Pequenos e médios produtores rurais estão ganhando espaço no mercado de biodiesel ao direcionarem seus negócios para a fabricação de matéria-prima para o combustível.Os novos insumos são, sobretudo, oleaginosas e restos da pecuária, como gorduras bovina e suína, que, até então, iam para o lixo e agora são usados como fonte de energia.Manoel Barroso da Silva, 53, de Tomé-Açu (PA), cidade de 64 mil habitantes a 203 km de Belém, começou a plantar com a sua família aos dez anos de idade.Ele manteve ao longo dos anos a tradição familiar do cultivo de açaí, arroz, cacau, feijão, mandioca e pimenta do reino. Em 2011, no entanto, descobriu uma nova e a sua mais estável fonte de renda: o dendê, vendido como matéria-prima para a fabricação de biodiesel.O óleo de palmiste, retirado da palmeira do dendê, é um exemplo de riqueza da Amazônia que tinha o aproveitamento restrito à indústria estética, mas, há alguns anos, é usado também na produção de biodiesel.”Comecei a plantar o dendê porque precisava de algo que me desse dinheiro todo mês. O cacau, por exemplo, só colho a cada seis meses”, diz Silva. “Antes, eu tinha muita dificuldade. Às vezes, tinha que pagar juros para agiota. A partir do dendê, não. Comecei a trabalhar com as minhas possibilidades. Com o dinheiro do dendê formei um filho médico.”O agricultor planta o dendê numa área de 10 hectares, metade da extensão total da sua propriedade. Da sua terra, ele retira manualmente, sem o auxílio de máquinas, 14 toneladas por mês, que lhe rendem cerca de R$ 10 mil mensais.”A plantação da palma exige uma habilidade especial. Agora há pouco, encontrei um amigo que não está conseguindo produzir muito porque não está sabendo tratar. Quanto mais se trata, mais se tem”, afirmou o agricultor.
O programa nacional do biodiesel foi idealizado justamente para incentivar a produção agrícola familiar, principalmente no Nordeste. Mas, logo no início, a soja prevaleceu nesse mercado com uma participação de cerca de 80% entre as matérias-primas utilizadas.As novas fontes tentam substituir o óleo de soja, produzido em larga escala e dominante nesse mercado desde 2008, quando a adição do combustível renovável ao diesel derivado do petróleo passou a ser obrigatória.Atualmente, a soja responde por 64% do total, o que representa uma queda de 16 pontos percentuais, ao longo de 15 anos, e a expansão de outras matérias-primas e da presença de novos produtores, segundo dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).
PRODUTORES DE MAMONA ESPERAM QUE SOJA PERCA AINDA MAIS ESPAÇO
Diretor da Coopersertão, cooperativa de produtores de mamona do sertão da Bahia, Daniel Lima Silva espera que, no novo governo, a soja perca ainda mais espaço no setor.A Petrobras Biocombustíveis, produtora de biodiesel, compra toneladas de óleo do caroço da mamona dos 430 associados da Coopersertão. Para Silva, porém, a competição com o preço da soja ainda dificulta o crescimento do negócio.”Antes da Pbio [subsidiária da Petrobras], o preço da mamona era muito baixo no mercado. Mas, quando a Petrobras chegou, alavancou. A qualidade de vida da região melhorou e tivemos um ganho de assistência técnica”, afirmou Silva.
Na tentativa de fugir do domínio da soja, a empresa BBF utiliza como insumo o dendê plantado por cerca de 400 famílias locais. Esses pequenos e médios produtores forneceram 37 mil toneladas de palma em 2022.”Não temos como ficar sujeitos a commodities como a soja. O Brasil precisa aproveitar oportunidades para criar cada vez mais áreas plantadas e ampliar a produção de óleos”, afirmou Milton Steagall, presidente da BBF.No cardápio de insumos da empresa está também uma pequena fatia de sebo animal e, no ano que vem, entrará o milho cultivado em Roraima. Ainda está sendo pesquisado o desenvolvimento de nova cultura na Amazônia, da macaúba, que vai garantir a produção de biodiesel daqui a 20 anos.Atualmente, além do dendê, gorduras de carnes e mesmo óleo comestível usado em frituras em residências e restaurantes, até então descartados no lixo, são transformados em biodiesel.”Houve uma mudança de cultura. Quando não havia o biodiesel, essas matérias-primas valiam tão pouco que eram descartadas. Era um desperdício jogar fora produtos de tão alto valor e fontes de energia”, afirma o diretor de Economia da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), Daniel Amaral, complementando que os preços desses insumos são menores do que o do óleo de soja, o que, no fim das contas, gera um combustível mais barato do que o vendido até então.
Os dados da ANP demonstram ainda que, em todo país, um mix de óleos retirados de restos da agropecuária é o que mais cresce no mercado e toma o espaço da soja desde 2018. Atualmente, esse combinado de óleos já responde por 15% do total do setor, atrás apenas do óleo de soja. Em terceiro lugar no ranking dos insumos mais usados aparece a gordura bovina, com 10%, seguida da gordura suína, com 4%.Julio Cesar Minelli, diretor superintendente da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (APROBIO), acredita que o aproveitamento de gorduras bovinas em larga escala na produção de biodiesel seja fruto da inovação e do desenvolvimento de processos.”Uma demanda firme e crescente permitiu que a indústria da ‘reciclagem animal’ realizasse os investimentos necessários para a ampliação da capacidade de produção”, disse.Já o óleo de cozinha foi utilizado, no ano passado, em um volume recorde de 148 milhões de litros, o que representou um crescimento de 30% em comparação a 2021. Considerando apenas a região Sudeste do país, a presença do insumo chegou a 21% do total utilizado como insumo para biodiesel, como contabiliza a APROBIO, a partir de dados da agência reguladora. Folha de S.Paulo