O sebo de origem animal, proveniente principalmente da pecuária e da pesca, está sendo utilizado como matéria-prima para a produção de biodiesel. Ao invés de descartar todo esse produto, como se fazia anteriormente, agora ele é reaproveitado. De acordo com o superintendente da Associação dos Produtores de Biodiesel do Brasil (Aprobio), Julio Cesar Minelli, tem sido notável a produção de biodiesel a partir de resíduos animais no Brasil. “Há produção principalmente a partir do sebo bovino. Sua participação na curva de matérias-primas do biodiesel tem subido a cada ano, ainda que seja percebida uma pequena queda em percentual nos anos de 2010 e 2014.
Em 2013, mais de 520 mil toneladas de sebo foram convertidas em biodiesel, chegando a mais de 610 mil toneladas no ano de 2014”, destaca. Trata-se de um aumento de 17%, que acompanhou o crescimento da produção e do consumo de biodiesel no País.
Já a utilização da gordura de frango para esse fim ainda é inexpressiva. “Essa gordura representa 0,1% do biodiesel produzido nos Estados da região Centro- Oeste, ou 0,04% no Sul, as duas regiões maiores produtoras do biocombustível no País. Também há a de porco, com percentuais diminutos pois, assim como a de frango, possui como destino principal a produção de rações para animais domésticos, que garantem um maior valor agregado”, afirma o superintendente.
De acordo com o boletim mensal do biodiesel da ANP de fevereiro, o Sudeste foi campeão de utilização de gordura bovina como matéria-prima utilizada na produção de biodiesel, num total de 60,85%. Já com relação à gordura de porco, quem utilizou mais foi a Região Sul, com 1,43%, que também apresentou o maior percentual relacionado à gordura de frango: 0,04%.
Características
A oportunidade de utilização das gorduras animais na produção de biodiesel é interessante, tanto por representar uma fonte de matéria-prima alternativa, quanto por dar destino a um resíduo considerado passivo ambiental.
Da mesma forma que o biodiesel obtido do óleo de soja, o obtido de gorduras animais também é constituído de ésteres que derivam de ácidos graxos de cadeias saturadas e insaturadas. No entanto, o biodiesel obtido de gordura animal apresenta um maior teor de saturados. “Sendo assim, há que se atentar para essa composição que irá refletir em algumas propriedades do biodiesel”, ressalta a pesquisadora da Embrapa Agroenergia, Itânia Soares.
A pesquisadora explica que os ésteres de cadeias saturadas são menos suscetíveis a degradação por oxidação que os ésteres insaturados mas, por outro lado, solidificam-se mais facilmente. Essa característica, na prática, ocasiona o entupimento de bicos injetores, comprometendo a queima eficiente do combustível.
“O biodiesel de soja apresenta cerca de 13% de saturados contra 43% da gordura suína, 47% da gordura bovina e 28% da gordura de frango. O que normalmente se faz é utilizar a matéria-prima de origem animal em mistura com o óleo de soja, que dilui esses saturados”, esclarece a pesquisadora. O teste feito para verificar a propriedade de fluxo a frio no biodiesel é o ensaio de ponto de entupimento de filtro a frio. O ensaio indica a que temperatura o combustível começa a solidificar.
Recentemente foi apresentado pela Embrapa Agroenergia um trabalho sobre a utilização da gordura bovina juntamente com óleo de soja na produção de biodiesel. Ainda não publicado, ele indica que uma mistura contendo 50% de sebo bovino no óleo de soja seria segura para a região Sul do Brasil, durante o inverno. Nos demais meses e demais regiões do País seria seguro utilizar uma mistura contendo 62,5% de sebo bovino.
Matérias-primas
Julio Cesar Minelli aponta que, das matérias-primas mais utilizadas para a produção de biodiesel se destaca a soja, com 74,8% no ano passado, seguida da gordura animal, sendo a mais empregada o sebo bovino, com 20,3%. Ele afirma que a produção com o sebo bovino é a mais viável economicamente. “Além de agregar valor à cadeia da carne bovina, seu emprego na fabricação de biodiesel contribui para que seja dado um uso ambientalmente correto a essa matéria-prima, que antes chegava a ser um rejeito e nem sempre tinha a melhor destinação, sendo por vezes enterrada e gerando contaminação do solo.”
Com o novo mercado, esclarece Minelli, a indústria da reciclagem animal se desenvolveu e conta com aproximadamente 125 unidades industriais, sendo que parte dessas empresas também fornece para a produção de biodiesel. No caso da gordura suína e de frango, seu uso é mais para a cadeia alimentar animal, na forma de ração. Por isso uma parcela mínima destas matérias-primas é utilizada nas usinas de biodiesel. Mesmo que 100% da gordura animal fosse transformada em biodiesel, ela seria responsável por cerca de 40% do biocombustível processado.
