Em 20 anos, os brasileiros economizaram R$ 110 bilhões ao abastecer com etanol

Quem se lembra de quando os veículos flex ainda não existiam? Talvez só quem sabe o que é um afogador. Felizmente já aposentada, a alavanca ajudava o motor dos carros mais antigos a não morrer, principalmente em dias frios.

Não é a única inovação que ficou no passado da indústria automobilística brasileira. Lançados no país em 2003, por outro lado, os motores flex continuam em alta e impulsionando um biocombustível que revolucionou o setor: o etanol.

Em 20 anos, de acordo com dados disponibilizados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), os brasileiros economizaram R$ 110 bilhões ao abastecer com etanol. Só no ano passado, a economia se traduziu em R$ 7 bilhões. É por isso que muitas companhias, a exemplo da Ambev, da Unilever Brasil e da Neoenergia, adotaram o etanol para abastecer suas frotas.

Convém esclarecer que não é verdade que, no inverno, carros movidos a etanol são mais difíceis de ligar. Ou que o biocombustível é prejudicial para os automóveis flex — veículos do tipo estão preparados para rodar tanto com etanol quanto com gasolina.

Que esta última — de origem fóssil, o petróleo, não renovável — impacta mais o meio ambiente todo mundo sabe. Já o uso do biocombustível, produzido da cana ou do milho, representa redução de até 90% nas emissões dos gases causadores do efeito estufa.

Atualmente, os carros flex representam mais de 80% da frota nacional. A chegada deles abriu caminho para a criação da Política Nacional de Biocombustíveis, a RenovaBio, o maior programa público do mundo em prol da mobilidade de baixo carbono. Tem mostrado a outros países que o biocombustível brasileiro é uma alternativa limpa e economicamente viável para a descarbonização.

De 2003 a 2023, o etanol evitou que 660 milhões de toneladas de CO2 fossem lançadas na atmosfera, se comparado a um cenário de 100% de veículos movidos a gasolina, segundo um estudo da Unica, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia. Equivale ao plantio de quase 5 bilhões de árvores nativas e a manutenção de todas elas em pé por um período de 20 anos.

Usado no Brasil desde a década de 1970, o etanol é produzido por um setor que se modernizou e aderiu à sustentabilidade. Hoje a produção é mecanizada e não prejudica o solo — a cultura da cana se alterna com o plantio de outros alimentos. Não à toa, só 1,2% do território brasileiro é utilizado para o cultivo de cana-de-açúcar, uma das fontes do etanol.

Registre-se que a chamada bioeletricidade, cuja origem é a biomassa (resíduos da cana-de-açúcar, restos de madeira e casca de arroz, entre outros itens do tipo), é limpa e renovável. Mais: é gerada próxima aos centros consumidores de energia elétrica, o que reduz as perdas do sistema e a necessidade de investimentos em transmissão.

Trata-se de uma geração não intermitente e complementar à geração hídrica. Em 2022, a bioeletricidade feita da cana atingiu a marca de 18,4 TWh. Equivale a quase 26% do volume gerado pela Itaipu Binacional naquele ano e seria o suficiente para atender 15,4% de todo o consumo residencial do Brasil.

“O etanol é a melhor opção para os veículos, pois garante mais eficiência e menos manutenção”, destaca Evandro Gussi, CEO da Unica, associação que representa as usinas responsáveis por mais de 59% da produção nacional do biocombustível e 53% da produção de cana. “E ele também faz bem para o desenvolvimento econômico do país.”

Isso porque o setor sucroenergético é responsável por movimentar 2% do PIB nacional e pela criação de 2,2 milhões de postos de trabalho, entre vagas diretas e indiretas.

Um estudo publicado por três pesquisadores em 2016 — Carlos Eduardo Caldarelli, da Universidade de Londrina, e Márcia de Moraes e Mírian Bacchi, da USP/Esalq — constatou que usinas e áreas de cultivo de cana-de-açúcar contribuem com a economia local. O aumento da área de cana-de-açúcar em 10%, por exemplo, gera uma elevação imediata do PIB médio per capita de US$ 76.

Já a existência de uma planta de etanol no município eleva o PIB médio per capita no ano de instalação da usina em US$ 1.098, enquanto o das 15 cidades mais próximas têm acréscimo médio de US$ 458.

Mais: após dez anos de instalação da planta de açúcar ou de etanol, o aumento no PIB médio per capita é de US$ 1.029 no próprio município e de US$ 324 para os 15 vizinhos mais próximos.

“Neste momento, com as mudanças climáticas se impondo como um dos maiores desafios da humanidade, o Brasil tem uma solução pronta e replicável, em grande parte do mundo, para a descarbonização do setor de transportes”, acrescenta Gussi. “Estamos dando o exemplo de que é possível descarbonizar e crescer.”

Daí os eventos realizados pela Unica para mostrar as vantagens do biocombustível para outros países, como Índia, Indonésia e Angola. O Brasil também detalhou sua expertise com o etanol em grandes fóruns mundiais, caso da COP28, realizada em Dubai, e do Fórum Econômico Mundial.

“O uso do etanol na indústria automotiva confere ao Brasil uma vantagem competitiva extremamente relevante frente aos países desenvolvidos que fazem investimentos vultosos na eletrificação de seus veículos para atingir as ambiciosas metas ambientais”, diz Denys Cabral, head de inovação automotiva da Becomex.

O especialista vai além: “Os investimentos feitos pelo Brasil em pesquisa e desenvolvimento nos últimos 45 anos foram fundamentais para o país se tornar referência mundial da tecnologia flex, e essa liderança representa oportunidade para o país virar base de exportação de veículos com tecnologia sustentável”.

Convém registrar que o Projeto de Lei nº 528/2020, em tramitação no Congresso, deverá trazer avanços para o setor. Voltado para os “combustíveis do futuro”, cria programas nacionais de diesel verde, de biogás, de biometano e de combustível sustentável para a aviação.

“Esta proposta traz importantes mudanças para o país”, diz o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. “E o projeto estabelece metas progressivas para a redução das emissões de gases de efeito estufa nos voos domésticos, começando com uma redução de 1% em 2027 e aumentando gradativamente até 10% em 2037.”

Revista Exame

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