Por Rodrigo Sauaia e Ronaldo Koloszuk*
A célebre frase do ex-ministro do Petróleo e de Recursos Minerais da Arábia Saudita e ex-ministro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) por 25 anos, Ahmed Zaki Yamani, de que “a Idade da Pedra não terminou por falta de pedras – e a Idade do Petróleo terminará muito antes do fim do petróleo”, não poderia ser mais emblemática para o momento presente do setor elétrico brasileiro e mundial.
O tradicional modelo de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica já não atende mais às necessidades e anseios das sociedades modernas do século XXI.
Segundo o modelo usado no século passado no mundo e no Brasil, para atender a demanda crescente por eletricidade, os consumidores têm de arcar com pesados investimentos em grandes empreendimentos de geração, no caso brasileiro habitualmente hidrelétricos e termelétricos, bem como em linhas de transmissão percorrendo vastas distâncias para levar a energia elétrica destas usinas longínquas até os centros urbanos do País.
A consequência deste modelo para a sociedade brasileira foi de um aumento médio na tarifa de energia elétrica aos consumidores, entre 1995 e 2017, de mais de 50% acima da inflação, segundo dados do Instituto Ilumina. No total, os reajustes médios acumulados somaram 557% em 20 anos, fazendo da eletricidade brasileira a quinta mais cara do planeta.
A situação tornou-se insustentável para o País, para o cidadão e para o setor produtivo, seja no agronegócio, no comércio, nos serviços ou na indústria. São justamente estes os setores com amplo potencial para gerar empregos e renda à população, desde que tenham competitividade para se desenvolver.
O setor elétrico encontra-se em meio a um importante processo de transformação, muito similar ao vivenciado pelo setor de telecomunicações há 30 anos. Na telecomunicação, devido às inovações tecnológicas fruto do próprio mercado, as maiores e mais tradicionais empresas do setor tiveram de abandonar o velho e ultrapassado modelo analógico de linhas de telefonia fixa, implementando em seu lugar um modelo mais moderno, dinâmico e digital, baseado em novas tecnologias, sistemas de telefonia móvel e novos serviços de interesse dos consumidores.
Inicialmente, as linhas telefônicas eram caras, inacessíveis à maior parcela da população, sendo que poucos tinham condições de adquirir o serviço diretamente. Tamanho era o seu valor, que as linhas fixas eram alugadas e serviam como uma fonte de renda, chegando até mesmo a serem incluídas como bens nas declarações de imposto de renda.
Deste então, felizmente, a redução de preços e a ampliação do uso da tecnologia foram enormes: a telefonia celular universalizou os serviços de telecomunicação, conectando pessoas, democratizando o acesso à informação e viabilizando uma nova onda de desenvolvimento econômico e social no mundo. As inovações trouxeram para a realidade uma era de negócios digitais, indústria 4.0, inteligência artificial, computação cognitiva, internet das coisas, big data e outros avanços exponenciais, que estão proporcionando uma evolução sem igual na história da humanidade.
A geração distribuída solar fotovoltaica representa para o setor elétrico brasileiro e mundial o mesmo estilo de onda transformadora, promotora de modernização e novas riquezas, que a telecomunicação atravessou no passado recente.
Se, há pouco mais de uma década, eram poucos os consumidores que tinham acesso à energia solar fotovoltaica no mundo, hoje já somam milhões de usuários em países tão diversos quanto Alemanha, Índia, China, Austrália, Japão, Estados Unidos, Reino Unido, entre outros.
Se, neste momento, o mundo inteiro está acelerando investimentos e incentivos para o crescimento das fontes renováveis, por que, então, ficamos com a impressão de que os interesses jogam contra este avanço no Brasil?
Por mais que ainda existam grandes grupos econômicos, com recursos e forte lobby governamental, que tentam retardar a evolução inevitável do setor elétrico, a transformação da matriz e do atual modelo já está em curso. E este, felizmente, é um caminho sem volta, rumo à modernidade.
