Opinião/O que o agronegócio deve esperar das mudanças na economia internacional

O mundo como um todo vem passando por mudanças importantes a partir da crise de 2008, decorrente do descontrole financeiro iniciado nos Estados Unidos. A crise resultou em boa parte do excesso de otimismo em relação ao crescimento e da desregulamentação financeira excessiva no contexto de forte ímpeto da globalização que se seguiu à queda da União Soviética.

As respostas à crise foram o salvamento de empresas e bancos quebrados através do aumento do endividamento público e do afrouxamento monetário com taxas de juros extremamente baixas. Nos Estados Unidos, vem se sedimentando agora a impressão de que esse processo se esgotou. Com o desemprego e a inflação sob controle, teria chegado o momento de iniciar uma fase de elevação moderada dos juros. Esse quadro pode, porém, se agravar muito a partir da posse do novo presidente, Donald Trump.

A globalização deu-se pela reestruturação do sistema de produção mundial, mudando o padrão da divisão internacional do trabalho. Essa reestruturação, todavia, desagrada profundamente os apoiadores de Donald Trump, embora a economia americana venha crescendo sem problemas de inflação e desemprego de uma forma geral.

A nova estrutura se formou pela constituição de grandes cadeias produtivas mundiais, cujos segmentos se espalham pelos mais diferentes países. Nesse processo se sobressaiu o desempenho da economia chinesa tanto como produtora de manufaturas como importadora de commodities. Países como o Brasil que não se integraram bem nesse novo sistema – por não conseguir lidar com seus problemas de educação, inovação tecnológica, de produtividade, enfim – perderam muito do seu potencial de crescimento.

Uma característica importante dessa reestruturação produtiva global decorreu de que, enquanto a mobilidade internacional do capital se acelerou, a mobilidade do trabalho permaneceu muito baixa. Com isso o capital ligado principalmente à indústria escolheu se mover dos países desenvolvidos ao encontro da força de trabalho mais abundante nos países em desenvolvimento. Como resultado, caiu o emprego industrial nos países centrais, gerando a atual onda protecionista. A avalanche migratória desenfreada que se observa hoje provém de regiões que não se qualificaram para receber entrada de capital e que, por isso, ficaram à margem do progresso trazido pela globalização.

Trump, de sua parte, acredita que poderá trazer de volta aos Estados Unidos esse emprego perdido valendo-se de duas alavancas. A primeira é o protecionismo. Seu princípio de “America First” pode ser lido como sendo “o mercado americano para os americanos”. Três efeitos altamente negativos ameaçam essa iniciativa protecionista. Por um lado, o consumidor americano passará a pagar mais caro pelos bens de consumo que passarem a ser importados com tarifas mais altas, com um efeito claramente inflacionário. Por outro, a indústria americana perderá eficiência e competitividade, pois passará a ter custos maiores decorrentes das barreiras à importação de insumos e bens intermediários. Por fim, com certeza, as práticas protecionistas americanas levarão a retaliação por parte dos demais países, com prejuízo para o comércio de todos, cujas consequências podem ser mais desemprego e inflação em escala mundial.

Trump ensaia abrir conflitos com a China, principal alvo de seu protecionismo. Por um lado, reforçaria o bloqueio ao seu reconhecimento como economia de mercado no contexto da OMC.  Por outro, imporia barreiras antidumping às importações chinesas. Por último, propugnaria por uma valorização do Yuan.

A China tem conseguido manter uma aproximada paridade de sua moeda ao dólar, num patamar desvalorizado. Uma valorização do Yuan já deveria ter ocorrido naturalmente, diante da pujança da economia chinesa, o que tem sido evitado até aqui. A China, mais cedo ou mais tarde, cederá nesse sentido, mormente se puder fazê-lo como parte de uma proveitosa barganha política em que o dólar perderia parte de sua prevalência como moeda de reserva de valor e de meio de troca. Para ser bem sucedida, teria de avançar na liberalização da economia, reduzindo a presença do Estado. Caso contrário, enfrentará pesado protecionismo, em que todos têm a perder.

A segunda alavanca do programa de Trump vem da expectativa de exploração do mercado interno americano – reservado ao capital nacional pelo protecionismo – através de fortes investimentos em infraestrutura principalmente. Embora não esteja claro o mecanismo a ser empregado para esse fim, é esperada uma alta – mais expressiva do que a prevista até aqui – dos juros nos Estados Unidos. Uma razão para essa alta será o aumento da dívida pública para financiar os gastos necessários, aumento esse potencializado pelos prometidos cortes de impostos. Outra razão é a necessidade de conter o potencial inflacionário dos estímulos de demanda decorrentes desses gastos. Uma terceira razão seria combater uma segunda raiz inflacionária vinda das medidas protecionistas que resultariam em maiores custos dos bens de consumo e intermediários.

Para o Brasil essas mudanças no panorama mundial tornam mais necessárias e urgentes reformas que aumentem a confiança de consumidores e investidores nacionais e estrangeiros. A lista de reformas é conhecida e vem sendo discutida intensamente e até implementada, muitas vezes aos trancos e barrancos e sob a pressão das circunstâncias emergenciais. Se implementada pela metade, o risco é de que prevaleçam seus efeitos recessivos, pois enquanto os agentes econômicos não tenham diante de si um ambiente de negócios seguro e previsível, o crescimento do País será bastante aquém do desejado. Até agora, porém, o agronegócio e, sob certos cenários, a indústria de base mineral estão preparados para sobreviver – não necessariamente prosperar – diante de turbulências politicas econômicas mundiais e consequente crescimento mais devagar, com juros mais elevados e um dólar mais valorizado no mercado internacional. O agronegócio, em especial, deve voltar sua atenção para o comportamento do dólar no mercado interno e do preço do petróleo, base da produção de seus insumos. A manutenção do crescimento chinês ajuda bastante, particularmente se acompanhada de um fortalecimento do Yuan.

Geraldo Barros-Professor sênior da Esalq/USP-Coordenador Científico do Cepea

 

 

 

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