Mais uma safra dedicada ao etanol
Murilo Fontanetti Aguiar é formado em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e atua como Consultor Sênior em Gerenciamento de Risco – Açúcar & Etanol na INTL FCStone, empresa que está no Brasil desde 2005, sendo a pioneira no mercado de gerenciamento do risco no país, com experiência e uma vasta carteira de clientes em todos os elos do agronegócio brasileiro: produtores rurais, produtores e revendedores de insumos, usinas de processamento de matéria-prima, corretoras de commodities, cooperativas e outras.
Canal: Como o Brasil deve fazer para manter-se na liderança do setor sucroenergético mundial, seja em termos de produção como em tecnologia agrícola e industrial de açúcar, etanol e bioeletricidade?
Murilo Aguiar: Como muitos sabem, o Brasil é líder na exportação de açúcar. Para se mensurar, o país deve exportar quase 18 milhões de toneladas de açúcar nessa safra 2019/20, que finda em no próximo mês de março, já a Tailândia – o segundo maior exportador mundial – tem um número bem abaixo e não atinge a metade do volume brasileiro. Existe no país um forte predomínio da exportação, contudo, nos últimos dois anos reduzimos consideravelmente a produção de açúcar devido aos preços e a melhor remuneração do etanol. Com isso, o mercado mundial entrou em um ciclo superavitário favorecendo no aumento da relação estoque/uso.
Os preços baixos desincentivaram muito a produção interna do produto, fazendo uma alteração no mix da safra, com a produção do ATR das usinas voltado para o etanol. Tanto é que em 2018, o país bateu recorde de mix dedicado para o etanol, com um volume de quase 65%. Para a safra recente, que ainda está em finalização, tal número deve ser superado e se classificar como o recorde de mix percentual etanoleiro.
Esses pontos influenciaram muito a redução da produção de açúcar, o Brasil foi até ultrapassado pela Índia – que teve duas últimas ótimas safras, que foram recordes, só que como é um grande consumidor do produto, o excedente para a exportação é menos significativo, porém importantíssimo para a análise de mercado, dado que o país possui grande oscilação de produção. Então, nesse sentido, o Brasil não é ameaçado.
Já em relação ao etanol, grande parte que é produzida é para consumo interno. Dependendo da janela de importação e exportação o produto é comercializado- seja para compra ou venda – com os Estados Unidos e para outros países que tem negociação com biocombustíveis – mas ainda é bem ínfima. Porém, em relação aos Estados Unidos – que é o principal produtor de etanol – a nossa produção ainda é baixa.
Entretanto, o Brasil lidera os termos de tecnologia agrícola e industrial, mas ainda são necessários mais investimentos para a evolução. O setor teve anos bem turbulentos. As usinas estão com melhores oportunidades e o etanol surpreendeu bastante em 2019, com preços bem sustentados, e isso deve trazer mais investimento, seja na área agrícola, como na industrial. Devido aos bons preços e uma projeção positiva, algumas usinas aumentaram os investimentos na produção de etanol. Para 2020, a recente valorização do açúcar já traz remuneração muito interessante ao produtor, o que poderá ocasionar retorno do mix para o açúcar, conforme previmos ao final de setembro.
Canal: E a guerra contra o açúcar por meio de políticas protecionistas?
Murilo: Realmente é um ponto muito importante para o mercado. Há muito países que adotam subsídios governamentais, caso da Índia e a China, que possui tarifas que fecham o mercado de importação. O Paquistão é outro país que trabalha com subsídio; a Tailândia tem sistema de cotas de exportação de açúcar. Enfim, são países com uma alta significância no mercado, tornando a margem de lucro do açúcar para o produtor local com oportunidades de curto prazo. Isso é, quando o açúcar começa a remunerar muito bem em custo de produção e a curva remunera em torno de 30 a 40% deste custo há um incentivo para a produção de açúcar, ocasionando uma retomada da oferta e pressão nos preços futuros – a depender da cotação da moeda destes países, da ação climática, do plantio, entre outros-, dado uma retomada no superávit mundial no ano posterior. É o ciclo das commodities, em que se oscila entre déficit e superávit – ditado pelo preço.
O Brasil tem atacado há algum tempo essas políticas protecionistas externas. Em 2019, por exemplo, tivemos muitas ações do país em conjunto com a Austrália e com países da América Central em relação a essas tarifas de importação chinesas que foram impostas deste maio de 2017. Ocorreu na China um aumento da tarifa de importação, saindo de 50% para 85% atualmente, dificultando a entrada do açúcar brasileiro. Por isso, o Brasil protocolou junto à Organização Mundial de Comércio (OMC) defesas para que a China retire essas taxas, dado que não se efetiva uma livre concorrência no mercado. O país asiático não se comprometeu a reduzir oficialmente, mas afirmou que até o próximo mês de maio resolveria a situação, retornando as para 50%.
