Representatividade do setor ainda é abaixo das expectativas e não condizem com políticas de redução de gases
Pela primeira vez, a minuta do Plano Decenal de Energia (PDE) 2030, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) inclui a geração a partir de resíduos sólidos urbanos (RSU). Os aterros sanitários são responsáveis pela grande porção do biogás usado energeticamente no país, que detém a maior capacidade instalada e o maior volume de geração de biogás de forma comercial. O aproveitamento energético de resíduos está totalmente alinhado com a necessidade de integração entre as pautas ambientais e energéticas, uma vez que se trata de uma fonte de energia com grandes benefícios ambientais, além de reduzir a necessidade de combustíveis fósseis.
Para a Associação Brasileira do Biogás (ABiogás) considerar esses resíduos como uma das tecnologias no planejamento energético pela primeira vez é um ótimo indicativo do interesse do poder público em desenvolver essa fonte, já é um sinal de que é um tema de preocupação do Ministério de Minas e Energia (MME) e que se pode esperar incentivos e ações no tema dentro do horizonte 2021-2030.
Mas ainda declara que percebe a existência de um enorme desconhecimento no assunto, uma vez que o potencial é muitas vezes superior ao projetado pelo documento. “Enquanto é estimada a necessidade de 12 GW de termelétricas a gás natural até 2030, fato que traz um impacto gigantesco em termos de emissões de gases de efeito estufa para o setor elétrico, o documento apenas estima 60 MW provenientes de resíduos, menos de 0,5% da expansão prevista”, pontua a entidade.
De acordo com a Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren), hoje 40% do lixo produzido no Brasil é destinado aos lixões, aterros controlados e aterros que não capturam metano ou fazem isso de maneira inadequada. E apenas 50% do metano produzido pelos resíduos urbanos – que é responsável por entre 3% e 5% das emissões totais de GEE – é capturado pelos aterros. O restante vai para a atmosfera, onde é 25 vezes mais nocivo do que o CO2.
Expectativas
Até 2030, a ABiogás projeta a produção de 30 milhões de m³/dia de biogás. Em geração de energia elétrica, esse volume equivale à potência instalada de 2,6 GW. De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o Brasil tem pouco mais de 200 MW instalados com biogás enquadrados pela como resíduos urbanos, distribuídos em geração centralizada (cerca de 179 MW) e micro e minigeração distribuída (cerca de 21 MW). São aproximadamente 45 cidades que hoje geram energia elétrica a partir de resíduos urbanos, de grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro, a cidades como Igarassu, em Pernambuco.
A força
A ideia de gerar energia com resíduos sólidos urbanos já existe há algum tempo. Existem duas formas possíveis para captar esse substrato. A primeira é usar o gás de aterro, o que normalmente considerado no Brasil. Já a segunda é pela biodigestão dos resíduos orgânicos, no qual é necessária a separação na fonte dos resíduos, de forma que a fração orgânica deve estar realmente separada de recicláveis e demais rejeitos para seguir para um biodigestor e, assim, gerar biogás. “Esse arranjo é mais complexo, principalmente porque demanda uma mudança cultural e uma revisão no modelo de coleta e atendimento de saneamento brasileiro”, explica.
O aterro de Caucaia (Ecometano – MDC) no Ceará é a primeira usina a injetar biometano na rede de distribuição e primeira a se certificar como emissora de CBios no contexto do RenovaBio. Além disso, existem projetos de biometano de grande porte em Seropédica (da Gás Verde), São Pedro da Aldeia (da Ecometano – MDC), São Paulo (ZEG).
Mais dados
Já o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil publicado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) prevê que em 2030 o país poderá gerar cerca de 100 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos.
Com esse volume, é possível gerar cerca de 1 GW apenas com a captação de gás de aterros. Mas com as limitações de destinação adequada, de adesão e regularização de mais de cinco mil municípios do país, ainda que sejam considerados que aproximadamente 50% desses resíduos sejam destinados para aterros com aproveitamento energético, é possível a adição de 500 MW de usinas termelétricas movidas a biogás. “É uma porção tímida dentro da expansão termelétrica projetada no PDE 2030 (mais de 12 GW). Nessas circunstâncias, os 500 MW sugeridos parecem mais condizentes com o contexto de descarbonização do setor, correspondendo aproximadamente a apenas 4% da capacidade estimada para a geração termelétrica proposta no documento”, explica a ABiogás.
Comparação
O PDE 2030 indica a expansão de mais de 12 GW de fontes fósseis, que causam grandes impactos ambientais, como termelétricas a gás natural, diesel e carvão . Essa expansão corresponde ao dobro da expansão da fonte hidráulica, por exemplo. “Diante destas condições é preciso ressaltar que, além de ser renovável, uma usina de biogás opera de forma equivalente a uma usina a gás natural, ou seja, de forma não intermitente. Assim como o gás natural, o biogás é despachável, tem geração firme e pode ser armazenável, além de ser descentralizado. Outra grande vantagem desta fonte é a sua estrutura de custos em reais, garantindo previsibilidade de custos e modicidade tarifária”, pontua a Associação.
O que é o PDE?
O PDE é um documento indicativo, ou seja, ele oferece uma visão geral sobre o setor de forma a mostrar caminhos possíveis para o planejamento energético. O papel não é determinar os caminhos, mas apenas apresentar as possibilidades.
Em São Paulo
O Estado possui matriz energética entre as mais limpas do mundo, com a participação de mais de 50% de biocombustíveis para o transporte, e o uso de resíduos agrícolas para a geração de energia já contribui com 25% da eletricidade utilizada nas residências das cidades paulistas.
Nos últimos anos, pesquisadores do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Universidade Estadual de Campinas (Nipe-Unicamp) têm desenvolvido métodos para localizar, quantificar e caracterizar esses resíduos agrícolas e urbanos para produção de bioenergia e redução das emissões de equivalente em dióxido de carbono (CO2).
A metodologia de localização, desenvolvida pelo professor Rubens Augusto Camargo Lamparelli, ligado a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, é baseada na aquisição por satélites de dados e mapas com resolução espacial de 250 metros e em intervalos de 16 dias e permitiu verificar que os resíduos sólidos urbanos ainda hoje descartados na região de Campinas, abrangendo 92 cidades, em aterros sanitários teriam potencial para produzir energia em proporção equivalente ao de uma usina sucroalcooleira, produzindo 100 milhões de litros por ano.
Cejane Pupulin / Canal – Jornal da Bioenergia