Guy de Capdeville é chefe-geral da Embrapa Agroenergia. Possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Viçosa (1992), mestrado profissionalizante em proteção de plantas (1995) pela UFV, mestrado "stricto sensu" em Fitopatologia pela Universidade Federal de Viçosa (1996), doutorado em Plant Pathology – Cornell University – USA (2001) e pós-doutorado em citogenética vegetal – Wageningen University – Holanda (2008). Atualmente é Pesquisador A da Embrapa Agroenergia. Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Fitopatologia, atuando principalmente nos seguintes temas: Interação patógenos x hospedeiros em nível molecular e ultraestrutural, Citogenética vegetal (mapeamento físico de genes em cromossomos meióticos), além do desenvolvimento de técnicas de microscopia de luz e eletrônica para apoio à caracterização funcional de genes. Foi Chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Agroenergia de 2011 a 2016, quando assumiu a chefia geral deste Centro de Pesquisa.
Canal:Em quais estudos a Embrapa tem se dedicado no que diz respeito a biocombustíveis?
Guy: A Embrapa como um todo vem desenvolvendo diversas ações para aumentar a competitividade dos bicombustíveis por meio da inovação. De modo geral, a matéria-prima representa 60% da produção do custo de produção de biocombustíveis e a Embrapa vem trabalhando forte no desenvolvimento de cultivares e na adaptação de sistema de produção para produção de matéria-prima nas diversas regiões do Brasil, seja para atender o mercado de etanol, biodiesel ou de um futuro bioquerosene de aviação. Temos desenvolvido processos para dar suporte a inovação nas usinas, transformando o formato atual de biorrefinarias para um modelo moderno que permita trabalhar múltiplas matérias-primas, múltiplos processos e produção de múltiplos produtos com diferentes classes de valor agregado. Isto irá aumentar a competitividade dos biocombustíveis no Brasil, bem como, abastecer a demanda cada vez maior de produtos verdes ou bioprodutos para atender ao mercado crescente da bioeconomia.
Além das pesquisas, a Embrapa vem fazendo um trabalho forte buscando aumentar a efetividade na transferência de tecnologias para o setor de biocombustíveis em ações de apoio a políticas públicas. O Renovacalc, ferramenta para comprovação do desempenho ambiental de usinas de biocombustíveis, é o exemplo de um trabalho de pesquisa gerando inovação no setor por meio da política pública que gerou o Renovabio.
Canal:Quais os principais avanços? Quando eles devem estar disponíveis no mercado?
Guy: O Renovacalc é o exemplo mais recente de uma tecnologia da Embrapa gerando inovação para o setor de biocombustíveis no Brasil. Além desta tecnologia, a Embrapa transfere anualmente novas variedades de diversas matérias-primas que vem sendo usadas na produção de biocombustíveis no Brasil, como a soja, algodão, canola, dendê, cana-de-açúcar, milho, sorgo sacarino, entre outras. Para maximizar o potencial genético destas variedades, a rede Embrapa desenvolve sistemas de cultivos para as diferentes regiões brasileiras, o que permite maior produtividade de óleo e açúcar/amido, que são usadas na produção de biodiesel e etanol. Estas tecnologias são transferidas aos produtores que por meio da adoção geram inovações nos cultivos.
Canal:Como a Embrapa avalia o desenvolvimento dos biocombustíveis no Brasil?
Guy: O etanol é uma commodity muito importante para o país, não somente pelo seu uso em mistura na gasolina, mas principalmente por ser um combustível ambientalmente e economicamente sustentável. O Brasil é o segundo maior produtor mundial, atrás somente dos Estados Unidos, e tem tudo para ser o maior produtor mundial. O etanol brasileiro possui características que o tornam imbatível como combustível sustentável. O balanço de energia da cana-de-açúcar como matéria-prima para a produção desse biocombustível, já calculado por inúmeras instituições, põe o etanol no topo dos combustíveis sustentáveis ambientalmente e economicamente.
No Brasil, o desafio não está no combustível em si, mas na necessidade de apoiar e fortalecer o setor sucroenergético ajudando-o, inclusive, a ampliar o mercado externo deste combustível para que o país se torne um importante “player” no cenário mundial. Outros desafios, como a infraestrutura de armazenamento, financiamentos adequados para a renovação dos canaviais e ampliação da área plantada, diversificação de matérias-primas, são importantes para o etanol continue a crescer no país.
