Geração de energia por biogás pode garantir segurança energética ao Brasil

Rafael Gonzalez é Diretor Presidente do CIBiogás.

Ele é Engenheiro Ambiental e mestrando em Engenharia e Tecnologia Ambiental pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Há mais de 10 anos atua na captação e gestão de projetos na área de energias renováveis. Participou do desenvolvimento do Plano de Negócios e estruturação do Centro Internacional de Energias Renováveis em 2012. Em 2016 assumiu a Diretoria de Desenvolvimento Tecnológico e em 2020 assumiu a Diretoria Presidência do CIBiogás, conduzindo projetos estratégicos e consolidação empresarial. Atualmente é conselheiro da Associação Brasileira de Biogás (ABiogás) e do Conselho Diretivo do Projeto GEF/Brasil – Biogás (Aplicações do Biogás na Agroindústria Brasileira).

Canal- Jornal da Bioenergia: Quais as novidades tecnológicas para produção de todos os tipos de biogás?

Rafael Gonzalez: Os avanços tecnológicos são cada vez mais frequentes no contexto do biogás. A utilização de reatores mais eficientes e formas de pré-tratamento podem valorizar ainda mais o uso do biogás como energético. Sendo assim, me concentro nas aplicações do biogás como energia e destaco alguns pontos.

As microrredes (grids e smartgrids) no Brasil estão ganhando força. A ideia deste arranjo é sobre uma unidade de produção de biogás que possa abastecer uma microrregião de modo emergencial quando há queda no abastecimento tradicional da rede. Um exemplo desta aplicação está ocorrendo pela primeira vez no Oeste do Paraná, na Granja São Pedro Colombari, onde o projeto de P&D da Itaipu Binacional, executado pelo CIBiogás e Parque Tecnológico Itaipu, vem sendo realizado com o apoio da Concessionária Copel.

Esta é uma grande tendência de aplicação no exterior e acreditamos que no Brasil pode contribuir diretamente para segurança energética no campo, uma vez que a tecnologia promete sanar os impactos negativos das intermitências da rede no meio rural e em localidades de difíceis acessos.

A utilização de membranas para filtrar o biogás também é uma tecnologia que vem sendo bastante estudada e que entrega um maior aproveitamento do biogás como resultado do refino para produção do biometano – biocombustível. O CIBiogás desenvolveu e monitora a UD Itaipu, que é a planta de biogás que a Itaipu Binacional utiliza para transformar os resíduos orgânicos do complexo todo em biometano para abastecer parte da frota da usina. Nesta planta estamos utilizando o sistema de membranas implantado pela 3Di Engenharia, com tecnologia importada pela UBE, empresa associada ao CIBiogás, e estamos colhendo excelentes resultados.

No contexto do biometano, temos ainda a entrada de novos equipamentos movidos a biometano, especialmente veículos pesados. Grandes marcas internacionais têm observado o momento em que o Brasil vem passando no contexto da “Nova Lei do Gás” e como esse momento pode impulsionar e ampliar a utilização de equipamentos que utilizem gás (biometano ou gás natural).

Outra necessidade é a análise mais completa e monitorada de plantas de biogás, que passam a ter maior necessidade de performance e, portanto, temos desenvolvido uma tecnologia de replicabilidade das condições técnicas e operacionais de um biorreator de campo para um biorreator em laboratório, que permitem replicar o modelo e aperfeiçoar sua operação, garantindo a tão esperada performance.

Outro ponto importante é que com o crescimento das plantas de biogás e especialmente biometano. Temos a condição de utilizar o CO2 como produto disponível para a indústria, além de combinar o CO2 com Hidrogênio, por exemplo, resultando em produtos de alto valor agregado. A recuperação do CO2, tanto quanto a reforma do biogás para Hidrogênio, ainda precisa ser desenvolvida, mas tem demonstrado resultados muito importantes e fomentado as discussões em prol dos biocombustíveis.

Canal- Jornal da Bioenergia: No seu ponto de vista, o Brasil tem avançado nessas tecnologias?

Rafael: Certamente. Vemos grandes avanços tecnológicos, tanto em pesquisas, quanto na disponibilização das tecnologias no mercado. Estamos avançando e entendo que os desenvolvimentos das tecnologias tiveram um importante salto nos últimos anos. No entanto, é preciso investir ainda mais em tecnologias e em condições regulatórias que permitam um avanço mais seguro dos investimentos do setor.

 Acreditamos na democratização do biogás, mas para isso é necessário que essas tecnologias ganhem espaço e oportunidades para demonstrar que o biogás é viável pode trazer ganho de mercado, redução de custos e benefícios ambientais. Exatamente o que vêm sendo discutido no âmbito internacional.

Canal- Jornal da Bioenergia: Diante da pandemia, quais os cenários previstos para o setor em 2021?

Rafael: A pandemia trouxe uma preocupação e uma necessidade gritante: precisamos manter o nosso ambiente limpo e capaz de oferecer maior sanidade ambiental a toda à sociedade. Neste contexto, acredito que a pandemia vem contribuindo na percepção de tomadores de decisão para investir em tratamento e correta destinação de resíduos.

O momento mundial, propiciado pela geopolítica também facilita a discussão de sustentabilidade e uso de fontes renováveis de energia. O biogás é uma fonte completa neste sentido e permite a criação de uma nova economia voltada para as energias, gera emprego e renda e pode auxiliar no retorno de nossa economia, tão impactada no atual cenário.

4 – A pandemia trouxe dificuldades para o setor?

