O potencial de matérias-primas para a produção de biocombustíveis foi o tema abordado pelo chefe-geral da Embrapa Agroenergia, Alexandre Alonso, no webinar “Biocombustíveis do Futuro”, realizado na sexta-feira (13), último dia da II Biodiesel Week.
Alonso falou da associação entre biocombustíveis e a agropecuária, e que o desenvolvimento de ambos os mercados não pode ser dissociado. “No Brasil, temos a sorte de ter uma agricultura e pecuária muito pujantes. E é justamente por isso que o País tem condições de ser líder na produção e uso de biocombustíveis”, afirmou.
Num segundo momento, o chefe-geral da Embrapa Agroenergia lembrou que o Brasil é um país de dimensões continentais com grande diversidade de matérias-primas. No tocante aos biocombustíveis, citou três categorias que podem ser consideradas na produção de biodiesel: as matérias-primas consolidadas, para as quais já existem pacotes tecnológicos e escala de produção (soja, algodão, palma de óleo e sebo bovino); as matérias-primas não-consolidadas (macaúba) e as matérias-primas residuais, um conjunto de óleos que, com a tecnologia adequada, podem ser utilizados para a produção de biocombustíveis.
“Os desafios são diferentes para cada uma dessas categorias. A gente prevê um cenário de competição por matéria-prima, seja por outras indústrias, como também eventualmente para o aumento da diversidade de biocombustíveis”, prevê Alexandre.
A solução proposta seria buscar aumento da produção e do volume global de matérias-primas, óleos e gorduras residuais, e aumento de produtividade. Para isso, Alonso lembrou que é necessário haver investimento em ciência e tecnologia. “A Embrapa tem adotado um mantra de que a agricultura brasileira é movida à ciência”, disse.
Em relação ao preço dos biocombustíveis, Alonso lembrou que o valor está atrelado ao preço da matéria-prima, e que por isso é preciso aumentar a produtividade. “Novas variedades, cultivares adaptadas ao clima, novos sistemas de produção, e também a produção de novos insumos, com tendência forte para o uso de bioinsumos”, disse.
Para finalizar, lembrou que todas as tecnologias de baixo carbono na agricultura vão ter impacto fundamental na produção. Ele citou como desafios a importância de aumentar a produtividade das matérias-primas consolidadas, o desenvolvimento de novas tecnologias, a diversificação de matérias-primas não-consolidadas e a busca de novas estratégias para aumentar a oferta e disponibilidade de matérias-primas.
“A Embrapa vem desenvolvendo diversas tecnologias com seus parceiros. Temos ainda um edital de inovação aberta que está neste momento aberto recebendo propostas de cocriação e codesenvolvimento de tecnologias”, finalizou.
Veja o que disseram os demais participantes do webinar:
Pietro Mendes – MME
O Diretor do Departamento de Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MM), Pietro Mendes, falou da governança do programa Combustível do Futuro e das ações executadas pelo grupo de trabalho responsável por analisar a inserção de biocombustíveis para uso no ciclo diesel, no âmbito da Política Energética Nacional, observando as diretrizes do RenovaBio.
“Entendemos que a bioenergia tem um papel muito importante na descarbonização da matriz energética de transporte, e é interesse da política energética nacional a inserção de biocombustíveis, em sentido amplo, no ciclo diesel”, disse.
Mendes enumerou as diretrizes seguidas pelo GT para tomar decisões, entre elas: o aumento de renováveis na matriz energética; Bioquerosene de aviação; Eficiência econômica; Biorrefinarias; Qualidade do ar; Créditos de descarbonização; Previsibilidade. “Estamos discutindo as alternativas de como vai se dar a inserção dos biocombustíveis no ciclo diesel”.
O diretor falou ainda do plano de ação para a inserção de BioQAV (Bioquerosene de aviação) no QAV (Combustível de aviação), e enumerou como desafios a ausência de um marco legal, de uma diretriz de política pública e, por fim, a reduzida disponibilidade de estudos detalhados sobre a viabilidade econômica do combustível de aviação.
Márcio Félix – CEO EnP Energy
O palestrante Márcio Félix falou sobre o conceito de sincretismo energético que, em síntese, seria harmonizar todas as soluções disponíveis e utilizar a diversidade de recursos disponível no Brasil. “Já somos bastante sustentável em relação aos países mais ricos, mas precisamos colocar na equação a questão de como vender essa imagem”, afirmou. Para Félix, as soluções não devem ser iguais para todo mundo. “O nosso desafio principal é integrar os consumidores nessa empreitada rumo ao futuro dos biocombustíveis”, disse.
Dep. Federal Arnaldo Jardim – Presidente da Frente Parlamentar de Economia Verde
O deputado federal Arnaldo Jardim afirmou que, entre as várias lições da pandemia de Covid-19, uma que “salta aos olhos” é a mudança na forma de produzir e consumir que, segundo ele, veio para ficar e se aprofundou neste momento com o conceito de sustentabilidade. “O anagrama mais repetido atualmente é ESG (Environmental, social and governance), e isso está determinando o comportamento das empresas, reflexo de uma participação cidadã e um desafio para as políticas públicas”, afirmou.
O deputado citou algumas políticas que já existem nesse sentido, como o RenovaBio, e falou da importância de se separar os desafios estruturais dos compromissos estratégicos na questão dos biocombustíveis.