Os sinais da modernização estão tão claros que, enquanto os monopólios de distribuição mais conservadores e tradicionais têm mobilizado um pesado lobby na tentativa de retardar o crescimento da geração distribuída solar fotovoltaica, as mesmas distribuidoras estão, em paralelo, buscando parcerias com o novo setor e estruturando suas próprias empresas de geração distribuída solar fotovoltaica para atender a demanda do mercado, preparando-se para fazer deste segmento promissor uma grande oportunidade de inovação aos seus negócios.
Como pregam as boas regras de mercado, as empresas que não se adaptarem à nova realidade e expectativas dos clientes correm o risco de perder espaço, afinal, é o consumidor que move o setor. E o desejo do consumidor está muito bem identificado: segundo pesquisa Ibope Inteligência de 2018, 89% dos brasileiros quer gerar energia renovável em casa e, segundo pesquisa DataFolha de 2016, 79% dos brasileiros quer instalar energia solar fotovoltaica em casa, se tiver financiamento disponível.
O grande apoio popular à geração distribuída solar fotovoltaica é fácil de explicar e entender: são inúmeros benefícios econômicos, sociais, ambientais, elétricos e estratégicos às pessoas, empresas, governos e à sociedade. Dentre os principais, estão: uma maior liberdade de escolha aos consumidores, que passam a poder gerar e melhor controlar seus gastos com energia elétrica; possibilidade de reduzir em até 95% a fatura mensal de energia elétrica cobrada pelas distribuidoras; a geração de milhares de empregos locais e de qualidade; o baixo impacto ambiental e a contribuição para o desenvolvimento sustentável, por meio da geração de eletricidade limpa, renovável e sustentável, sem a emissão de gases de efeito estufa, sem resíduos e sem ruídos; contribuição para diversificar a matriz elétrica brasileira e aumentar a segurança de suprimento do País; redução de perdas elétricas e postergação de investimentos em transmissão e distribuição; alívio da demanda do sistema elétrica brasileiro em horário diurno, reduzindo o acionamento de termelétricas emergenciais, mais caras e poluentes, e diminuindo os custos aos demais consumidores.
Apesar da geração distribuída estar finalmente começando a crescer no País, o Brasil permanece muito atrasado em relação ao mundo. A geração distribuída solar fotovoltaica trouxe maior liberdade de escolha a menos de 75 mil de um universo de mais de 84 milhões de consumidores cativos atendidos pelas distribuidoras, universo este que cresce a uma taxa de 1,8 milhões de novos consumidores por ano. Ou seja, a geração distribuída não representa nem meia gota sequer em um oceano de brasileiros cada vez mais pressionados por altas tarifas.
Enquanto isso, na Austrália e nos Estados Unidos, por exemplo, já são mais de 2 milhões de sistemas de geração distribuída solar fotovoltaica junto aos consumidores. Só na Austrália, uma em cada 5 residências já gera energia elétrica limpa, renovável e barata em seu telhado, a partir do sol. Ou seja, por lá, a democratização da geração distribuída solar fotovoltaica está avançando a todo pique.
O mundo mostra que a onda geração distribuída solar fotovoltaica não é uma pequena marola, que possa ser barrada com diques e trincheiras, construídos por grupos de interesse específicos, em desacordo aos anseios da sociedade. A realidade dos fatos mostra se tratar de um tsunami positivo de evolução, alimentado pela chama da inovação tecnológica e energizado pelos anseios de mercado dos próprios consumidores, cada vez mais conscientes e atentos.
Com todas estas vantagens e todo este apoio popular da sociedade, a quem interessaria retardar o avanço da nascente geração distribuída solar fotovoltaica no Brasil?
*Rodrigo Sauaia é CEO da ABSOLAR, mestre em Energias Renováveis pela Loughborough University (Reino Unido), e doutor em Engenharia e Tecnologia de Materiais pela PUC-RS, com colaboração internacional na área de energia solar fotovoltaica realizada no Fraunhofer Institut für Solare Energiesysteme (Alemanha)
*Ronaldo Koloszuk é presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR)