Por Roberto Hollanda e Mário Campos
Introdução
O Brasil é o maior exemplo mundial de substituição de combustíveis fósseis por renováveis. Essa condição faz de nosso País protagonista como exemplo de políticas de descarbonização ao mesmo tempo em que enseja fundamental questionamento sobre qual será nossa posição em um futuro em que os paradigmas de mobilidade estão passando por uma revolução.
Para construir propostas para o futuro é importante antes entender o passado, revisitar a trajetória de construção desse projeto exitoso, analisando no processo suas virtudes e falhas.
O debate é relevante para o País à medida que dele depende não só o mencionado protagonismo ambiental, que pode ser ainda mais destacado, mas também um setor que emprega milhões de pessoas e tem um vetor de desenvolvimento sustentável, sobretudo no interior, em consonância com a necessidade de crescimento do Brasil.
Mais que isso, em um momento em que o mundo está redefinindo seus paradigmas de consumo e produção de energia, em uma clara orientação para as energias renováveis, é fundamental que o Brasil saiba optar pelo caminho que seja mais compatível às características e potenciais do País.
História
A cultura da cana-de-açúcar se confunde com a própria história do Brasil e não é surpresa que o álcool combustível já era utilizado nos anos 1920, quando um carburante denominado USGA, constituído por 80% de etanol e 20% de éter, começa a ser produzido pela Usina de Serra Grande, em Alagoas. Em 20 de fevereiro de 1931, foi instituído o Decreto nº 19.717 que tornava obrigatória a mistura de, no mínimo, 5% de etanol à gasolina importada, com a finalidade de incentivar a utilização do álcool como combustível.
Na década de 1970 aconteceu o primeiro choque do petróleo. O preço médio anual do barril, US$2.96 em 1970 alcança os US$12,52, comprometendo a balança comercial Brasileira em uma época em que ainda não se falava em segurança energética. O Governo Brasileiro reagiu, com a criação do Programa Nacional do Álcool – Proálcool em 14 de novembro de 1975 pelo decreto n° 76.593. O objetivo era de estimular a produção do álcool, incentivando a expansão da oferta, tanto através da modernização e instalação de novas destilarias, quanto do aumento da produção agrícola, de forma a atender as necessidades de uma nova política de combustíveis e reduzir as importações de petróleo.
Na fase inicial do Proálcool, entre 1975 e 1979, o direcionamento era voltado à produção de etanol anidro para mistura com a gasolina, em proporções entre 10% e 20%. A produção de álcool cresceu de 600 milhões de litros na safra 1975/1976 para 3,4 bilhões de litros na safra 1979/1980.
O lançamento do primeiro carro movido exclusivamente a álcool, em 1979, deslancha a segunda fase do Programa, de consolidação. Ao mesmo tempo, acontecia o segundo choque do petróleo, quando as importações chegaram a representar 46% da pauta do País.
O Governo Federal criou o Conselho Nacional do Álcool — CNAL e a Comissão Executiva Nacional do Álcool — CENAL para acelerar o Programa. A produção chegou a 12,3 bilhões de litros na safra 1986/1987. Na mesma direção, a proporção de carros a álcool passou de 0,46% em 1979 para 26,8% em 1980 e 76% em 1986 do total produzido de automóveis de ciclo Otto no Brasil.
Um terceiro momento do Proálcool é caracterizado nos dez anos entre 1986 e 1995, dessa vez a estagnação é a característica. A partir de 1986 os preços internacionais do barril de petróleo descem do patamar de US$30.00 para níveis entre US$14.00 e US$20.00. O momento coincide com a redução da oferta de recursos do Governo para subsidiar a expansão de programas alternativos de energia.
Por outro lado, os preços de etanol — controlados pelo governo — continuavam atrativos e a participação de carros movidos exclusivamente a álcool, que tinham tratamento tributário diferenciado, superava os 95% em 1986.
A consequência da combinação de tais fatos foi a crise de abastecimento de 1989/1990, tema de muita controvérsia no setor. Apesar de ter tido curta duração, abalou a credibilidade no Proálcool, acarretando desinteresse do consumidor, quer pelo combustível quer pelos veículos. Nos anos 1990, a indústria automobilística voltou-se para a produção de modelos padronizados mundialmente, foram liberadas as importações de veículos e começou a política de incentivos de carros de mil cilindradas a gasolina.
