Responsável por 2% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE), o setor de aviação busca soluções para se descarbonizar e cumprir os acordos firmados internacionalmente para conter o aumento da temperatura do planeta. Empresas de aviação de 192 países – incluindo as que atuam no Brasil – se comprometeram a neutralizar o crescimento das emissões de carbono a partir de 2020, numa iniciativa coordenada pela Organização Internacional de Aviação Civil (ICAO, sigla em inglês).
“A forma mais efetiva de neutralizar e reduzir essas emissões é o uso de biocombustível”, avalia o diretor de Biocombustíveis de Aviação da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), Pedro Scorza.
Scorza, que também representa a GOL Linhas Aéreas, empresa associada à Ubrabio, explica que o investimento na cadeia de bioquerosene se justifica ambiental e socioeconomicamente, por ser uma solução efetiva para o cumprimento das metas de redução das emissões de gases de efeito estufa e que a companhia aérea tem interesse em comprar o biocombustível, desde que haja paridade de preço com o fóssil.
Para apresentar oportunidades de negócios e investimentos nessa cadeia de valor, a Ubrabio, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e o Governo do Estado de Minas Gerais promoveram nos dias 29 e 30 de agosto, em Belo Horizonte, o Seminário de Desenvolvimento
Sustentável e Descarbonização: oportunidades de negócios e investimentos na cadeia de valor do Bioquerosene. O objetivo foi justamente promover o debate sobre o protagonismo brasileiro no programa de descarbonização assumido nos acordos internacionais, investimentos em projetos de reflorestamento para energia e biocombustíveis de aviação, com oleaginosas da biodiversidade regional do Brasil, e também biomassas comerciais já disponíveis, como a soja e a cana.
Para o vice-presidente da Fiemg, Aguinaldo Diniz, o Brasil acerta em cheio ao investir nessa cadeia de valor em que todos saem ganhando. “O papel de destaque que assumimos nas questões climáticas nos trazem diversas vantagens. É exatamente esse protagonismo que nos leva a atrair investimentos em projetos de diferentes setores relacionados à produção de biocombustíveis”, afirmou Aguinaldo Diniz, durante o evento.
A concretização do plano de longo prazo para o desenvolvimento dos biocombustíveis de aviação no Brasil pode gerar investimentos de R$ 1 bilhão a R$ 5 bi em refinarias para produção de bioquerosene, e 60 mil empregos diretos, nos próximos anos. A estimativa foi apresentada pela Ubrabio ao Ministério de Minas e Energia (MME), para subsidiar a estruturação do programa RenovaBio.
“Temos no Brasil uma situação diferenciada de outros países. Para muitos, o cumprimento das metas de descarbonização servirá como uma punição. Já no Brasil temos a grande oportunidade de fomentar a indústria de biocombustíveis gerando emprego, renda, investimentos e desenvolvimento tecnológico. Tenho certeza de que Minas Gerais fará um marco histórico na construção de uma cadeia produtiva a partir do bioquerosene porque tem todos os ingredientes necessários: demanda – justificada pela presença do Aeroporto Internacional, em Confins –, e matéria-prima abundante – tanto as tradicionais como soja e cana-de-açúcar, como a macaúba, originária do cerrado”, explicou o diretor superintendente da Ubrabio, Donizete Tokarski. Ele ressaltou a necessidade de estabelecer o processo de produção.
“O desafio é estabelecer a concorrência com o querosene fóssil. Promover a viabilidade econômica da produção”, destacou. Segundo Ana Paula Machado, coordenadora-geral de Serviços Aéreos Internacionais da Secretaria Nacional de Aviação Civil, emitir GEE vai ficar mais caro para o setor aéreo e os biocombustíveis de aviação precisam estar disponíveis em escala comercial até 2035. “É preciso estabelecer um plano de negócios”, ressaltou. A análise é compartilhada pela Abear (associação que representa as empresas aéreas no Brasil). De acordo com Rogério Benevides, engenheiro aeronáutico da Abear, o setor tem duas vertentes para atuar: eficiência e bioquerosene.
“A eficiência é intrínseca à aviação. Não há muito mais o que avançar. O bioquerosene é, então, a única solução [para reduzir emissões], mas precisa ser viável economicamente”, comentou.
Macaúba
Em Minas Gerais, pesquisadores e empresas estão investindo em estudos com a macaúba, uma palmeira nativa, cujos frutos podem fornecer óleo para produção de bioquerosene, e matéria-prima para diversos produtos da chamada química verde. Esta é uma proposta de biomassa sustentável para produção de biocombustível de aviação no Brasil, apresentada pela Plataforma Mineira de Bioquerosene.
A Prefeitura de Juiz de Fora assinou recentemente um protocolo de intenção do “Projeto Macaúba” que visa garantir a recuperação e a preservação do bioma através do plantio da palmeira. “O potencial é enorme. O projeto envolve 45 municípios da Zona da Mata, Sul e Vertentes e tem o apoio do governo do Estado e da Fiemg. Ainda vamos avançar muito”, disse o prefeito de Juiz de Fora, Bruno Siqueira.
Neutralizando as emissões
Atualmente, o Brasil consome 7 bilhões de litros de querosene de aviação – o equivalente à capacidade autorizada para produção de biodiesel no país, hoje em 7,7 bilhões de litros por ano. Pelo acordo firmado com a ICAO, as empresas que aumentarem as emissões depois de 2020 terão que comprar crédito de carbono para compensar esse incremento. Ou, para que a neutralização ocorra, o Brasil teria que produzir 4 bilhões de litros de bioquerosene em 2030. “Isso é factível. O biodiesel cresceu porque houve um marco regulatório. É o que o bioquerosene precisa”, destaca Scorza.
Para o representante da Embraer Marcelo Gonçalves, os biocombustíveis de aviação são “uma baita oportunidade para o Brasil”. “Esse mercado vai ser necessário. Quem pratica voos internacionais vai ter que mitigar emissões”. Marcelo destacou ainda os benefícios sociais e econômicos de investir nessa indústria. “A indústria vai requisitar mão de obra qualificada e exigir modelos de formação interdisciplinares”.
Em novembro do ano passado, o Brasil participou da COP 22, que culminou com a Declaração de Marrakech, onde chefes de Estado e de delegações de todos os países envolvidos com o Acordo de Paris confirmaram o compromisso conjunto para conter o aquecimento global. No Acordo, o governo brasileiro comprometeu-se oficialmente a cortar as emissões do país em 37% até 2025, e em 43% até 2030, tendo como base o ano de 2005.
Regulação
Durante o encontro em Belo Horizonte, Aurélio Amaral, diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), anunciou a revisão da Resolução ANP n° 63/2014, que “estabelece as especificações dos Querosenes de Aviação Alternativos e do Querosene de Aviação B-X (QAV B-X)”, algo que vem sendo pleiteado pelo setor. Segundo Amaral, é preciso “modernizar para gerar desenvolvimento”.
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