Entrevista/Adriano Pires- Diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura

O Sócio-fundador e Diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires é Doutor em Economia Industrial pela Universidade Paris XIII. Publica artigos em jornais e revistas de grande circulação e dá palestras para as principais empresas nacionais e estrangeiras ligadas ao setor de infraestrutura além de bancos e outras entidades do setor financeiro.  Ele foi, entre os anos de 1983 e 2009, Professor Adjunto do Programa de Planejamento Energético (COPPE/UFRJ). Em 2001, foi Assessor da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Atuou como Superintendente de Abastecimento da ANP e foi Superintendente de Importação e Exportação de Petróleo, seus Derivados e Gás Natural.

Canal:  A produção de energia renovável no país aumentou muito se comparada com outras fontes – petróleo, gás natural e hídrica. O que motivou esse crescimento?

De acordo com Balanço Energético Nacional 2015 a geração de energia elétrica em 2014, cresceu 19,6 terawatt-hora (TWh), um crescimento de 3% em relação ao ano anterior. Ao considerar somente em termos absolutos, o gás natural foi o que maior contribuiu para esse crescimento, seguido pelo óleo combustível e a energia eólica. Já em termos relativos, a eólica e outras renováveis (inclui solar) tiveram o maior crescimento, 86% e 84%, respectivamente.

Em um espectro de 10 anos, de 2004 até 2014, a fonte que mais cresceu em termos absolutos na geração de eletricidade foi o gás natural, seguido pela hidroeletricidade e bagaço de cana. Em termos relativos, a fonte eólica teve maior crescimento, 19.917%, comparando 2014 a 2004, seguida pelo óleo combustível, 528%, e pelo bagaço de cana, 364%.

Os elevados números das fontes não renováveis, como gás natural e óleo combustível, são reflexos da maior necessidade de acionamento térmico desde 2013. O maior despacho térmico foi necessário para garantir o fornecimento de energia e para que as hidroelétricas pudessem recompor seus reservatórios durantes os últimos anos de baixa hidrologia.

Colocando de lado a maior necessidade da geração termoelétrica nos últimos anos,  a geração por fontes renováveis, excluindo a hidráulica, teve um crescimento expressivo e contínuo. Isso se deve principalmente aos incentivos concedidos a elas. Por exemplo, no caso das eólicas, o governo federal utilizou o imposto de importação para promover seu desenvolvimento. Além disso, a concessão de incentivos fiscais, como ICMS, PIS/COFINS e PASEP, também favoreceu a fonte eólica, concedendo-lhe competitividade.

A energia solar fotovoltaica também foi incentivada por meio de políticas de incentivos tarifários, como isenção de impostos e formas de financiamento diferenciadas. Em 2012, as usinas solares com até 30 MW receberam isenção de 80% nas tarifas de transmissão (TUST) e distribuição (TUSD). Esse incentivo fiscal é válido para os primeiros dez anos de operação, sofrendo redução para 50% após esse período.

Esses são alguns exemplos de políticas de incentivos as fontes renováveis nos últimos anos. Além disso, as fontes participaram do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) criado em 2004, com o objetivo de aumentar a participação da energia elétrica produzida por empreendimentos concebidos com base em fontes eólicas, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas (PCH).

Além do setor elétrico, os biocombustíveis também contaram com incentivos que ajudaram a ampliar sua presença. Por exemplo, para o setor sucroenergético, o governo do estado de São Paulo assinou dois decretos, em 2011, Decreto nº 57.145 e o Decreto nº 57.142, reduzindo a carga tributária de equipamentos para as usinas de açúcar e álcool.

Canal: O senhor acredita que essa velocidade de desenvolvimento permanecerá intensa para os próximos anos?

O crescimento das fontes renováveis deve continuar nos próximos anos, seguindo a tendência mundial. Os países estão cada vez mais substituindo fontes tradicionais para geração de eletricidade por fontes alternativas e renováveis. Os EUA, por exemplo, no final de 2015 votou o Projeto de Lei Orçamentária para 2016 (Consolidated Appropriations Act, 2016), que continha duas questões importantes para o setor energético: a suspensão da proibição das exportações de petróleo, que perdurou por cerca de 40 anos, condicionada à extensão dos subsídios federais para energia renovável.

No Brasil, muitos dos incentivos as fontes renováveis ainda estão em vigor e novos estão sendo criados. No final de 2015, Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) publicou a Resolução Normativa nº 687/2015, que altera a Resolução Normativa nº 482/2012 e os Módulos 1 e 3 dos Procedimentos de Distribuição (PRODIST). A nova Resolução muda as regras para o consumidor gerar energia elétrica e colocar na rede. Desta forma, a nova Resolução deve estimular a prática, ampliando o número de micro e minigeradores no Brasil. A medida estimula, principalmente os geradores solares, além de promover uma maior eficiência energética por meio da mini e microgeração que aproxima a geração dos centros consumidores.

Canal: Na 21ª Conferência do Clima (COP 21), o Brasil se comprometeu em reduzir as emissões em 37% até 2025 e em 43% até 2030. O senhor acredita que isso é possível?