Entre 1990 e 1995, uma nova fase se apresenta. O setor sucroenergético experimentou uma mudança significativa, a desregulamentação. O cenário em que investimentos, produção, comercialização e preços eram regulados pelo governo deixou de existir. Como toda revolução, deixou traumas, mas o resultado foi positivo, com expansão da produção de açúcar e atendimento do mercado de etanol. Em agosto de 1997 foi criado o Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool — CIMA com a finalidade de elaborar políticas públicas para o setor.
Em maio de 2000 é estabelecido por Medida Provisória que a mistura de álcool anidro na gasolina será feita dentro de um intervalo entre 22% e 24%. Desde março de 2015 a mistura de etanol anidro na gasolina é 27%.
O álcool passou a ser chamado de etanol nos anos 2000 com sua internacionalização e a chegada dos EUA como um grande player mundial. O Brasil usa dois tipos de etanol carburante. O hidratado, vendido nos postos revendedores para abastecer veículos flex ou dedicados a etanol, deve ter graduação alcoólica entre 95,1% e 96%. O etanol anidro é misturado à gasolina e tem graduação alcoólica de no mínimo 99,6%.
Em 2003 acontece outro momento decisivo para a trajetória do agora chamado etanol no Brasil: o lançamento do primeiro carro flex, uma tecnologia que dá ao consumidor o poder de escolha entre etanol e gasolina, em qualquer proporção, no momento do abastecimento. Os carros flex tiveram grande aceitação no País, ao ponto em que praticamente todas as marcas de veículos possuem modelos com essa característica. Hoje, 87,04% das vendas de veículos novos são de flex, que têm uma fatia de 72,7% da frota circulante de ciclo Otto (2021).
A cana-de-açúcar chegou ao Brasil ainda no século XVI, nosso País sempre foi um agente importante no cenário mundial de açúcar. A partir do Proálcool, no entanto, a destinação da matéria-prima caminhou para a produção de etanol até o nível atual, entre 45% e 50% do mix de produção para etanol. Ainda assim, o Brasil é o maior produtor e exportador de açúcar do mundo.
A partir de 2012 uma nova matéria prima ganha destaque na produção de etanol, o milho. Com rápida expansão, a produção já conta em 2022 com 17 unidades em operação e produz 3,8 bilhões de litros por ano. A perspectiva é atingir 8 bilhões de litros até o ano de 2030. A produção de etanol a partir do milho gera também co-produtos destinados à alimentação de gado e outros tipos de proteína animal. Uma outra característica é que no Brasil se usa madeira de reflorestamento para geração de energia para as indústrias, mais uma vantagem ambiental. (Fonte: UNEM – União Nacional do Etanol de Milho).
O setor sucroenergético também evolui para a produção do etanol de segunda geração – E2G ou etanol celulósico. No processo de fabricação a celulose do bagaço e da palha da cana é convertida por enzimas em açúcares que por sua vez são fermentados para a obtenção do etanol. O reaproveitamento do bagaço e da palha proporciona um aumento em até 50% na produção de etanol sem aumento de área plantada. Ainda, esse biocombustível avançado apresenta um índice de 30% menor de emissão de gases do efeito estufa, se comparado ao etanol de primeira geração.
Fonte: Raízen
Aspectos sociais e ambientais da produção de etanol
O setor é responsável pela geração de empregos ao longo de toda sua cadeia produtiva, desde o plantio e colheita, trato dos insumos, material agrícola, fertilizantes ou até mesmo para o processo na usina e em toda a planta industrial. Em estudo realizado pela Agência Internacional de Energia Renovável, revelou que o setor de energia renovável empregou 10,3 milhões de pessoas no mundo em 2017, direta ou indiretamente, com um aumento de 5,3% em relação ao ano anterior. Segundo o relatório do IRENA, foram 795 mil oportunidades nos biocombustíveis líquidos, 42 mil em aquecimento solar, 34 mil em energia eólica, 12 mil em pequenas hidroelétricas e 10 mil em energia solar fotovoltaica. Os dados da agência mostram que dez países responderam por 90% dos empregos globais em biocombustíveis, liderados pelo Brasil com 34%, seguido pela Indonésia, Estados Unidos, Colômbia, Tailândia, Malásia, China, Polônia, Romênia e Filipinas. Atualmente, segundo o sistema RAIS (2020) o setor sucro apresenta 695.132 empregos formais diretos em todo o Brasil, é possível avaliar o estoque de empregos relacionado apenas à fabricação de álcool, através de seu respectivo CNAE.
