Etanol é impactado pela crise imposta pela pandemia

Entrevista Murilo Fontanetti Aguiar – Consultor Sênior em Gerenciamento de Risco – Açúcar & Etanol da INTL FCStone

Canal – Jornal da Bioenergia: Quais os efeitos da crise imposta pela pandemia do novo coronavírus no setor?

Murilo Fontanetti Aguiar: Não vimos muitos efeitos do Covid-19 para o consumo açúcar. Ocorre uma redução pontual de demandas em alguns países, não na mesma magnitude de outras commodities, com o açúcar demonstrando certa resistência de retração porque as indústrias de alimentos continuam em funcionamento e o consumo segue praticamente normalizado. Algumas indústrias foram um pouco afetadas, mas a redução de consumo não é tão expressiva. Ainda estamos tentando mapear alguns países, mas não há nada muito significativo.

Inclusive, vemos que o preço em reais do açúcar tem subido. Primeiro devido ao dólar, que chegou a ficar acima de R$ 5,90 (sendo o Real a moeda com maior desvalorização nos últimos meses), elevando os preços em reais a um nível muito interessante para o produtor, evidenciando que há demanda do produto neste curto prazo. Dado que a Tailândia – o segundo maior exportador de açúcar – teve recentemente a maior seca dos últimos 40 anos, a quebra de safra lá reduziu muito a oferta e o volume de exportação do país, com encarecimento dos prêmios a níveis recordes.

Além disso, os efeitos de lockdown na Índia atrapalharam as exportações de açúcar deste país e essa demanda internacional se direcionou para o Brasil. Mesmo o país tendo um mix bem agressivo, temos prêmios de exportação de açúcar muito interessantes, com arbitragem bem favorável à exportação quando comparada a uma venda no mercado interno.

Canal – Houve efeitos negativos? Se sim, quais os principais?

Murilo: O etanol tem sido o mais impactado devido ao Covid-19. Perdeu-se quase R$ 1/litro, por exemplo, no Estado de São Paulo, base preço PVU (posto- veículo-usina), que é o preço de venda na usina com impostos. Apesar de ter atingido R$ 1,60/l os preços recuperaram recentemente, influenciado pela recuperação do petróleo e expectativa de retomadas na demanda. Hoje os negócios em São Paulo giram em torno de R$ 1,75/litro.

Os grandes problemas foram a desvalorização do petróleo nos meses de março e abril. A paralisação das atividades refletiu na queda do preço do etanol, com a quarentena/isolamento reduzindo muito o consumo. Pelos dados mais recentes divulgados pela ANP, no mês de março, houve uma queda de 14% nas vendas de etanol das distribuidoras para os postos. Espera-se para a o mês de abril uma piora do indicador, dado que o mês inteiro foi marcado pela quarentena. Esses dados esperados para começo de junho.

A Unica já divulgou os dados de safra de abril, com as vendas das usinas para as distribuidoras trazendo uma queda de 38% para o etanol hidratado carburante. A demanda arrefeceu fortemente, culminando com a entrada de safra da Região Centro-Sul. Ou seja, acompanhamos a junção de um período em que a demanda teve forte recuo e a oferta forte incremento.

Canal – O que precisa ser feito para atravessar esse ano e mitigar os efeitos negativos para o negócio? O que depende do governo federal e dos estaduais?

Murilo: Vimos boatos que o governo aprovaria um aumento de tarifa de importação de etanol e também que aumentaria a CIDE da gasolina de 0,10 atuais para 0,30 reais/litro. Mas isso foi negado pelo governo, o qual afirmou que não vai ajudar especificamente um setor em detrimento de aumento de impostos para a população, mas estão sendo estudadas algumas alternativas.

A Unica, o Ministério da Agricultura e os produtores têm defendido a desoneração do PIS/ Confins, que é um dos tributos atribuídos ao etanol. Porém, ainda está em discussão.

O setor aguarda algumas linhas de financiamentos do governo, via BNDS e bancos para estocagem de etanol com uma tarifa subsidiada. O objetivo é fazer com que as usinas não se sintam pressionadas a vender no atual mercado ausente de intensidade compradora. Em algumas unidades o valor de venda está muito em cima do custo de produção.

O setor aguarda notícias positivas referentes a esse ponto, mas a princípio sem horizonte. Para auxiliar, os governos estaduais poderiam alterar o ICMS do etanol, para deixa-lo mais competitivo em relação à gasolina, contudo sabe-se que mexer em arrecadação não é viável aos estados no momento.

Canal –  E o que o próprio setor pode fazer?

Murilo: O setor tem pressionado por medidas. Mas as usinas estão maximizando a produção do ATR destinando a maior parte possível para o açúcar. Ou seja, estão migrando a maior parte da produção para açúcar dado sua rentabilidade bruta mais atrativa, que varia entre 30% a 40% melhor que o etanol dependendo do mês. Isso possivelmente trará a produção de açúcar do Centro-Sul para níveis recordes nessa safra.

Canal –E o futuro? Como planejar para o pós-crise?

Murilo: O futuro para o açúcar está interessante. Mas ainda incerto para o etanol. Espera-se que toda essa demanda reprimida retorne em algum momento com a flexibilização ou fim das quarentenas e retomada das atividades. Assim, é muito importante acompanhar preço de petróleo, a cotação de câmbio e sua relação em reais. Temos que observar os impactos do valor do barril em reais para a gasolina A (gasolina revendida pela Petrobras para os distribuidores produzirem a gasolina C, que tem a mistura de anidro e é revendida para os postos). Essa relação tem acompanhado a paridade internacional, e dado o dólar elevado e a recuperação dos preços do petróleo a Petrobras tem corrigido os recuos de preços feitos nos meses anteriores.

Canal – Que lição tirar dessa situação atual?

Murilo: A lição é que as incertezas e dúvidas sempre imperam, com o mercado apresentando eventualmente algumas janelas de oportunidade. Não se pode levar projeções e estimativas otimistas como um cenário a ser concretizado, o importante é acompanhar o mercado e utilizar cada vez mais as ferramentas de proteção financeiras para garantia de margens dos produtos, saindo do risco de preços e assumindo uma posição que garanta resultado operacional/financeiro positivo. No começo do ano tínhamos um cenário muito interessante para o setor, tanto para açúcar como para etanol, porém, o Covid-19 afetou demais o mercado etanoleiro, reduzindo muito o faturamento que era esperado no início deste ano.

Cejane Pupulin-Canal-Jornal da Bioenergia

 

Veja Também

Conab aponta redução de 4,8% na produção de cana-de-açúcar da safra 2024/25

A produção de cana-de-açúcar do Brasil para a safra 2024/25, conforme o terceiro levantamento divulgado …