Prof. Dr. Marcos Fava Neves
Nesta análise mensal seguem os principais números e as reflexões tanto para o curto quanto para o longo prazo da cadeia agroindustrial da cana à partir dos fatos da segunda quinzena de julho e primeira de agosto. No relatório da UNICA, até o final de agosto foram processadas 391,8 milhões de toneladas de cana, 2,3% a mais que na safra anterior. Em açúcar foram produzidas 18,84 milhões de toneladas (19,3% a menos) e em etanol 20,5 bilhões de litros, 33,5% a mais que a safra passada. O destaque vai para o hidratado, onde produzimos 14,15 bilhões de litros, 62,1% a mais. Isto é fruto de um mix de 63,48% para etanol, contra 51,5% no comparativo com o ano passado. O ATR/tonelada está em 138,22 (4,77% maior) e o rendimento em agosto foi de 70 t/ha, queda de 9,9% em relação a agosto de 2017. Na safra temos 78,44 t/ha contra 81,20 t/ha da anterior, quebra esta que deve se intensificar nestes dois meses que faltam com uma safra que deve acabar bem antes.
A produção da última quinzena de agosto mostra uma moagem quase 11% maior comparando com a mesma quinzena da safra anterior, velocidade esta que deve cair com as chuvas que banham nossos canaviais nesta terceira semana de setembro.
Segundo a Archer, o endividamento das usinas chegou a R$ 95,85 bilhões, quase 12,9% maior que no final de agosto de 2017, com um endividamento médio de R$ 157.65 por tonelada de cana moída. Contribuiu a desvalorização do Real. Estudo da RPA mostra que temos hoje 93 usinas fechadas, que conseguiriam moer quase 100 milhões de toneladas. Eram 76 há um ano. As 93 representam 21% das 443 unidades existentes no Brasil e 13% da capacidade de moagem. Destas, que não estão em recuperação judicial ou falidas são 46, que podem moer quase 50 milhões de toneladas. Paradas na maioria por falta de cana. Outras 25 são de grupos em recuperação, que podem moer outras 25 milhões. O restante (22) são de grupos falidos. Acredita-se que 50% desta capacidade possa voltar a operar, num cenário de crescimento de cana.
Raizen anunciou investimento de R$ 153 milhões para uma usina elétrica movida por biogás, via queima de gás vindo da matéria orgânica (vinhaça com extração de potássio, torta de filtro e outros. Este gás pode ainda gerar bio-metano e ser usado em veículos, tratores e colhedeiras, contribuindo muito para a pegada de carbono. Espera-se faturar R$ 40 milhões ao ano com essa unidade. Acredito muito nas possibilidades de mais exemplos como este, que são casos do que chamamos da “economia circular”.
A Volvo já opera caminhões autônomos com um sistema de geolocalização na Usaçúcar, em Maringá (PR). Segundo a Usina, a precisão dos caminhões elimina perdas. O motorista fica dentro do caminhão e retoma o controle para levar à Usina, não pilotando apenas no canavial. É cada vez mais a tecnologia chegando ao campo para construirmos melhores resultados.
Como a próxima safra, ao que tudo indica, deve partir novamente para o hidratado, usinas devem aumentar a infraestrutura para produção de etanol visando este objetivo.
Em relação às reflexões dos fatos e números do açúcar, a OIA (Organização Internacional do Açúcar) estima que teremos dois recordes seguidos de produção. Na safra atual 2017/2018 deve ser de 184,170 milhões de toneladas e em 2018/19 de 185,215 milhões de toneladas. O consumo foi de 175,573 milhões de toneladas em 2017/2018 e será de 178,468 milhões de toneladas em 2018/19, um crescimento de 1,67% (2,9 milhões de toneladas), estimulado por menores preços. Com isto, o superávit do ciclo 2018/19 será de 6,747 milhões de toneladas enquanto que nesta foi de 8,597 milhões de toneladas. Mundo inundado de açúcar, devido a um principal culpado, a Índia.
Depois de muito tempo o Brasil perderá a liderança na produção mundial de açúcar para a Índia, que deve produzir 35 milhões de toneladas contra quase 30 milhões do Brasil. A Índia consome ao redor de 25,5 milhões, portanto inundará o mercado com seu excedente e estoques, mesmo com preços mais baixos que os do mercado interno. Por enquanto a exportação vem sendo dificultada por preços muito baixos. Os subsídios dados pela Índia provavelmente serão questionados pelos outros países exportadores. Com a queda na nossa produção de uma participação de 50% nas exportações mundiais que já chegamos a atingir, devemos ficar em 35%.
Interessante observar que os preços do açúcar caíram cerca de 30% em um ano, e o câmbio também se depreciou quase neste valor, propiciando ao setor no Brasil uma vantagem nos preços do açúcar, uma vez que as moedas da Europa, Índia e Tailândia se desvalorizaram em ao redor de 5,3% para o Euro, 9,6% para a Rupia e 2,5% para o Baht. Mas o duro são os subsídios aos nossos concorrentes. Acredita-se que cerca de 15% da próxima safra de açúcar já esteja fixada a um valor médio de R$ 1.186/t.