Para além disso, a indústria sucroenergética tem grande capilaridade, sendo um poderoso indutor de investimentos e empregos indiretos, à razão de cerca de três empregos indiretos para cada emprego direto gerado. Isso se dá à medida que o Brasil produz todos os bens de capital, estrutura de manutenção, atividades agrícolas, incluindo pesquisa e desenvolvimento, entre outros.
O etanol também apresenta indicadores positivos quando avaliados os aspectos ambientais atrelados à sua aplicação, que são ainda maiores se sua utilização ocorrer em detrimento de combustíveis fósseis. Estudos relacionados inclusive à queima de combustíveis fósseis versus biocombustíveis demonstram impactos positivos na saúde humana sob a ótica de emissão de particulados, dados explicitados pela EPE – Empresa de Pesquisa Energética em pesquisa realizada na região metropolitana de São Paulo, através da ferramenta AirQ . Os resultados apontam que o uso do Etanol contribuiu para uma redução de 7,2% de particulados associada ao setor de transporte, e com um aumento de 13 dias na expectativa de vida daquela população. Estima-se que, anualmente, 371 mortes sejam evitadas por complicações da poluição de particulados na RMSP. Testou-se também um aumento de 10% do uso de etanol para atendimento à demanda do ciclo Otto, o que resultou em uma diminuição de 0,3% da emissão de particulados de veículos leves na referida região.
Outro aspecto essencial que irá determinar o futuro da mobilidade é em relação às emissões de CO² de cada combustível, e diversos engajamentos já existentes em prol da sustentabilidade trouxeram consigo avanços e descreveram diversas vantagens que o Etanol possui para a atual transição energética, por exemplo, desde 2003, ano do lançamento dos carros flex, a dezembro de 2021, seu uso evitou quase 600 milhões de toneladas de CO2 de serem lançadas na atmosfera. Para efeito semelhante na natureza seria necessário cultivar quatro bilhões de árvores pelos próximos vinte anos. Essa baixa pegada de carbono recolocou a qualidade do ar de São Paulo, a quarta cidade mais populosa do mundo, dentro dos padrões estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Para que seja possível comparar de maneira efetiva as emissões, é necessário realizar uma análise do ciclo de vida de cada rota, considerando o CO² desde a obtenção do combustível em sua forma bruta, refino e transporte, até a combustão nos motores dos veículos.
Tudo muda a favor do etanol de cana quando se consideram as emissões “do poço à roda”, pois o etanol é considerado um hidrocarboneto reciclável e quase todo o CO2 emitido após a combustão no motor é reabsorvido pela própria plantação de cana.
Aliada às novas metas e compromissos com a neutralidade de carbono e matriz energética verde, muitos programas e políticas públicas têm sido criadas com o propósito de incentivar a produção e uso de fontes renováveis. No Brasil, um dos destaques é o Renovabio, cuja preocupação se refere à segurança energética, a previsibilidade do mercado e a mitigação de emissões dos gases causadores do efeito estufa no setor de combustíveis. O programa é composto por três principais eixos estratégicos: Metas de descarbonização, certificação da produção de biocombustíveis e crédito de descarbonização (Cbio), cada crédito representa uma tonelada de CO² que deixou de ser emitido, e também é um título negociável na bolsa de valores, o que traz uma grande oportunidade como vetor de investimentos.