Como segundo desafio, falou da reforma tributária e da necessidade de se defender o critério de externalidades/sustentabilidade no debate sobre a questão. O terceiro desafio citado por Arnaldo Jardim foi o da inovação, para o qual citou como exemplo o debate sobre a eletrificação do transporte. “Temos que ficar atentos para ter isso como horizonte muito bem definido”, disse.
Do ponto de vista do parlamento, o deputado falou das inúmeras frentes parlamentares como a Frente do Biodiesel, Biogás, Energia Renovável, todas com grande adesão no congresso. “A tese do biocombustível tem ampla e sólida adesão, na frente da competitividade, inovação e parlamentar. São temáticas que dialogam. Acho necessário retomar a ideia de que essas frentes tenham ação mais articulada e integrada em torno de alguns temas estratégicos para a questão do biocombustível”, disse.
Por fim, falou da importância de conquistar o apoio da sociedade. “O Brasil tem sido apresentado no cenário internacional como algoz do meio ambiente, e sabemos da matriz energética limpa que temos e de biocombustíveis com marca de sustentabilidade, da legislação ambiental mais completa e rigorosa do planeta, por isso acho que o Brasil precisa se apresentar como vanguarda da nova economia, economia de baixo carbono, economia verde, e é assim que temos que ir para o fórum mundial que vai tratar dos biocombustíveis e para a COP 26 em Glasgow”.
Rogério Benevides – Diretor da Anac
O diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), Rogério Benevides, falou do caráter internacional da aviação. Segundo ele, as regras ambientais são definidas no contexto nacional de cada país, seguindo metas internacionais. Benevides mencionou o consumo médio de 7 bilhões de litros de QAV anuais com 10% a 15% da população brasileira utilizando esse meio de transporte, podemos chegar a 15 bilhões de litros de QAV nos próximos cinco anos. “São números que não estão longe da realidade”, afirmou.
Sobre a questão ambiental, Benevides disse que é da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) a responsabilidade de desenvolver uma política específica para acompanhar o Acordo de Paris, que estabelece metas para a redução da emissão de CO2 na atmosfera. “Nessa questão ambiental, a OACI estabeleceu uma série de metas, mas em termos de política nacional cabe a cada país realizar seus ajustes e sua política. A aviação como ente econômico pode ser considerada uma commoditie, com protocolos que garantem a uniformidade de procedimentos e requisitos. Independente das questões de políticas ambientais locais, vamos caminhar para exigências comuns no mundo inteiro, que são a política que a OACI estabeleceu”, afirmou.
Entre as metas estabelecidas pela OACI estão, a partir de 2020, o crescimento neutro de carbono e zerar as emissões de carbono até 2045. “Ou produzimos o bioquerosene de aviação ou teremos que comprar créditos de carbono”, disse. “A busca por um combustível sustentável é inequívoca, é o caminho que temos”, concluiu, lembrando que a expectativa para o setor de aviação é de crescimento de número de passageiros embarcados e aumento das empresas atuantes no setor, uma garantia de consumo para o BioQAV.
“A descarbonização do setor é caminho sem volta e, na aviação toda, a decisão é principalmente internacional e será seguida à risca. Temos um mercado que, de maneira inequívoca, é consistente e vai dar consistência à produção em curto e médio prazo de BioQAV”, finalizou.
Amanda Gondim – Coordenadora da Rede Brasileira de Bioquerosene e Hidrocarbonetos Renováveis para Aviação – RBQAV
Para Amanda Gondim, a troca do combustível na aviação será obrigatória. Para isso, o ideal ,segundo a coordenadora, será trabalhar o contexto de biorrefinaria, com a geração de diversos produtos para o mercado além do bioquerosene, entre eles o diesel verde, nafta, propano, bunker para utilização em navios etc. “São processos caros e complexos, mas produzem inúmeros produtos para vários setores do transporte”, disse.
Outro desafio citado por ela é trabalhar diversos tipo de biomassa nos processos de produção de biocombustível, sendo que a preferência do setor de aviação será pelas biomassas residuais, por serem mais sustentáveis. “Hoje no mundo 80% da produção do BioQAV vem de óleos vegetais, mas buscamos os óleos residuais. A mamona para biodiesel não deu certo, mas a macaúba pode ser uma fonte de oleaginosa. No Brasil, a gente pode trabalhar com cada um desses processos de forma regional dependendo da biomassa disponível no local”, afirmou.
Amanda também afirmou que o ganho de escala pode resolver o problema do preço do produto e dos investimentos feitos pela Europa e EUA em biocombustíveis focados na transição energética, o que permitiu que hoje metade de todo o bioquerosene do mundo seja produzido nesses locais, sendo 25% na Europa e 25% nos EUA. “É um caminho sem volta “, finalizou.
Pedro Scorza – Comandante da GOL Linhas Aéreas e Diretor de Biocombustíveis de Aviação da Ubrabio
Scorza também falou do alinhamento da indústria de aviação às metas de carbono neutro, e que o grande desafio é de base tecnológica. Segundo ele, “vamos depender muito dos combustíveis sustentáveis na aviação”. Para ele, todas as biomassas e rotas tecnológicas devem ser aplicadas, a fim de atingir um volume de produção que atenda a necessidade da indústria. “Precisamos de uma política pública que consiga ponderar esses desafios e tenha robustez para o início do estabelecimento dessa indústria”. Embrapa Agroenergia