Cicero Bley foi superintendente de Energias Renováveis da Itaipu Binacional, presidente do Centro Internacional de Energias Renováveis – Biogás (CIBiogás) e é representante do Brasil na International Energy Agency – Task Force Biogas. Engenheiro agrônomo graduado pela Universidade Federal do Paraná, Bley é consultor em Meio Ambiente e autor do livro “Biogás – a Energia Invisível”.
Quais são os principais desafios da ABiogás este ano?
A ABiogás, fundada em 2013, tem movimentado intensamente o setor e uma das razões para isto é o planejamento estratégico elaborado pelos seus associados e que vem sendo colocado em prática pelo Conselho de Administração. Isso faz com que a entidade siga com novos projetos de referência, dialogando com a indústria de base de máquinas, equipamentos e processos, mas sem descuidar de manter o foco também nas ações junto ao setor de público. Temos agendas intensas nas agências reguladoras ANEEL, ANP e EPE, além de muitas tratativas com o Ministério de Minas e Energia e ainda as empresas estaduais de gás e distribuidoras de energia elétrica. Este plano estratégico amadureceu de tal forma que desde 2015 desenvolvemos com participação de todos os associados, uma proposta de Programa Nacional do Biogás e Biometano – PNBB, no qual sintetizamos todos os fatores que de uma maneira ou outra, impedem a evolução do biogás no Brasil. Entregamos para todas as instituições públicas e empresariais correlacionadas com o tema biogás. Esta será também a base dos nossos trabalhos em 2017.
Quais as reais potencialidades do uso do biogás no Brasil?
A ABiogás trabalha com a estimativa de que são desperdiçados no Brasil 71 milhões de metros cúbicos de biometano, sendo 50 milhões m3 no setor sucroenergético, 15 milhões m3 no setor de alimentos e 6 milhões m3 na área de saneamento. Isso equivale ao consumo de 44% do diesel ou 73% do gás natural consumidos no país.
Há que se considerar também que o biogás ocorre em situação descentralizada, com grande impacto positivo na economia local e regional. Isso é positivo demais, porque não há necessidade de investimentos em redes de transmissão, transporte ou de distribuição. Outro aspecto importante é que o biogás é produzido com a digestão anaeróbica de resíduos orgânicos de qualquer origem, que, de forma organizada são submetidos como substratos para processos de biodigestão anaeróbica. Além do biogás, esse processo produz biofertilizante, promovendo a sustentabilidade ambiental de diversas atividades econômicas estratégicas para o modelo brasileiro. O biogás é um combustível gasoso utilizado também na geração de energia elétrica, térmica ou automotiva, que geradas com biogás reduzem emissões de gases do efeito estufa, notórios agentes do aquecimento global. No caso da energia elétrica é importante destacar que a geração com biogás é considerada energia elétrica de base, ou seja, contínua, ao contrário de outras energias renováveis, que são intermitentes. As centrais termoelétricas a biogás, quando têm disponibilidade excedente de biogás podem se transformar em centrais flex, produzindo biometano para uso como combustível na mobilidade urbana e rural.
Haverá aumento de investimento em 2017 neste segmento?
No mundo todo há uma transição profunda da matriz energética, com os combustíveis líquidos, dando lugar aos combustíveis gasosos e ainda com os combustíveis fósseis dando lugar aos combustíveis renováveis. Os combustíveis líquidos e de origem fóssil são os primeiros a serem substituídos devidos aos efeitos danosos proporcionados por sua queima e consequente geração de emissões de gases do efeito estufa.
O Brasil acompanhará esta tendência mundial, porque existem ganhos econômicos expressivos com o uso dos combustíveis gasosos. No saneamento básico, com a possibilidade de biodigestão de esgotos e resíduos orgânicos, introduz-se nas cidades um novo recurso público através do uso do biogás. Certamente, em 2017 haverá novos investimentos em biogás
Quais seriam os próximos passos para alavancar o mercado? E qual a importância das políticas públicas para isso?
No final de 2016, o Ministério de Minas e Energia lançou dois Programas de Políticas de Estado que envolvem diretamente o biogás. São os Programas RenovaBio e Gás para Crescer. O RenovaBio tem como propósito alavancar a produção de etanol, biodiesel e biogás, com alcance na redução de emissões de gases do efeito estufa, para que o país possa cumprir as metas de redução desses gases, com as quais se comprometeu na COP21 em Paris/2015 e ratificou na COP 22 em Marraquesch/2016.
Estima-se que o potencial de redução das emissões do biogás/biometano, considerando a substituição de 44% do diesel por biometano, podem resultar na redução dos atuais 213.309 GgCO2e para 55.792 GgCO2e, ou uma redução de 74%.
A pegada de carbono do biometano no setor de produção de alimentos é inferior a -50.000 GgCO2e, seguido pelo setor sucroenergético, de -10.849 GgCO2e e o setor de saneamento, de 4.893 GgCO2e que, apesar de positiva, é 46% menor do que a do diesel. Considerando que o Brasil comprometeu-se a reduzir as emissões de GEEs em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025, com contribuição indicativa subsequente de reduzi-los 43% abaixo dos níveis de 2005, em 2030, a simples substituição de 44% do diesel consumido por biometano significa uma contribuição de quase 20% com esta meta.
Canal-Jornal da Bioenergia