Segundo o Ministério de Minas e Energia, “No primeiro eixo, anualmente o Governo estabelece metas nacionais para dez anos, as quais são desdobradas para os distribuidores de combustíveis, que são a parte obrigada da política. No segundo eixo, os produtores voluntariamente certificam sua produção e recebem, como resultado, notas de eficiência energético-ambiental. Essas notas são multiplicadas pelo volume de biocombustível comercializado, o que resulta na quantidade de CBIOs que determinado produtor poderá emitir e vender no mercado, o que é o terceiro eixo.
1 CBIO equivale a 1 tonelada de emissões evitadas, que equivale a 7 árvores em termos de captura de carbono. Até 2029, serão compensadas as emissões de gases causadores de efeito estufa que representam a plantação de 5 bilhões de árvores, o que equivale a todas as árvores existentes na Dinamarca, Irlanda, Bélgica, Países Baixos e Reino Unido juntas.”
A sustentabilidade do etanol aumentou ainda em outra frente, quando o setor assumiu compromissos para o abandono da prática de queima da palha da cana para colheita. Foram estabelecidos percentuais crescentes para a proibição da prática, até sua eliminação total em 2021 (áreas mecanizáveis) e 2031 (áreas não mecanizáveis) e fixados novos requisitos e limites para a queima da palha da cana, ressalvada a sua suspensão pela autoridade ambiental quando
I- constatados e comprovados risco de vida humana, danos ambientais ou condições meteorológicas desfavoráveis; II- a qualidade do ar atingir comprovadamente índices prejudiciais à saúde humana, constatados segundo o fixado no ordenamento legal vigente; III- os níveis de fumaça originados da queima, comprovadamente, comprometam ou coloquem em risco as operações aeronáuticas, rodoviárias e de outros meios de transporte” (art. 7º da lei nº 11.241/02).
Etanol no mundo
O bom exemplo do Brasil no que tange à descarbonização da matriz energética através do uso do etanol tem servido para muitos outros países. Segundo o Biofuels Digest o uso de etanol anidro como aditivo à gasolina já utilizado em mais de cinquenta países.
São vários os motivos, a começar pela falta de barreira tecnológica ou investimentos em novas frotas ou motorização. Mais importante, o resultado em termos ambientais é imediato, ao contrário do processo de eletrificação de frota, lento e demandante de forte investimento em termos de subsídios.
Na América Latina, vários de nossos vizinhos, como Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Colômbia, Peru e Bolívia já adotam diferentes níveis de mistura de etanol anidro à gasolina, com destaque ao Paraguai, que adota blend de 25%. Existe um constante intercâmbio entre os países no sentido de adotar políticas mais extensas de descarbonização, já que todos são países capazes de produzir biomassa destinada à produção de etanol
Além de países na América Central, como Jamaica e Panamá, a América do Norte tem o México e os Estados Unidos da América são o maior exemplo, com mistura de anidro mandatória de 10% e optativa em 15% representam consumo próximo ao dobro do que o Brasil consome.
A Europa, por sua vez, teve reconhecido o papel do etanol na descarbonização, tendo aprovado no Parlamento Europeu o Renewable Energy Directive Proposal – RED III um limite de mistura de 7% para etanol. Curiosamente, têm havido críticas a esse limite, no sentido de que deveria haver liberdade para a adoção de maiores percentuais, bem como que a política de eletrificação de frota não deve ser a única opção do continente. Ainda assim, países como Reino Unido, Ucrânia e França já utilizam o etanol misturado à gasolina.
Na Ásia e Oceania, cerca de uma dezena de países também adotam o etanol como estratégia. A Índia merece destaque, caminha para um ousado programa de substituição de gasolina por etanol, com o objetivo de tirar proveito de três outras vantagens do combustível verde, a demanda por cidades menos poluídas, segurança energética e desenvolvimento da produção agrícola local. Com mistura de 10% hoje, tenciona chegar a 20% de teor de anidro na gasolina já em 2024, além de estar em preparação para o uso de veículos com tecnologia flex que possam rodar apenas com etanol.
Futuro da mobilidade sustentável
O setor de transportes é reconhecido como um dos grandes vilões das emissões de gases de efeito estufa no mundo e a substituição dos motores a combustão por equivalentes elétricos tem sido amplamente aceita como a melhor alternativa.