Rafael: Sim, como na maioria dos outros setores, a pandemia também impactou o biogás, entretanto é necessário compreender que “essa moeda tem dois lados”.

O setor das energias renováveis e, em consequência o biogás, principalmente no que se refere aos investimentos e repasse de recursos para projetos e desenvolvimento de tecnologias, teve um impacto negativo. Recursos que seriam destinados ao desenvolvimento de pesquisas e tecnologias foram redirecionados para fins emergenciais diante do cenário pandêmico. Posso citar um exemplo, que é o da Agência Nacional de Energia Elétrica  (ANEEL) que em junho de 2020 regulamentou a Conta Covid, operação que buscou reduzir o aumento nas contas de energia, que a pandemia trouxe para empresas do setor elétrico, bem como para consumidores.

A tendência inflacionária sobre os produtos também impactou nos custos de implantação de uma planta de biogás. Mas, em contrapartida, 77% do biogás gerado no Brasil tem a sua origem na agropecuária, de acordo com a Nota Técnica,  “Panorama do Biogás no Brasil – 2020”.  Sabemos que agronegócio foi o único setor da economia brasileira que registrou crescimento em 2020.

É importante salientar que a pandemia contribuiu para demonstrar a importância da redução de emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE), em decorrência do lockdown adotado globalmente, mesmo que a contribuição, em termos práticos, tenha sido insignificante para mudanças climáticas permanentes no planeta. O debate em si e a consciência social ganhou destaque e os resultados da redução dessas emissões demonstraram mais uma vez que quando soluções sustentáveis são adotadas, como a exemplo das energias renováveis, o aquecimento global pode ser freado e os piores efeitos das mudanças climáticas também podem ser evitados.

Os dejetos de uma esterqueira para biodigestor com uso energético, reduz os GEE na ordem de 90%, quando se analisa o ciclo de vida do empreendimento. Então para o setor do biogás, a pandemia demonstrou que o tratamento de dejetos é urgente, transformando passivos ambientais em ativos energéticos, contribuindo significativamente para redução dos GEE.

Canal- Jornal da Bioenergia: A produção de biogás tem um alto potencial no Brasil, quais os principais entraves no seu ponto de vista?

Rafael: De acordo com os levantamentos realizados do potencial realizados pelo setor, temos em torno de 85 Bilhões de m3/ano de potencial nacional com diferentes fontes de biomassa e em todos os Estados Brasileiros. Deste potencial, aproveitamos apenas 2%, conforme os mapeamentos realizados pelo CIBiogás. Desta forma, o biogás pode crescer muito em termos produtivos e garantir uma visão estratégica dos compromissos globais na utilização de energias renováveis. Para este aproveitamento ser viável, precisamos transformar o potencial em plantas e usinas de biogás que possam garantir retorno econômico de seus investimentos. Entendo que do ponto de vista tecnológico, já temos uma grande quantidade de empresas nacionais e internacionais disponibilizando todo tipo de tecnologia, sendo assim, os entraves mais importantes são: a instabilidade regulatória que ainda não dá a segurança necessária para o setor e especialmente as garantias necessárias ao financiamento de novas plantas e usinas. São pontos que o setor ainda precisa evoluir e transformar o potencial em produção.

 Canal- Jornal da Bioenergia: Está havendo novos investimentos em unidades produtoras? Quantas são hoje?

Rafael: Sim, no ano passado contamos com a inauguração de uma nova planta de biogás com aplicação energética a cada três dias. Isso refletiu no crescimento do setor, como demonstra a Nota Técnica do Panorama do Biogás no Brasil de 2020.  O estudo está disponível gratuitamente para download no site do CIBiogás. Lá também é possível acessar o Biogasmap, e aplicar filtros e extrair gráficos das aplicações do biogás em todo o país.

Canal- Jornal da Bioenergia: Pela primeira vez, a minuta do Plano Decenal de Energia (PDE) 2030, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) inclui a geração a partir de resíduos sólidos urbanos (RSU). Isso pode ser celebrado?

Rafael: Com certeza! E estamos celebrando. É um grande passo para garantir que no futuro próximo tenhamos incentivos e investimentos em plantas de biogás em aterros sanitários e estações de tratamentos de esgotos por todo o país, lembrando-se da necessidade de regulamentação que permita o crescimento deste setor. Será um ganho social, ambiental e econômico.

 Canal- Jornal da Bioenergia: Os aterros sanitários são responsáveis pela grande porção do biogás usado energeticamente no país, apesar do agro se destacar em termos de números de usinas. Ainda assim, os aterros sanitários detêm a maior capacidade instalada e o maior volume de geração de biogás de forma comercial. Na sua visão, o que falta para o Brasil aproveitar esses resíduos?

Rafael: Faltam políticas públicas que estimulem agentes públicos e privados a investirem na solução. As ETEs e aterros sanitários do país possuem esse grande potencial e podem impactar diretamente na economia dos municípios e estados. A produção do biogás é uma solução que atende muitas frentes econômicas, ambientais e sociais. O biogás oportuniza para o gestor público a aplicação inteligente dos recursos públicos, aumentando a vida útil dos aterros, reduzindo com custos de eletricidade e/ou até mesmo produzindo o biometano para abastecer frotas de ônibus e interligar na rede de gás, como acontece em Fortaleza pela empresa Ecometano. A aplicação do biogás é a resposta para muitos desafios de ordem sanitária, ambiental e econômica para gestão pública.

Cejane Pupulin- Canal-Jornal da Bioenergia

 

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