O Brasil ainda carece de políticas de longo prazo para o setor de energia. O estabelecimento de um plano para definição do papel de cada fonte na matiz energética brasileira é fundamental para redução das emissões de gases do efeito estufa, assim como para o estabelecimento das fontes de energia renováveis.

O setor de energia no Brasil tem ficado a mercê de políticas de curto prazo dificultando assim, a trajetória das fontes de energia renováveis. Por exemplo, desde a década de 70, quando foi lançado o Pró-Alcool, o setor de etanol já viveu diversos ciclos. O mais recente deles foi a expansão proporcionada pela entrada dos veículos flex a partir de 2003 até a crise do setor em 2010, resultante da perda de competitividade para a gasolina devido aos subsídios concedidos ao combustível fóssil e da crise internacional de 2008. Em 2015, com os reajustes e aumentos de tributação na gasolina, o bicombustível retomou a competitividade e viu seu consumo crescer superando o recorde de vendas de 2009.

O setor elétrico é outro que fica a mercê das políticas de curto prazo. Com agravamento da situação dos reservatórios a partir do final de 2012, o governo foi obrigado a ligar as térmicas não somente nos períodos secos e/ou de picos de demanda. Boa parte das térmicas, concebidas apenas para operar em curtos períodos de tempo para atender os picos, permaneceram ligadas durantes anos, o que encareceu a conta de luz e amentou as emissões de gases do efeito estufa.

Além disso, o acionamento aumentou a participação das fontes não renováveis na matriz elétrica brasileira. Em 2004, 86% da geração de energia elétrica era proveniente de fontes renováveis, em 2014 esse número caiu para 73%.

Para desenvolvimento das fontes renováveis e redução das emissões, deveria ser definido o papel de cada fonte dentro da matriz energética brasileira. Por meio de políticas de longo prazo as fontes menos poluentes podem ter espaço na matriz e, assim, proporcionar uma redução no total de emissões dos gases do efeito estufa, Por exemplo, a ampliação do uso do gás natural na indústria em substituição aos derivados de petróleo, o estabelecimento do papel do etanol como combustível alternativo entre outras medidas.

No setor elétrico, o Brasil dispõe de um enorme potencial para a exploração de diversas fontes de energia. Diferentes regiões do Brasil devem aproveitar suas especificidades e explorando melhor os recursos disponíveis na região, aproximando assim a geração dos mercados consumidores. Por exemplo, o Nordeste tem potencial para energia solar e eólica; o Sudeste tem a biomassa e gás natural (menos poluente que uso de petróleo e derivados); o Norte ,hidroelétrico e o Sul, o eólico.

Canal: Quais fontes de energias renováveis – solar, eólica e outras – podem se destacar neste cenário?

Tanto eólica quanto solar devem continuar ampliando sua participação na matriz elétrica. Os subsídios concebidos a energia eólica tem colocado a fonte bem competitiva nos leilões de energia. A energia solar caminha a passos lentos devido ao alto custo de investimento, porém a nova resolução da Aneel pode dar um novo fôlego para a fonte.

Quanto ao etanol, maior candidato a redução de emissões no setor de transporte, dependerá de como será a política de preços dos combustíveis no Brasil. Atualmente, o etanol retornou a competitividade graças aos reajustes e elevação dos tributos na gasolina, porém a politica de preços não segue o mercado internacional sendo pouco transparente. Atualmente, a gasolina segue com preço elevado se comparada ao mercado internacional devido à necessidade de caixa da Petrobras e da arrecadação do governo.

Canal: Em comparação a outros países, o Brasil se destaca no uso de energia renová-

vel?

O Brasil possui vantagem comparativa frente a diversos países. O país tem um território que permite a exploração de diversas fontes, com um grande potencial para as energias renováveis. Entretanto, esse potencial não tem sido aproveitado, devido à falta no estabelecimento de políticas concretas para cada uma das fontes energéticas.

Ao contrário de países como Alemanha, Japão e EUA que possuem um arcabouço e políticas bem definidas para o setor de energia, no Brasil a incerteza gerada pelas constantes mudanças de política acabam por afastar investidores.    .

Canal: A crise brasileira dificulta o ambiente para o desenvolvimento do setor de energias renováveis ?

A crise atual complica o quadro do Brasil, a instabilidade econômica e política cria um ambiente ainda mais obscuro para o futuro das energias renováveis. A falta de uma definição política coloca em dúvida quais serão as próximas atitudes do governo para o setor.

A situação econômica também contribui para afastar investimento, uma vez que empresas preferirão investir em países com uma perspectiva de crescimento e que possuem um arcabouço regulatório e político mais estável e confiável. Além disso, a desvalorização do real prejudica a importação de novas tecnologias que são fundamentais para o desenvolvimento de algumas fontes renováveis, como no caso dos painéis solares.

CANAL-JORNAL DA BIOENERGIA

Veja Também

Perspectivas e desafios para a safra de cana 2024-2025: Entrevista com Martinho Seiiti Ono, CEO da SCA Brasil

Segundo o CEO da SCA Brasil,  Martinho Seiiti Ono, a safra atual de cana-de-açúcar tem …