Apesar de ainda ter uma cobrança, essa redução ajudaria muito o mercado por que pode trazer um aumento na importação chinesa de açúcar e essa nova demanda permite uma sustentação para o preço. O mercado já olha essa situação como uma perspectiva, mas têm outros fatores que já impactam, como a redução de ofertas e visões deficitárias do próximo ciclo.
O Brasil tem que se fazer atuante nesta guerra para defender a produção e as margens das usinas locais, dado que em termo de subsídios governamentais, somos um dos países que menos coloca auxílio para o produtor.
Canal: O que deve ser feito em relação ao etanol?
Murilo: Teremos uma safra bem etanoleira, foi nível recorde em relação a 2018/2019, que fechamos com 64,8% do mix voltado para o biocombustível. Para a safra 2019/2020, que fechamos no próximo mês de março, o mix de etanol já está acima de 65% e a perspectiva que fecha em até 65,8. Geralmente o fim de safra é bem etanoleiro, pois a produção de açúcar fica prejudicada pelas chuvas e pelas paradas das usinas que se voltam para a produção de biocombustível. Há uma visão bem otimista, porém dado à recuperação dos preços do açúcar, o mix do etanol deve reduzir para 62,6% para a safra que vem (2020/21) e, consequentemente, a produção de açúcar aumentar para 28,5 milhões de toneladas – a depender da cana disponível para moagem e ATR.
Canal: Vivemos um ano de 2019 com o etanol dominando a produção das unidades. Essa tendência deverá repetir em 2020 também por conta do excedente de oferta mundial do açúcar? A queda gradativa do consumo e a ampliação da concorrência não farão o setor migrar de vez para o mix mais alcooleiro?
Murilo: O excedente de oferta de açúcar nos últimos dois anos foram um dos pontos que pressionaram muito a remuneração para baixo do produto. Porém, o mercado aponta para 2020 com um déficit, na nossa visão, de 7,7 milhões de toneladas de açúcar.
Assim, com essa perspectiva de redução de oferta em importantes países -como na Índia – e atraso de safra há uma valorização do açúcar por conta de um déficit de produto e, não mais um excedente de oferta mundial, por isso, mesmo com o dólar alto, o açúcar está em alta na bolsa de valores.
O açúcar permite travas muito boas para 2020, remunerando numa equivalência de etanol o equivalente entre R$ 2,30 e R$ 2,40 (dependendo do mês). Desse modo, o hedge de preços traz ótima remuneração para a usina, garantindo uma receita futura, que para o caso do etanol, em especial em pico de safra, tende a sofre por pressão vendedora e não apresenta a mesma eficácia de operações de hedge como o açúcar por falta de liquidez do produto na B3. Uma visão bem positiva ao etanol viria caso ocorre-se forte valorização a valorização da commoditie petróleo em bolsa, contudo patamares vistos como acima de U$ 65/barril podem incentivar maior exploração de xisto nos Estados Unidos, sinalizando maior oferta do produto.
Contudo, se tivermos um preço do petróleo fortalecido em reais em 2020 e a Petrobras continuar repassando essa valorização para o mercado interno – o que pode ameaçar a inflação – e realmente o etanol atinge um tom bem promissor. Porém, a insegurança jurídica a respeito da política de preço da Petrobras traz uma grande incerteza. Por isso, temos a perspectiva de um mix na próxima de safra um pouco virando para o açúcar, mas ainda com uma forte predominância do etanol (vide consumo nas bombas de combustíveis bem fortalecido em 2019).
Muitos produtores, que trabalham com a gestão de risco bem aplicada, já olham os preços para a safra brasileira 2020/2021 e 2021/2022 por que traz uma remuneração que pague até mais de 30 e 40% de margem de lucro bruto em relação ao açúcar VHP.
Em resumo, ainda deve ter uma briga entre esses dois produtos: açúcar e etanol. O primeiro deve roubar um espaço do etanol, mas ainda ele terá uma predominância. Em sua primeira projeção para o final de safra 2020/2021 a INTL FCStone estima um mix etanoleiro de 62,6%, trazendo um espaço maior para a produção de açúcar, dado que o mundo terá um déficit do produto e, consequentemente, uma demanda mais firme, que traz reflexos para preços mais altos.