Considerando as ferramentas e tecnologia disponíveis hoje, provavelmente será esse o caminho, no entanto, a questão merece uma análise mais profunda. Existem alternativas, não só sobre que modelo de eletrificação se deve buscar, como também a transição para se chegar a esse ponto.
No caso dos carros elétricos que usam baterias, começam a chamar atenção vários pontos que põem em dúvida a alternativa. Os minerais usados são finitos e a reciclagem ainda não supera o fluxo de demanda. A concentração da mineração em países que não tem a correta disciplina no que tange a boas práticas trabalhistas e o descarte das baterias utilizadas é outro ponto de atenção. A infraestrutura de abastecimento demandará investimentos bilionários, bem como o valor que os Países terão que investir em subsídios para tornar mais acessível a compra dos veículos elétricos. Com a maior compreensão do conceito de emissões do poço à roda, de pouco adianta os veículos elétricos não terem emissões diretas se a eletricidade que usam é gerada a partir de fontes “sujas”, que utiliza combustíveis fósseis. Finalmente, o processo de substituição de uma frota de veículos com motor a combustão por elétricos, ainda que com pesados subsídios, demoraria décadas.
Trazendo para a realidade brasileira, a opção por uma estratégia voltada apenas para carros elétricos seria não só danosa ao país, como inaplicável. O custo dos veículos é muito acima da média dos carros vendidos no País e o Brasil não deveria lançar mão de subsídios que chegam a nove mil Euros por carro, concedidos na Europa. Além disso, criar um grid para pontos de abastecimento desse tipo de veículo custaria centenas de bilhões de reais.
O Brasil tem alternativa mais condizente com a sua realidade e seu potencial como produtor de biomassa. Já conseguimos com etanol indicadores de redução de emissões significativos. Um veículo elétrico abastecido com eletricidade gerada na Europa emite até 130 gCo2/km, enquanto um carro flex usando etanol emite até 55 gCO2/km. O recente lançamento de modelos híbridos flex potencializa a vantagem do etanol, com emissões entre 25 gCO2/km e 35 gCO2/km.
Resta evidente que não seria o caso de fechar totalmente os olhos para os carros a bateria, entendemos que haverá mais de uma solução e que as mesmas haverão de conviver. Ainda assim, o Governo Brasileiro tem que estar alerta e aproveitar o momento para evoluir a nossa estratégia de mobilidade de acordo com a vocação do País.
Após décadas sendo tratado como uma fonte de energia de grande potencial disruptiva para o futuro, mas com significativos desafios tecnológicos e de mercado, o hidrogênio tornou-se um objetivo estratégico de governos e empresas em todo o mundo. Assim, além dos mercados já tradicionais de fertilizantes, refino e outros usos industriais e hospitalares, novos mercados para o hidrogênio poderão ser desenvolvidos nos segmentos de transporte, geração elétrica, armazenamento de energia e para o setor de combustíveis, inclusive para a matriz de transportes. Possui características que irão contribuir para a descarbonização de diversos setores. Possibilita a instalação e a integração de fontes renováveis de energia em grande escala, atua como armazenador de energia para aumentar a eficiência do sistema e evitar desperdício, possibilita a geração de energia descentralizada em setores e regiões, e por fim, sua aplicação descarboniza setores como o de transporte ao possibilitar emissão veicular zero, o setor industrial e descarboniza também o setor residencial por produzir calor e eletricidade.
Em particular, o mercado de hidrogênio ganhará força a partir de políticas energéticas pós-pandemia para a retomada da economia e acelerar a transição energética em diversos países.
Com o hidrogênio ganhando força em todo o mundo, o etanol adquire um papel importante em sua cadeia, servindo inclusive de fonte de origem para se obter hidrogênio, já que a molécula de etanol tem três átomos de hidrogênio para cada átomo de carbono, relação muito superior a outras fontes de obtenção do gás.
No caso brasileiro, a atual infraestrutura junto aos inúmeros investimentos das grandes marcas automobilísticas, torna o etanol uma opção ainda mais valiosa frente aos veículos a bateria, utilizando-o nos veículos com tecnologia de células de combustível, isto é, um veículo elétrico com tanque de etanol e um reformador que irá retirar o hidrogênio presente no biocombustível e então gerar a eletricidade que o carro usará para se locomover.