A falta de investimentos no Brasil, devido à crise passada pelo setor, corroeu muito nossa produtividade e outros países produtores de cana, bem como o açúcar de beterraba, chegaram mais perto da competitividade da cana brasileira.
Seguimos com o mundo inundado de açúcar e poucas perspectivas de mudanças, mesmo com grande esforço do Brasil de mandar cana para etanol. O mercado interno começa a ajudar, com preços em elevação, puxado pelo câmbio, mais de 7%, chegando a R$ 51,25 a saca de 50 quilos, devendo em breve chegar aos R$ 55. Mas como este tsunami da Índia, fica difícil. Deve ser imediatamente constestada na OMC, ainda mais que está estudando oferecer US$ 617 milhões em subsídios para as usinas exportarem mais, além de ampliar apoio ao transporte de produtos. Pode ser que o apoio atinja 5 milhões de toneladas.
As reflexões dos fatos e números do etanol e energia mostram que em julho foram vendidos pelas distribuidoras 1,553 bilhão de litros de etanol aos postos, impressionantes 47% a mais que julho de 2017 e 4,1% a mais que junho deste ano. O consumo da gasolina caiu 19% e com isto derrubou o consumo dos veículos de ciclo Otto em 8,32% quando comparados com julho de 2017 e 2,7% comparado a junho deste ano e de agosto a julho foi de quase 3% a queda. A participação do hidratado nos carros Otto está em 26,66% (Unica). Em São Paulo chegou-se a quase 50%, mostrando quanto espaço ainda pode ser ganho.
As vendas de etanol no Centro Sul em agosto foram de 1,97 bilhões de litros quase 38% a mais que no mesmo mês do ano anterior. Já se vendeu na safra 12,19 bilhões de litros, 15,7% a mais que na safra passada. Os preços da gasolina devem continuar ajudando. Segundo a Archer estava em 7% a defasagem do preço da gasolina no mercado interno. Petrobras vai usar um mecanismo de derivativos para conseguir manter os preços estáveis por 15 dias, o que deve trazer mais tranquilidade aos compradores e vendedores.
O Conselho Administrativo Defesa Econômica (Cade) reforçou seu pedido à ANP para rever a restrição à venda direta de etanol. Segundo este órgão a restrição não se sustenta sob a ótica concorrencial, tributária, ambiental ou de logística.
Como antecipado aqui, os preços do etanol deram boa subida na última semana de agosto (quase 10%), chegando a R$ 1,59 para o hidratado e R% 1,69 para o anidro (CEPEA), graças ao aumento da demanda. Devem continuar subindo.
Segundo a Asia-Brazil Agro Alliance, com metas de mistura em discussão nos diversos países da Ásia, um adicional de consumo de 19,4 bilhões de litros de etanol poderia existir, chegando a 26,9 bilhões de litros. Finalmente os baixos preços do açúcar fazem a Índia se movimentar nesta direção. Faz 15 anos que proponho que os grandes países produtores de açúcar criem uma “OPEP do açúcar” direcionando ao mercado de etanol parte da cana quando existisse muita oferta. O que o Brasil está fazendo este ano ao tirar açúcar do mercado mundial, caso Índia, Tailândia e Australia fizessem, os preços já subiriam.
Estive em interessante evento da empresa Novozymes realizado em Cuiabá, dois dias intensos de discussão sobre o etanol de milho, incrível o volume de empresários interessados. Nesta safra devemos passar pela primeira vez a marca de 1 bilhão de litros de etanol de milho. Existem planos para pelo menos 12 novas unidades. Segundo a UNEM (União Nacional do Etanol de Milho) usinas no Brasil compraram milho a US$ 1,87 o bushel enquanto que no meio-oeste americano foi de US$ 3,30. A UNEM estima 3 bilhões de litros em 2023 e 8 bilhões em 2030. Devemos crescer bastante neste produto, e com isto estimular também as carnes, para usar o DDG. Pura economia circular!
Onde eu arriscaria agora em setembro/outubro: Resta esperar por mais crescimento do consumo de hidratado. Segundo a UNICA, entre 2 e 8 de setembro o hidratado era mais competitivo que a gasolina em 65% do total de bombas de combustível. Em MT, MS, MG, GO, PR e SP chega a 60% do preço da gasolina. A recomendação é a de seguir fazendo e estocando o máximo possível de hidratado.
(a coleção de textos e áudios pode ser encontrada no site www.historiasdoagro.com.br)
Marcos Fava Neves, especialista em planejamento estratégico do agronegócio, é Professor Titular dos Cursos de Administração da USP em Ribeirão Preto e da FGV em São Paulo.