Descarbonizar a produção de ferro e aço é hoje uma das principais frentes de inovação da indústria siderúrgica. Em um cenário de reinvenção do setor, o Brasil tem vantagens comparativas relevantes para contribuir com a busca da neutralidade climática: minério de ferro de alta qualidade, biomassa abundante e grande oferta de energia renovável. É possível produzir aço mais sustentável no país a partir de recursos como biogás, carvão de florestas plantadas e hidrogênio de baixo carbono. Contudo, as mudanças tecnológicas demandam a superação de desafios regulatórios, de certificação e de mercado.
“Nossa matriz energética é 48% renovável e a matriz elétrica chega a quase 90%, o que nos dá condições não só para descarbonizar nossa indústria, como de ser um vetor de descarbonização de produtos globais”, destaca a diretora executiva do Instituto E+ Transição Energética, Rosana Santos. A organização promove debates sobre políticas de transição energética socialmente justas, economicamente eficientes e comprometidas com as evidências científicas sobre as mudanças do clima. “Há grande potencial para exportar aço verde e também produtos semi-acabados, já que os países europeus perderiam competitividade se importassem em separado o minério de ferro e o hidrogênio.”
Uma das principais rotas de descarbonização da siderurgia brasileira é o reaproveitamento de sucata ferrosa para alimentar fornos a arco elétrico. Atualmente, ela abastece 30% da produção nacional de aço, proporção inferior às dos Estados Unidos, Índia e México, que chegam a 50%. Seus desafios são o custo da eletricidade e a oferta limitada de sucata. Outra rota promissora, com tecnologia madura, é o uso do gás natural para redução direta, um processo siderúrgico considerado mais “limpo” que o do alto-forno. O gás do pré-sal pode servir como insumo de transição, a ser substituído por biogás e biometano provenientes de resíduos sólidos agrícolas e urbanos. Hoje, o Brasil só explora 3% de seu potencial de biogás.
O hidrogênio de baixo carbono ainda é pouco competitivo, mas tende a se tornar uma boa alternativa para diminuir as emissões. No processo de redução direta, a reação ocorre sem que o minério se derreta ou funda, produzindo pelotas sólidas, um produto intermediário da cadeia do aço. A vantagem é a economia de energia. Os desafios são o custo elevado e a necessidade de minério de boa qualidade. Outra rota em estudo é a redução via fundição com carvão que, além de dispensar o uso do alto-forno e do coque, consome 20% menos energia. Se o carvão for originário de reflorestamento, o processo pode resultar em emissões negativas.
Os pesquisadores avaliam ainda a eletrificação direta, que consiste na eletrólise do mineral de ferro, de modo semelhante ao usado na produção de alumínio. Também estudam o método de Captura, Utilização e Armazenamento de Carbono (CCUS na sigla em inglês), com processos químicos, que ainda tem custo elevado e baixo nível de maturidade tecnológica. Outra perspectiva de longo prazo é a de compensação das emissões por meio de projetos de captura de carbono, como reflorestamento.
Há tendência de crescimento da demanda internacional por produtos descarbonizados, mas os consumidores exigem certificação. “Para se posicionar como vendedor de produtos verdes, o Brasil tem que provar que são sustentáveis”, ressalta Rosana Santos. “O biocarvão, por exemplo, não pode vir do desmatamento do Cerrado ou do trabalho escravo”. Na sua avaliação, a criação de um mercado regulado de créditos de carbono dá uma sinalização importante ao mercado, mas isso não é o suficiente, pois ainda faltam políticas públicas de incentivo à conversão mais rápida da indústria às novas tecnologias.
Uma das referências no setor é a Aperam South America, spin-off do grupo ArcelorMittal que produz aços inoxidáveis e elétricos no Vale do Aço (MG). Em 2019, a empresa lançou o Endur, aço inoxidável com baixo teor de carbono e alta resistência à corrosão. Em 2022, tornou-se a primeira siderúrgica com balanço neutro entre emissões e remoções de gases da atmosfera. “Temos trabalhado no aumento da eficiência energética e da eficiência das nossas florestas plantadas”, diz o diretor-presidente, Frederico Ayres Lima. As inovações em curso incluem o uso de aprendizado de máquina no controle de qualidade, novas gerações de clones de eucaliptos e a adoção do forno automatizado FAP 2000, o maior do mundo para produção de energia renovável a partir do eucalipto. Globo Rural