Levedura silvestre na produção de biodiesel

É possível produzir biodiesel a partir do óleo extraído de um microrganismo que utiliza resíduo industrial – o glicerol – no seu desenvolvimento. Foi o que apurou estudo de doutorado defendido pela engenheira de alimentos Susan Hartwig Duarte, orientado pelo professor colaborador da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) Francisco Maugeri Filho.
Para chegar a essa conclusão, Susan explorou leveduras silvestres (uma classe de microrganismos) isoladas de ecossistemas brasileiros, como a Mata Atlântica, o Cerrado, o Pantanal e a Floresta Amazônica. Ao final, estudou um conjunto de 129 leveduras e selecionou aquelas com maior potencial de acúmulo lipídico, por proporcionar um maior volume de óleo.
A levedura que apresentou um maior potencial nesse aspecto foi a LEB-M3, sigla batizada no Laboratório de Engenharia de Bioprocessos da FEA. Por essa razão, ela passou a ser o foco das análises de Susan e do Grupo de Pesquisa de Engenharia de Bioprocessos, liderado por Maugeri.
A autora da tese conseguiu produzir lipídios (biomoléculas) desse microrganismo presente na natureza, gerando quantidades significativas de óleo no interior da célula da levedura.
A pesquisadora fez uso de glicerol como fonte de energia para o crescimento do microrganismo e, com base nas características do óleo produzido, sugeriu que ele poderá ser destinado à produção de biodiesel. A investigação de Susan, aponta Maugeri, teve em vista o aproveitamento de uma matéria-prima de baixo custo e que atualmente é um grande problema para a indústria de biocombustível. “É que a produção de biodiesel gera uma grande porcentagem de volume do óleo utilizado em glicerol bruto, que infelizmente não demonstra ainda uma finalidade muito específica, e a sua purificação representaria um alto custo”, informa.
Para o orientador da tese, a intenção era alcançar uma mercadoria de maior valor agregado para aplicação desse glicerol bruto, de modo a obter combustível do óleo produzido ou destiná-lo para aplicações mais nobres como por exemplo na indústria de alimentos. “Isso porque o óleo resultante desse microrganismo tem qualidade muito próxima à de um óleo vegetal, sobretudo por conter ácidos graxos como o ômega 3 e o ômega 6, tidos como boas gorduras”, sublinha. O docente opina que esse óleo, provavelmente, tem características muito interessantes para emprego na indústria petroquímica e também farmacêutica e cosmética.

SELEÇÃO

Segundo Susan, todas as leveduras que apresentam mais de 20% da sua massa seca em lipídios podem ser classificadas como leveduras oleaginosas. A pesquisadora destaca que fez uma identificação genotípica da levedura oleaginosa selecionada no projeto como uma Candida sp. Além disso, meios de cultivo, otimização de meio e parâmetros de cultivo, como agitação/aeração, foram estudados em biorreator de bancada. Ela também analisou o perfil de ácido graxo do material produzido, de grande relevância para a identificação dos possíveis usos para o óleo. Verificou então que esse perfil era parecido com o dos óleos vegetais, principalmente aqueles usados na produção de biodiesel.
Esses lipídios, conforme a autora, são formados intracelularmente e não são fáceis de serem extraídos porque a célula do microrganismo é bastante rígida. Portanto, a doutoranda recorreu a um estudo de ruptura celular, em busca de um método eficiente e alternativo para recuperar o óleo. Nesta etapa, avaliou diferentes técnicas físicas e químicas para romper a célula e facilitar a posterior extração.
A pesquisadora também optou por fazer alguns experimentos de extração do óleo com dióxido de carbono supercrítico (que tem a densidade próxima à de um líquido e possui baixa viscosidade se difundindo como um gás). Trata-se de uma tecnologia nova e indicada para a extração de compostos de microrganismos, além de ser menos agressiva. “Os resultados foram bastante promissores”, garante.
Tem mais: como o processamento de biodiesel requer um catalisador (normalmente o mais adotado industrialmente são catalisadores químicos), Susan escolheu uma enzima para catalisar a reação, que no caso foi a lipase.
As enzimas, entre tantas vantagens de aplicação neste processo, podem ser reutilizadas quando sofrem imobilização num suporte adequado. “Quando a produção de biodiesel chegava a um determinado rendimento, a enzima tinha condições de ser reutilizada. É que, quando imobilizada, mostra maior estabilidade, garantindo que não ocorram modificações nas características que são desejáveis no processo.”
A pesquisadora acredita que ainda não exista no setor industrial a produção de biodiesel por lipídios microbianos no qual adotem-se enzimas como catalisadoras. “Assim, esse nosso processo é algo muito inovador.”
EXPERIÊNCIA
Durante o seu doutorado, Susan esteve visitando a Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha, onde permaneceu por seis meses para uma missão bem-definida: aplicar o óleo obtido para a produção de biodiesel. Esta parte do trabalho foi realizada sob orientação do professor espanhol Francisco Valero no Laboratório de Biocatálise Aplicada.
O grupo dessa Universidade, revela, já somava experiência na parte de produção de biodiesel com enzimas, porém com óleos de outras origens. “Levamos para lá o óleo de levedura e ele foi muito bem-aceito”, realça.
De acordo com Susan, essa pesquisa permitiu ver uma fonte alternativa de óleo para a produção de biodiesel, porque as fontes de óleo mais empregadas no momento são a soja, o amendoim, a mamona e o girassol, entre outros, que exigem o seu plantio em grandes áreas de terra cultiváveis, o que acabaria competindo com o setor alimentício – uma disputa por espaço de terra.
A pesquisadora relata que o maior gargalo do seu estudo esteve na etapa de ruptura celular e de extração dos lipídios. A seu ver, também deveriam ser estudadas e colocadas em prática metodologias menos agressivas para a recuperação de óleos.
É que, em laboratório, via de regra utiliza-se o clorofórmio e o metanol para extração, e, no setor industrial, o hexano. Ocorre que esses solventes são potencialmente tóxicos. Com isso, existe a necessidade de buscar novas alternativas para evitar danos, inclusive pela inalação desses solventes.
Hoje em dia, revela a doutoranda, todo diesel empregado no transporte público brasileiro deve conter 7% de biodiesel em sua composição. Essa é uma exigência da lei e por isso é relevante desvendar outras novidades na produção de biodiesel para cumprir o que designa a legislação.
Cada vez mais tem sido estimulado no país o aumento do percentual de biodiesel adicionado ao diesel, visto que este biocombustível não é originado do petróleo, porque acima de tudo é uma fonte renovável de energia, constata a engenheira de alimentos. Unicamp

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