Com a migração em massa para os grandes centros urbanos – tendência mundial verificada nas últimas décadas – mais do que nunca a vida nas cidades requer a adoção de políticas e tecnologias que a tornem viável no longo prazo. Para falar sobre o assunto, dois especialistas e membros do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE), Cyro Boccuzzi e Raul Colcher, participam de um painel, patrocinado pela Futurecom 2016 e mediado pelo jornalista Paulo Eduardo Nogueira, editor da coluna Inteligência na revista Época Negócios, que será realizado no Transamérica Expo – São Paulo, no dia 17 de Outubro, entre 15h20 e 15h50, no Auditório Colômbia, e aberto a perguntas da plateia.
Um dos principais temas será o das redes inteligentes – as chamadas smart grids. Na avaliação de Cyro Boccuzzi, também CEO da consultoria ECOEE, “as redes inteligentes são a base fundamental da sociedade do século 21, uma vez que nada funciona sem energia: precisamos de um serviço confiável para manter segurança e conforto elementares, como pegar um elevador ou pagar uma conta com cartão de crédito. Empresas brasileiras vêm fazendo investimentos significativos na área de automação de subestações e redes e de tecnologia de comunicação e informação. E os consumidores brasileiros já começaram a adotar sistemas próprios de geração de energia, cujos preços estão caindo vertiginosamente no mercado internacional”.
Para Raul Colcher, CEO da consultoria Questera, “a implementação e uso de smart grids se encontram em fase inicial no Brasil, mas já existem investimentos privados representativos para o desenvolvimento e certificação de medidores inteligentes, que são dispositivos essenciais à viabilização das redes inteligentes de distribuição”. Porém, segundo aponta Boccuzzi, “ainda há a necessidade de regulamentar as tarifas inteligentes, que sinalizam adequadamente os custos de capacidade e congestionamento de redes. “Elas são a base de mudança do comportamento das pessoas para que haja o consumo consciente de energia; e, para sua implantação progressiva, as concessionárias ainda precisam fazer investimentos significativos, pois é preciso integrar essa geração distribuída ao seu sistema de forma eficiente. Ainda, haverá a necessidade de investimentos em medição inteligente”, ressalta.
Soluções eficientes
Outra tendência importante é a expansão dos Recursos de Energia Distribuídos (DER na sigla em inglês) – um tipo de tecnologia que consiste em fontes e suprimento de energia que tendem a ser menores que as fontes típicas já instaladas e normalmente são posicionadas perto dos centros de demanda – que frequentemente coincidem com os lugares onde se encontram os consumidores, inclui desde a eficiência energética, geração energética renovável e distribuída em pequena escala, até às microrredes, automação predial e gerenciamento de demanda. No caso do Brasil, Boccuzzi avalia que a regulamentação da microgeração distribuída, solar e fotovoltaica é relativamente recente e sua implantação foi desincentivada no período 2012/2014 pela redução artificial das tarifas. “Entretanto, com o aumento recente das contas de energia e a crescente competitividade de custos com outras fontes, já está ocorrendo uma crescente procura destas soluções. O governo brasileiro, por exemplo, lançou uma iniciativa denominada Pro-Dg que visa incentivar estas fontes e prevê mais de 1,2 milhão de instalações até 2030. Esta modalidade deverá também crescer significativamente no curto e médio prazo”, prevê Boccuzzi.
Para Colcher, “a incorporação de inteligência às redes e serviços de geração, transmissão e distribuição de energia tornou possível implementar diversas práticas de disseminação de recursos, envolvendo geradoras, distribuidoras e consumidores finais, corporativos e domésticos. A possibilidade do consumidor gerar sua própria energia é um avanço importante, sobretudo quando observado no contexto da melhoria e barateamento das tecnologias de geração de energia limpa, como a energia solar e a eólica. O progressivo desenvolvimento do mercado livre de energia é outro passo importante, mesmo considerando as dificuldades que ainda temos para sua plena viabilização e maturação”.
