Rafaela Castro de Souza é Analista de Inteligência de Mercado em Açúcar e Etanol da Stone X. Ela é graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com passagem pela Berlin School of Economics and Law em Berlim, Alemanha. Atualmente trabalha na StoneX do Brasil, atuando na análise de mercado de commodities agrícolas, com foco em açúcar e etanol.
Canal- Jornal da Bioenergia: Qual a avaliação da StoneX sobre a venda direta de etanol das usinas para os postos? Essa alteração é positiva ou negativa para o setor?
Rafaela Castro de Souza: Caso a venda direta de etanol das usinas para os postos de fato diminua os custos logísticos envolvidos no transporte do biocombustível, a aprovação desta medida tende a ser positiva para o setor, dado que pode baratear o preço do etanol nas bombas e aumentar a sua competitividade frente à gasolina.
Ainda assim, diversas questões permanecem em aberto e geram preocupações. Entre elas, como será realizada a tributação para a venda direta, dado que pode haver brechas para aumento da sonegação. Por um lado, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) defende a criação de uma “distribuidora vinculada” nas usinas, ou seja, a ideia de que as usinas abram suas próprias distribuidoras na qual será realizado o regime de arrecadação vigente. No entanto, a criação de uma distribuidora vinculada pode gerar custos adicionais para as unidades produtoras.
Aqui, é importante lembrar que, atualmente, a tributação de impostos federais (PIS/Cofins) e estaduais (ICMS) é dividida entre usinas e distribuidoras. Por outro lado, outros agentes defendem a tributação monofásica sob a venda direta de etanol, tal como já ocorre para a gasolina e para o diesel nas refinarias.
Canal: Quais seriam os principais canais desta venda direta?
Rafaela: No contexto atual, apenas os postos de “bandeira branca” poderiam aderir à compra direta das usinas, dado que os postos bandeirados são obrigados a adquirir etanol apenas das respectivas distribuidoras que cedem suas marcas. A ANP está propondo a flexibilização dessa tutela, mas a questão permanece indefinida.
Dessa forma, parece provável que a venda direta seja observada em maior medida em regiões em que as usinas se situam próximas aos postos, o que na maioria das vezes não se aplica aos grandes centros urbanos, que concentram a maior parcela da demanda por combustíveis.
Canal: Algum lado sai beneficiado?
Rafaela: Os consumidores finais podem ser beneficiados, caso o menor custo logístico com o transporte de etanol seja repassado para os preços do álcool nas bombas. De modo geral, a venda direta é defendida por produtores do Norte e Nordeste do país, que afirmam ter custos logísticos elevados com a comercialização de etanol.
No entanto, essa dinâmica não se aplica a todos os produtores, dado que nem sempre a usina está próxima dos postos e as grandes distribuidoras costumam contar com maior infraestrutura para a comercialização de combustíveis. Nesse sentido, a venda direta pode acabar tendo um impacto localizado e reduzido. Ademais, a depender de como será feita a cobrança de imposto nessa comercialização, o ônus pode ser maior para as usinas sucroalcooleiras, que atualmente contam com o regime “dual” (cobrança tanto na usina quanto na distribuidora).
Canal: As distribuidoras hoje regem o mercado de combustíveis. Tal medida atinge grande parte dos envolvidos – distribuidoras, postos, usinas e sociedade? Qual deles será o mais impactado?
Rafaela: Um impacto grande para qualquer um dos agentes envolvidos na cadeia de combustíveis só deve ser observado caso a adesão à venda direta de etanol seja elevada. Caso essa dinâmica seja real, poderia pesar sobre a comercialização de etanol pelas distribuidoras, mas é preciso reiterar que os pontos colocados anteriormente precisam ser definidos. Além disso, as distribuidoras muitas vezes contam com maior infraestrutura para comercialização do que as usinas.
De modo geral, os impactos da venda direta de etanol devem ser limitados aos pequenos centros em que a usina é próxima ao posto e, na conjuntura atual, isso apenas se aplica para os postos que não são bandeirados.
Canal: O Governo planeja editar uma medida provisória com solução tributária para venda direta de etanol. Para a StoneX, quais devem ser os principais itens para essa MP?
Rafaela: É preciso que haja uma determinação clara de qual será o sistema tributário adotado. Como o objetivo da venda direta é tornar o etanol mais barato nas bombas, a incidência de tributação não pode representar um ônus para as usinas sucroalcooleiras – visto que isso desestimularia a venda direta.
Canal: O que é preciso mudar para que ocorra a venda direta?
Rafaela: Além da clareza na tributação, as usinas seriam beneficiadas pelo fim do compromisso dos postos bandeirados de adquirir etanol das distribuidoras que possuem a marca. Evidentemente, contudo, a aprovação dessa medida pode sofrer pressão por parte das distribuidoras.
Canal: A venda direta pode diminuir o preço do etanol na bomba?
Rafaela: Sim, desde que diminua o custo logístico envolvido na venda de etanol (para as usinas nas quais essa dinâmica se aplica, dado que não são todas que podem ser beneficiadas pela venda direta). Como a medida deve ter impacto limitado nos grandes centros, não deve alterar de maneira significativa o preço do etanol nas bombas.
Canal: As usinas de álcool devem aderir à venda direta aos postos?
Rafaela: Parece interessante para as usinas que entendem ter custos elevados com a comercialização via distribuidora, mas a questão tributária precisa ser definida antes de que isso possa ser avaliado.
Cejane Pupulin / Canal – Jornal da Bioenergia