Entre as vantagens desse tipo de produção, Minelli destaca o reaproveitamento do que antes era refugo da indústria frigorífica, o que se traduz em mais uma forma de o uso do biodiesel reduzir a poluição ambiental, não somente do ar – durante a combustão –, mas a do solo e leitos de rios na sua produção. “Só de óleo reutilizado de cozinha, mais de 32 milhões de litros foram empregados no ano passado para processar biodiesel. Imagine esse óleo todo em córregos e cursos d’água?”
Já com relação às dificuldades, o destaque de Minelli fica para o uso de um sebo bovino de menor qualidade, seja pela alta acidez, contaminação ou umidade elevada, o que demanda das usinas um aumento do uso de insumos, para que o biodiesel produzido atenda às especificações da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). “Isso, por sua vez, aumenta o custo da usina na produção do biodiesel e reduz seu poder de competitividade na hora de ofertar os lotes nos leilões de venda da ANP.”
Por outro lado, quando o sebo é de boa qualidade, o biodiesel produzido supera com grande folga a exigência de estabilidade à oxidação e possui maior número de cetanos, melhorando ainda mais a performance de combustão.
Óleo de peixe
A Petrobras Biocombustíveis iniciou em janeiro deste ano a produção de biodiesel a partir de olho de peixe. A ação é realizada na usina de Quixadá (CE), e a matéria-prima é extraída das vísceras de peixes, conhecida como óleos e gorduras residuais (OGR) de peixe.
Em dezembro de 2014 foram recebidos 4,55 toneladas do OGR, fruto do contrato de compra firmado com a Cooperativa dos Produtores do Curupati, em Jaguaribara (CE). A expectativa da empresa é adquirir, em média, 15 toneladas por mês do produto, o que diversifica as alternativas de matéria-prima da usina de biodiesel de Quixadá.
Conforme declarou por meio de nota, a Petrobras Biocombustíveis considera que o uso do óleo extraído das vísceras do pescado na produção traz vantagens a ambas as partes. Para a companhia, assegura biodiesel com matéria-prima de qualidade, além de a iniciativa estar alinhada ao Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, condição necessária para garantir o Selo Combustível Social do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Alto poder energético
O sebo bovino tem se destacado desde o início do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) como a segunda matéria-prima mais utilizada na produção de biodiesel. O diretor executivo da Ubrabio, Sergio Beltrão, acredita que isso significa que a produção de biodiesel está contribuindo, além dos mercados tradicionais, como o de sabão e cosméticos, para uma nova destinação sustentável de parte do volume de sebo, um subproduto da pecuária de corte que não conseguia colocação integral no mercado pelas graxarias e acabava transformando-se num passivo ambiental.
“Desde o início do PNPB, foram incorporados: sebo bovino, suíno (banhas) e avícolas (gorduras diferentes de abatedouros de aves). Antes da implementação do PNPB, grande parte desses tipos específicos de resíduos animais eram descartados de forma inadequada no meio ambiente, poluindo cursos d’água”, relembra Beltrão.
Atualmente, cerca de 50% do sebo bovino são destinados à produção de biodiesel. Após o advento do PNPB, o preço desse material passou a ter uma forte correlação com o óleo de soja.
O gerente de mercado interno da Associação Brasileira de Reciclagem Animal (Abra), Vinicius Marques Oliveira, comenta que a principal característica do sebo animal é seu poder energético. “No caso do biodiesel, além de ser uma matéria de menor custo e não competir com o consumo humano, tem o número de cetano maior que o do óleo vegetal, o que permite combustão mais eficiente em motores diesel.” Assim, o comportamento dos preços para gordura animal está em sintonia com o de origem vegetal, sendo que o de origem animal é mais competitivo por não concorrer com o consumo humano.
Vinícius comenta que, até 2007, os mercados consumidores de gordura animal eram a Ração animal, indústria de higiene e limpeza e queima em caldeiras industriais. “Com o biodiesel, o óleo animal obteve uma agregação de valor interessante, porém o custo de aquisição, transporte e processamento dos resíduos de origem animal, fonte desta gordura, subiram significativamente. Ainda assim é um mercado interessante”, pontua.
Conforme informações da Abra, em 2013, de um total de 1,4 milhão de toneladas de sebo bovino, cerca de 41% foi para o biodiesel. Com o B7 há uma expectativa de que este mercado absorva 60% da produção nacional em 2015, o que significa algo entre 800 e 900 mil toneladas.
Ana Flávia Marinho-Canal-Jornal da Bioenergia