O biodiesel é outro biocombustível com grande potencial no Brasil. Temos hoje uma produção do biocombustível menor que a capacidade instalada (as usinas já instaladas podem produzir uma quantidade maior que a demanda atual), o que já permite a expansão da produção com um mínimo de investimento. Para que este setor cresça, os desafios são semelhantes ao do etanol, principalmente no que se refere a diversificação de matérias-primas. Se queremos ampliar a mistura de biodiesel no diesel para patamares superiores a 15%, será preciso criar oportunidades econômicas para que o esmagamento da soja seja feito no Brasil e deixe de exportar soja em grão (atualmente cerca de 60% da produção de soja é exportada em grão) e/ou diversificar a produção de oleaginosas no país.Apenas a soja possui escala suficiente para atender a demanda da produção de biodiesel, porém existe uma série de oleaginosas no Brasil cuja área de plantio pode ser ampliada para atender essa demanda.Em conclusão, ambos os setores apresentam grande potencial de expansão no país e o Brasil tem tudo favorável para se tornar o maior produtor mundial de biocombustíveis.
Canal:Os biocombustíveis são a aposta do futuro? Eles devem substituir os combustíveis de origem fóssil?
Guy: Os biocombustíveis podem ser considerados como opções tecnológicas para aqueles países que tem condições de adotá-los. Aqui no Brasil não existe competição entre alimentos e biocombustíveis, porém esta não é uma realidade para outros países. O Brasil é um dos países no mundo com maior potencial para a expansão da produção de biocombustíveis, isto porque temos clima favorável ao crescimento das plantas durante quase todo ano, uma das maiores reservas de água doce do mundo e área de expansão agrícola suficiente para ser usada no aumento da produção de matérias-primas para energia e alimentação.
Os biocombustíveis devem ser considerados como mais uma das fontes de energia renovável que o país pode produzir. É muito difícil imaginar que eles irão substituir diretamente toda a energia de origem fóssil, porém é interessante e desejável que o etanol, biodiesel e o futuro bioquerosene tenham uma participação cada vez maior na matriz energética nacional. Para garantir que o potencial do Brasil se torne realidade, além do aumento da participação de biocombustíveis, precisamos trabalhar um conjunto de ações que abordem questões fiscais, mercadológicas, de infraestrutura, logística e armazenamento, bem como, de ciência e tecnologia. Para podermos avançar com maior eficiência, a pesquisa e inovação é fundamental para ampliar a competitividade do setor. Não podemos deixar essa conta apenas para o governo, pois são cruciais as parcerias público-privadas e os investimentos do setor privado para aumentar a produção de biocombustíveis no Brasil.
Canal: Levando-se em conta o meio ambiente, o Brasil é privilegiado na produção de renováveis?
Guy: Os biocombustíveis têm grande importância econômica, social e ambiental para o país. O aumento da participação de bicombustíveis, desta forma, terá impacto direto no desenvolvimento econômico do país, na geração de emprego e renda e na mitigação dos gases de efeito estufa. Durante a 21ª conferência das partes ou COP21, o Brasil apresentou seu NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada), com o compromisso de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% em 2025, abaixo dos níveis de 2005 e, uma contribuição subsequente de reduzir as emissões em 43% em 2030. De acordo com as projeções atuais, podemos dizer que o Brasil está bem encaminhado para atender a estas metas. Porém, além das metas de redução de emissão, o Brasil apresentou em seu NDC um conjunto de seis medidas adicionais para conter o aumento da temperatura média global abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais. Dentre as medidas a serem adotadas, uma delas refere-se a aumentar a participação de biocombustíveis sustentáveis na matriz energética brasileira. Para atingir esta contribuição, o setor de biocombustíveis (desconsiderando a cogeração) tem um grande desafio pela frente, que pode ser reconhecido também, como grandes oportunidades de crescimento para o setor.
Os combustíveis de origem fóssil têm sido apontados como os principais responsáveis e causadores do efeito estufa e, consequentemente, do aquecimento global. Portanto, substituir parte dos combustíveis fósseis por biocombustíveis contribui para melhorar as condições ambientais. Além disso, o aumento do uso de biocombustíveis em grandes centros, por exemplo, melhora a qualidade do ar e consequentemente, a saúde da população. Em termos econômicos, o uso de biocombustíveis diminui a dependência do mercado externo do petróleo, além da possibilidade do Brasil se destacar como um exportador de biocombustíveis. São inúmeros os benefícios do aumento da participação de biocombustíveis e outras fontes de energias renováveis na matriz energética brasileira.
Ana Flávia Marinho-Canal-Jornal da Bioenergia