Conclusão
“Etanol como opção brasileira para a mobilidade sustentável do futuro” é o título desse artigo e o momento dessa discussão é de grande importância para o nosso País. O mundo atravessa hoje uma revolução na qual estão sendo discutidos – escolhidos – novos paradigmas de mobilidade. A agenda ESG, acrônimo para meio-ambiente, sustentabilidade e governança tem dado o tom para guiar as mudanças que estão a caminho.
Dois tristes fatos nesse começo da segunda década do século XXI – a pandemia de COVID-19 e a guerra entre Rússia e Ucrânia reforçaram a relevância dessa transição, dando força às questões ambientais e mais ainda ao conceito de segurança energética.
Sustentabilidade, em seu conceito mais amplo, é o delicado equilíbrio entre o ambientalmente correto, o socialmente justo e o economicamente viável. É positivo o fato de esse tripé governe a transição que vamos viver.
Nosso País não ficará fora dessa transição. No entanto, temos que saber escolher o caminho certo para o Brasil, aproveitar nosso potencial que é imenso e trazer o máximo de resultados para nossa economia, nosso povo.
Quanto ao meio-ambiente, nossas metrópoles tem qualidade do ar notavelmente melhores que as de outros países, também graças ao uso do etanol em larga escala. Nesse aspecto, há que ser considerado o conceito de inclusão ambiental, já que a boa qualidade do ar chega também nas periferias urbanas.
Na produção a partir da cana-de-açúcar, a mecanização alcança quase a totalidade da matéria-prima e o processo produtivo aproveita os resíduos, desde o bagaço e palha, utilizados para produção de bioeletricidade, até a vinhaça e torta de filtro como biofertilizantes.
Levando em conta o conceito de ciclo de vida dos combustíveis, considerado o conceito de emissões “do poço à roda”, nossos veículos flex emitem hoje menos poluentes que os veículos elétricos na Europa, que tem uma matriz energética mais suja que a nossa.
Dominamos a tecnologia em todos os níveis da cadeia. Para a cana-de-açúcar, existem vários centros de pesquisa que focam em variedades mais produtivas em cada ambiente de produção e épocas de plantio e colheita, o mesmo acontecendo para o milho. Na indústria, independente da matéria-prima, o Brasil tem tecnologia em todas as fases do processo, também com constante inovação, haja visto a evolução das unidades que produzem com milho e/ou cana e as unidades dedicadas a milho com uso de energia limpa a partir de biomassa.
Em todo o País, as cidades vizinhas a usinas registram expressiva evolução em todos os indicadores de desenvolvimento, trazendo riqueza e empregos para o interior. As médias salariais têm destaque quer no emprego agrícola, quer no industrial.
O fator geopolítico é outro determinante. Com uma matriz de ciclo otto 44% renovável, domínio de produção de matérias-primas, bens de capital e tecnologia veicular, ganhamos a condição de potência verde a ser copiada. Podemos ser exportadores não só do bom exemplo, mas de produtos e tecnologias “made in Brazil”. O uso de etanol dá efeito imediato na descarbonização de transportes, o que tem chamado a atenção de outros países que começam a ter interesse em fórmulas como o RenovaBio.
Todas essas conquistas, que vêm do passado, colocam o Brasil em uma posição privilegiada para o futuro. O caminho que consolidou o Brasil como exemplo de descarbonização abre as portas para sermos protagonistas em uma nova realidade energética. Estamos a poucos passos de agregar ao etanol de primeira e segunda geração novos produtos como biogás/biometano, bioquerosene de aviação e sobretudo hidrogênio.
Está na hora de ampliar essas as vantagens. As condições existem e o Brasil precisa incentivar e criar políticas públicas nessa direção. Programas como RenovaBio, Rota 2030, Combustível do Futuro devem ser não só respeitados como ampliados.
Essa é a estratégia que propomos.
Mário Campos
Presidente do Fórum Nacional Sucroenergético e presidente da Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais(SIAMIG).
Roberto Hollanda
Diretor-executivo do Fórum Nacional Sucroenergético.
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