Melhoria da iluminação pública
Outro desafio do futuro urbano é fornecer iluminação pública eficiente para as cidades. Para Boccuzzi, o Brasil tem uma grande oportunidade de implementar iluminação a LED, tecnologia madura e com bom custo-benefício. Entretanto os municípios, legalmente responsáveis pela gestão e expansão do serviço de iluminação pública, enfrentam restrições orçamentárias e exigências de investimento em outras áreas, como saúde, transporte, segurança e educação. Além disso, as regras de contratação do serviço público são bastante morosas e complicadas. “A saída tem sido, cada vez mais, a busca de parceiros privados para a operação e modernização destes serviços que, em função de sua granulosidade e presença no meio urbano, têm a vocação natural de ser a porta de entrada para a conectividade, podendo, assim, viabilizar uma grande melhoria nos demais serviços públicos, como transporte, segurança, saúde e outros”, afirma.
E Colcher destaca um aspecto importante: “Quando se fala de iluminação pública, é importante ter em conta o papel que esses sistemas podem desempenhar no contexto das chamadas cidades inteligentes. O poste de iluminação, por ser um elemento de mobiliário urbano bem presente em todas as partes, também pode servir para ancorar sistemas vitais para a implementação de outras tecnologias essenciais, como, por exemplo, a de redes de acesso de dados (WiFi), postos de acesso à informação sobre transportes públicos ou difusão de câmeras de vídeo para monitoramento em centros de supervisão e controle e/ou apoio à segurança pública”.
PPPs e gestão pública
Boccuzzi defende a políticas das Parcerias Público-Privadas (PPPs) como um caminho para esse avanço. “As PPPs são a forma factível e objetiva para operacionalizar esta transformação, frente ao quadro atual, mas, por se tratarem de modalidade relativamente recente, poucas foram implementadas até o momento. Mas é uma tendência sem volta, em um país de dimensões continentais, orçamentos públicos reduzidos e com imenso potencial de melhoria de atendimento e modernização dos serviços”, observa. Colcher concorda: “Dadas as condições atuais da economia brasileira, as PPPs aparecem como os caminhos mais prováveis para viabilizar investimentos em projetos de melhoria de processos urbanos. No entanto, é sempre oportuno lembrar que o modelo de PPP requer, como condição básica de viabilidade, um grau mínimo de atratividade para o setor privado, o que impõe requisitos sobre a modelagem e implementação dessas soluções”.
Além das PPPs, Boccuzzi considera que, para modernizar as cidades brasileiras, há a necessidade de um trabalho conjunto entre as três esferas de poder: municipal, estadual e federal. “Ao governo federal cabe estabelecer diretrizes e linhas de incentivos para a criação de um ecossistema produtivo com políticas públicas coerentes de industrialização, capacitação, geração de emprego, financiamento e orientação. E isso já ocorre, envolvendo ações interministeriais”, destaca Boccuzzi.
Aos Estados, segundo ele, cabe fomentar a inovação em suas jurisdições e atuar na proposição de esforços para alavancar projetos economicamente sustentáveis de modo conjunto, que não seriam realizáveis de modo individual. Finalmente, aos municípios cabe identificar oportunidades, aderir aos programas e oportunidades anteriores e operacionalizar, colocar em prática a implementação das modernizações tecnológicas de modo a aprimorar seus serviços em beneficio aos cidadãos e sociedade como um todo.
O futuro das energias renováveis
Energias renováveis também são componente fundamental do futuro e, segundo Boccuzzi, o Brasil tem a mais bem-sucedida trajetória na área, possuindo a matriz elétrica mais limpa do mundo, construída à base de hidroeletricidade, além de também ter-se destacado em outras áreas de renováveis, como o álcool automotivo, a geração por biomassa, a energia eólica e mais recentemente a solar. “Certamente permaneceremos na vanguarda destas energias, por causa das dimensões e diversidades regionais do País e o extenso potencial existente para a sua exploração em base econômica”, prevê. O grande desafio dos próximos anos, porém, será rever o modelo econômico das concessões para integrar estas fontes distribuídas aos sistemas existentes. “Isso exigirá investimentos das companhias de distribuição e transmissão em sistemas de controles e equipamentos que preparem os sistemas atuais para a nova realidade, uma vez que foram projetados para operar de modo unidirecional. E o crescimento de pontos de injeção de renováveis no nível dos consumidores, de modo granular, trará a inevitável necessidade de gerenciamento dinâmico e situacional de fluxos de potencia e da carga, de modo harmonioso”, sugere Boccuzzi.