A presidente executiva da Associação Brasileira do Biogás (Abiogás), Renata Isfer, conversou com o Canal – Jornal da Bioenergia e relatou sobre as possibilidads de crescimento e os entraves do setor, em especial necessidade de adequações regulatórias.
O principal benefício do biogás e do biometano são serem fontes de energia e combustível com baixa pegada de carbono, uma vez que são produzidos a partir de resíduos, de modo que o carbono emitido na sua utilização é um carbono biogênico e que já foi absorvido da atmosfera durante a produção da biomassa.
Confira:
Canal – Jornal da Bioenergia: Qual a realidade atual do setor de biogás no brasil? A legislação brasileira atende as necessidades para a evolução da produção?
Renata Isfer: A ABiogás entende que para acontecer uma transformação setorial no país é necessário um ambiente favorável para o setor de biogás e biometano, com a criação de um arcabouço legal e regulatório que incentive a produção, comercialização e o consumo; financiamento de baixo custo para os produtores; cadeias de suprimento; qualificação de mão de obra; diálogo com as comunidades e precificação do carbono.
É necessário que as políticas considerem a neutralidade tecnológica, ou seja, que seja dada igualdade de condições de competição entre as fontes que podem entregar o que o sistema precisa.
Canal: Quais os entraves?
Renata: Podemos dizer que os principais entraves são: a falta de políticas públicas direcionadas para este setor; a necessidade de adequações regulatórias, uma vez algumas regulações não estão preparadas para a maior participação do biogás com os seus benefícios nos sistemas energéticos, a exemplo dos leilões de energia elétrica e das regulações estaduais de gás; a dificuldade de financiabilidade dos projetos em função da ausência de contratos de longo prazo; e a limitação da infraestrutura, especialmente de gasodutos de distribuição de gás, para conectar a oferta e a demanda de biometano.
Canal: Quais os números atuais da produção de biogás e biometano no País?
Renata: O Brasil conta com 885 plantas de biogás em operação, totalizando uma produção de cerca de 4,6 milhões de m³/dia.
Existem 487 plantas de biogás dedicadas a geração de energia elétrica, com uma capacidade instalada de 364 MW. Quanto ao biometano, existem seis plantas autorizadas pela ANP a comercializarem o biocombustível, com uma capacidade instalada total de 500 mil m³/dia. Além disso, outras 11 plantas estão atualmente em fase de construção e autorização pela ANP.
Canal: Quais os principais resíduos utilizados hoje no Brasil? E o mais subutilizado? Renata: Segundo o CIBiogás, em 2022, os resíduos agropecuários foram responsáveis por 77% do volume total produzido, seguido pelos resíduos industriais (12%) e saneamento
os resíduos do saneamento (resíduos sólidos urbanos e esgoto sanitário (resíduos sólidos urbanos e esgoto sanitário) (10%).
Destaca-se que os maiores potenciais de produção de biogás estão nos resíduos da cadeia agroindustrial (67%) e da pecuária (27%), enquanto os resíduos do saneamento respondem por 5% do potencial brasileiro, de acordo com os dados da ABiogás.
Canal: E especificamente do biometano. Quais avanços e futuras possibilidades de mercado?
Renata: A expectativa é que o setor continue crescendo nos próximos anos com a entrada em operação de 87 novas plantas de biometano até 2029, o que aumentará a capacidade de produção para cerca de 6,6 milhões de m³/dia. Essa expansão tem o potencial de gerar emprego e renda em diversas regiões do país, além de movimentar um investimento estimado em mais de 11 bilhões de reais.
O biometano é um combustível renovável que desempenha um papel crucial na transição energética do Brasil, visto que é equivalente e intercambiável com o gás natural e pode ser utilizado na descarbonização de setores considerados de difícil descarbonização, como a agropecuária, o transporte e indústrias como as de fertilizantes, aço, além de combustíveis marítimos e de aviação, entre outras indústrias químicas e de materiais. Além disso, pode ser utilizado na produção de hidrogênio renovável.
Canal: Quais os benefícios ambientais comprovados do biogás e do biometano?
Renata: O principal benefício é ser uma fonte de energia e combustível com baixa pegada de carbono, uma vez que é produzido a partir de resíduos, de modo que o carbono emitido na sua utilização é um carbono biogênico e que já foi absorvido da atmosfera durante a produção da biomassa. Ou seja, considerando o ciclo de vida do processo produtivo, o biogás e o biometano podem ter emissões negativas.
Nesse sentido, a utilização destes energéticos na cadeia produtiva promove a redução de emissões do processo ao substituir outras fontes. Também podem ser citados como benefícios a destinação correta de resíduos de forma que deixem de ser um passivo ambiental para se tornarem um ativo gerador de receita, a produção associada dos biofertilizantes, que retornam para a produção agrícola, a produção de CO2 que também pode ser empregado na cadeia agropecuária, e a redução da dependência dos combustíveis fósseis.
Canal: Qual a importância dos créditos de carbono e o papel do biogás no mercado?
Renata:Os créditos de carbono são ativos que comprovam a redução de emissões, e que tem o papel de valorizar e remunerar os atributos ambientais. São instrumentos de grande importância para a viabilização de projetos e para promover a transição para uma economia de baixo carbono. Projetos de aproveitamento de biogás são importantes geradores de créditos de carbono, em função de todos os seus benefícios ambientais.
Canal: Qual o potencial do biogás na produção de energia elétrica no Brasil?
Renata: A ABiogás trabalha com a equivalência de 10 mil m³ de biogás para cada MW de capacidade instalada de energia elétrica.
De acordo com levantamento da ABiogás, os resíduos produzidos atualmente têm um potencial de ser convertido numa capacidade instalada de 19 GW para geração de energia elétrica, o que equivale a juntas as usinas de Itaipu e mais da metade de Tucuruí.
Quando observada a geração dessas usinas, o potencial do biogás seria equivalente a 2 vezes a geração destas usinas juntas no ano de 2022, apurados pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Canal: Pegada de Carbono. Qual a participação do biogás em cenário no qual a pegada de carbono vem crescendo em todo o mundo, a partir da conscientização e do surgimento de novas maneiras de mitigar os efeitos das emissões de gases do efeito estufa na atmosfera?
Renata: A emissão de gases causadores do efeito estufa para geração de energia elétrica a partir do biogás pode chegar a ser 65% menor quando comparado ao gás natural. Essa redução pode chegar a mais de 80% quando comparado ao diesel, segundo metodologia e fatores de emissão apresentados pela EPE para 2022 em comparação ao guia de inventário de emissões do IPCC.
Quando se observa o comportamento de emissão desses gases pelo uso do biometano em relação ao diesel, a redução pode chegar a mais de 90%, segundo os dados padrão da calculadora do RenovaBio. Vale lembrar que essa comparação é feita com base no valor de referência e que algumas plantas podem apresentar resultados ainda mais eficientes.
Em função dessa capacidade de promover a descarbonização, o biogás se insere de forma estratégica nas necessidades de indústrias com maiores dificuldades de alternativas de descarbonização, como as de fertilizantes, hidrogênio, metanol, aço, entre outras, bem como os setores agropecuário e de transportes. O biogás é estratégico para promover a descarbonização dessas cadeias, aproveitando que é uma fonte madura, com tecnologia consolidada e com enorme disponibilidade.
Cejane Pupulin-Canal-Jornal da Bioenergia