Para a safra 20/21 do Centro-Sul brasileiro nosso benchmark já aponta 41,6% do açúcar travado em operações financeiras de hedge. Este número é acima dos 30,2% da safra 19/20 no mesmo momento de análise. O pessoal está aproveitando os bons preços do açúcar em reais e avançando na formação de preço, garantindo valores interessantes que podem impactar em um direcionamento na safra que vem favorável ao açúcar.
Canal: E a safra atual? Quais as expectativas finais?
Murilo: Temos algumas surpresas. Tivemos chuvas bem intensas após o mês de novembro, já parando algumas unidades, tanto é que até final de novembro tivemos a parada de 196 unidades, sendo que na mesma data de 2018, eram 137, ou seja, a parada de safra de 2019 foi mais intensa. Só que o surpreendente é, que apesar da moagem não ter subido muito, o ATR foi o destaque. Até 1º de janeiro, já tinha acumulado 139,20 quilos de ATR por tonelada – número superior aos 138,58 quilos de 2018 (valor que já vinha forte frente às safras anteriores). Esse dado é significativo porque representa um aumento na produção de açúcar e etanol. Assim, a expectativa é que possa surgir um pouco mais de produtos do que se inicialmente se previa. A grande oscilação não está na moagem, mas sim na taxa de ATR.
Canal: E o etanol de milho. Hoje quantas usinas produzem este produto em solo brasileiro? Há perspectivas de ampliação?
Murilo: É uma nova fronteira. O setor está em desenvolvimento com novos investimentos e plantas. O projetado incialmente para a safra 2019/2020 é de 1,2 bilhão de litros de etanol de milho – valor que deve ser superado na conclusão da safra -, um forte crescimento frente à safra anterior, cuja produção foi de 0,8 bi de litros, já na 2017/2018 chegou a 0,52 bi de litros. Há um crescente forte, até porque o Brasil é um exportador do grão e temos safra e safrinha de milho em algumas regiões. A produção de etanol de milho faz mais sentido nos Estados de Mato Grosso e Goiás, onde vemos os grandes investimentos sendo realizados.
No Centro-Sul do país contamos com aproximadamente 12 unidades, algumas com projeção para começar nos próximos meses, mas já são investimentos realizados e capacidades já instaladas. Existe uma perspectiva de ampliação deste produto, tanto é que na nossa estimativa para a safra 2020/2021 é de 1,8 ou até 2 bilhões de litros.
Canal: Qual a vantagem do etanol produzido do cereal em relação ao da cana?
Murilo: Depende da unidade, não apenas do Estado, mas também da microrregião. O ponto principal é que o etanol de milho gera o óleo e o DDG como subprodutos – esse último utilizado para consumo animal em confinamentos. Assim, se a receita dos subprodutos for adicionada ao faturamento, o milho tem um custo menor do que a de cana, porém com uma produtividade inferior. Depende, portanto, muito da unidade e local.
Já em relação a uma usina tradicional, pode-se diluir um pouco os custos investindo em uma unidade flex para a entressafra. O milho é abundante em Mato Grosso, Goiás e em algumas regiões de Minas Gerais e possui fácil condição de estocagem. Bem diferentemente da cana, que precisa ser processada logo após ser colhida.
Basta essa usina construir silos para o armazenamento do grão para aproveitar os vales de preços do mercado, trazendo uma grande vantagem para a unidade em termos de estratégia e geração de receita em um período que tradicionalmente a unidade está parada – sem receita e com custos de manutenção.
Canal: O senhor acredita que veremos no Brasil usinas com produção exclusiva de etanol de milho? Por quê?
Murilo: Já temos algumas unidades com essa produção exclusiva. Isso ocorre dependendo da região, em especial no Mato Grosso, que possui uma oferta gigantesca de milho. E construir uma planta exclusiva para isso nesse estado tem o beneficio da oferta, só que por ventura tem a dificuldade da venda do etanol, que pode ser a exportação para países vizinhos ou via transferência para outros estados brasileiros.
Mas pensando em um horizonte de longíssimo prazo, o mundo tem que aderir mais ao uso dos biocombustíveis e o etanol, de uma maneira geral, veio pra ficar.
Canal: O RenovaBio é vital para o setor? Por quê?
Murilo: Ainda há algumas dúvidas de implantação e de funcionamento, mas o RenovaBio, com a sua meta de descarbonização, estrutura um consumo de etanol muito grande, que hoje já é suprida pela atual produção, mas que até 2030 pode trazer um grande incentivo para a produção de etanol no Brasil, em números bem acima dos atuais. Se o programa for mantido a longo prazo, deve trazer segurança de investimentos e de mercado, sendo um exemplo pro mundo. O Brasil aponta-se como exemplo da descarbonização dos combustíveis, assunto tão discutido internacionalmente.
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