Federal o projeto de lei Combustível do Futuro, que vai considerar essa questão do ciclo de vida e também de outras temáticas relacionadas a biocombustíveis que vai cuidar justamente do futuro dessa indústria no Brasil.

Então, vamos abordar a captura de carbono (CCS), a normatização das normas de combustível de aviação (SAF), o aumento da mistura de etanol na gasolina já anunciado pelo governo.

Canal: Hidrogênio verde. O setor irá mesmo conseguir se destacar nessa nova opção?

 

Mário Campos: Muitos dizem que tudo que está feito agora, é na verdade um caminho para chegar, no futuro, à utilização de hidrogênio como fonte energética. E de fato, isso poderá ocorrer. Temos visto fora do Brasil muitas empresas, principalmente na Europa e na China, empresas a apresentarem como plano sustentabilidade e investimento, principalmente na área energética, alguma coisa relacionada a hidrogênio.

E o hidrogênio pode chegar de fato ser uma opção quando a gente fala de mobilidade.  E o etanol aparece como uma possível fonte para a produção desse hidrogênio. Em termos tecnológicos, é algo que precisa ser avaliado, que está sendo incentivado, estudado, mas ele ainda não apresenta ser uma realidade no curto prazo.

Canal: As mudanças constantes na área tributária sempre penalizam as usinas. Isso vai ficar no passado ou o atual governo ainda pode adotar outras medidas que prejudiquem o setor?

Mário Campos: O poder do Governo é sempre muito relevante, principalmente o nosso negócio, relacionado a combustíveis. É sempre importante ressaltar que as mudanças de governo podem ser positivas ou podem ser negativas.

E essa mudança tributária, que ocorreu no ano passado, foi muito negativa, principalmente no segundo semestre. E ao longo desse primeiro semestre, acompanhamos o retorno desses tributos. E agora vamos caminhar com praticamente a mesma situação do ano passado, obviamente com um ajuste ou outro que ainda precisa ou que poderá ainda ser feito. Mas não acredito que teremos no futuro algum tipo de mudança relacionada a tributo.

Mas estamos discutindo a reforma tributária, onde podemos ver mudanças mais substanciais. As regras do jogo relacionadas à tributos estão definidas, agora temos que trabalhar outras dificuldades e riscos. E um ponto que devemos nos preocupar, por exemplo, é a política, derivados de petróleo no Brasil, mais precisamente na gasolina.

Canal: E neste contexto, o que dizer da reforma tributária. Como o setor avalia a proposta em tramitação no congresso nacional?

Mário Campos: Tínhamos duas opções na reforma tributária. Uma era ficar quieto e esperar o que ia acontecer, como muitos ficaram e agora podemos ver diversos setores cheios de críticas, porque não conseguiram trabalhar de forma mais efetiva na construção do texto. E a outra era participar do processo, com debates e discussões.  Fizemos diversas reuniões desde a apresentação dos projetos, em 2019. Este ano participamos de um seminário no Congresso Nacional sobre o assunto. Nos reunimos com o presidente, com o relator, com membros do Grupo de Trabalho e com o presidente do mesmo.

E o que foi aprovado preserva muito que temos. A questão é se a reforma permanecerá como foi aprovada pela Câmara e os seus efeitos sobre os negócios no Brasil ainda é preciso ter mais tempo para poder estudar.

Mas dentro do texto e das possibilidades, acho que conseguimos um bom caminho para o setor. Algumas das conquistas foram a adaptação da emenda constitucional, que mantém na constituição a necessidade de diferenciação entre tributos de biocombustíveis e seus substitutos fósseis. Essa é uma grande vitória para o setor.

Outro ponto, os combustíveis devem ser todos monofásicos. Há um debate no setor sobre a monofasia dentro do etanol hidratado. Muitos são muitos são contrários, outros são indiferentes a esse processo, mas no texto inicial vedava o crédito ao produtor de combustível, ou seja, levava o nosso produto à monofasia, mas vedava o crédito ao etanol.

E na temática do açúcar, o produto pode ficar dentro do critério de cesta básica nacional e será isento. E os outros produtos do setor alimentício, como açúcar para industrialização está dentro do rol de alimentos, no segmento agropecuária com redução de alíquota prevista no texto da reforma tributária.

Mas ainda é importante fazer contas e ver os efeitos.  Temos os debates no Senado Federal, nos meses de agosto e setembro, e se tiver algum aperfeiçoamento, ainda é possível trabalhar no texto, mas acredito que para o agro em geral teve uma performance muito boa.

O que tem muita crítica é o artigo 20, que possibilita os estados transformar alguns fundos estaduais, existentes especialmente no Centro-Oeste e no Nordeste, em novos tributos. Esse ponto merece atenção, precisa ser modulado ou retirado.

 

Canal: Como está o andamento da safra em Minas? cenários positivos?

Mário Campos: Temos uma boa perspectiva para esse ano. Teremos uma produção bem maior do que a do ano passado, com uma qualidade muito próxima ao do ano passado, com um resultado excepcional. Há sempre preocupação com os fenômenos climáticos, como El Nino, que em tese tornam essas terras mais propensas a chuvas foras do período convencional, o que pode atrasar a moagem e assim, criando uma situação de possível sobra de cana, que pode representar um início de safra mais cedo.

Mas é melhor administrar uma alta produção da baixa safra, devido à seca, geada e incêndios com o encerramento das atividades mais cedo como foi nos últimos dois anos. Foram safras boas no sentido de resultado econômico das empresas, mas em termos de produção foram safras ruins. Esperamos ter uma safra abundante, provavelmente Minas Gerais vai fazer a maior safra da sua história.

(Canal  – Jornal da Bioenergia)

 

 

 

 

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