A energia eólica no Brasil alcançou um marco importante em 2024, com o setor demonstrando crescimento expressivo, apesar dos desafios enfrentados. Para entender mais sobre os avanços e os próximos passos para a indústria, conversamos com Elbia Gannoum, presidente executiva da ABEEÓLICA – Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias.
Nesta entrevista, Elbia compartilha sua visão sobre os fatores que contribuíram para o crescimento da energia eólica, as metas da ABEEÓLICA para o desenvolvimento do setor até 2030 e as expectativas para as novas tecnologias, como as turbinas mais eficientes e a energia eólica offshore. Além disso, ela fala sobre os impactos socioeconômicos gerados pelos parques eólicos nas comunidades, os incentivos governamentais e os desafios regulatórios que ainda precisam ser superados.
Acompanhe a entrevista completa para saber mais sobre os desafios e oportunidades para o futuro da energia eólica no Brasil.
Canal- Jornal da Bioenergia: A energia eólica no Brasil atingiu um marco significativo em 2024. Quais fatores o senhor(a) atribui ao crescimento expressivo do setor nos últimos anos?
Elbia Gannoum: Estamos com 33,66GW de capacidade acumulada (Comercial e teste), somando 1102 parques com 11706 aerogeradores. Até o momento, instalamos 3,2 GW em 2024, com 75 parques e 663 aerogeradores.
Porém, o ano de 2024 para o segmento de energia eólica foi desafiador, pois saímos de dois anos consecutivos de recordes de instalação e nos deparamos com um ano com poucos contratos fechados entre investidor e fabricantes, o que acendeu o alerta da existência da crise da indústria eólica no chão de fábrica.
Além da baixa de contratos fechados para novos parques eólicos, alguns problemas já haviam sido identificados nos anos anteriores, mas repercutiu boa parte das ações em 2024. Em primeiro lugar, os cortes de geração eólica e solar foram alvos de intensas ações e iniciativas da Associação perante as agências e instituições reguladoras do setor elétrico, visando mitigar o impacto, estimado pela ABEEólica em R$ 1,8 bilhões de reais no ano de janeiro a novembro de 2024.
Apesar dos desafios, tivemos conquistas relevantes para o segmento. No âmbito das novas tecnologias e novos negócios, tivemos a aprovação do Marco Legal do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono com incentivos fiscais à esta indústria (Lei 14.928/24 e 14.990/24), aprovação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Marco Legal do Mercado de Carbono). Além disso, o marco legal das Eólicas Offshore e o Plano de Aceleração da Transição Energética (PATEN), destaques de outras ações da ABEEólica nas casas legislativas que merecem menção no ano de 2024.
O ano de 2024 foi marcado pela consolidação da pauta ESG no setor de energia eólica com o lançamento do Guia de Boas Práticas Socioambientais para o setor eólico e a implementação do plano de gestão ESG. Essas iniciativas mostraram o compromisso em superar desafios, valorizar boas práticas e fortalecer a imagem e reputação do setor eólico brasileiro. Com um diálogo construtivo junto ao poder público, trabalhamos para garantir avanços importantes para um futuro ainda mais sustentável.
Canal: Quais são as principais metas e expectativas da ABEEÓLICA para o desenvolvimento do setor até 2030?
Elbia: Embora a indústria eólica enfrente uma crise conjuntural significativa nos próximos dois anos, visualizamos um retorno ao crescimento exponencial após esse período, semelhante ao que ocorreu até 2023. Após isso, enxergamos algumas janelas de oportunidade entre 2025-2030, entre elas, na temática de armazenamento de energia, temos boas expectativas para que ocorra o Leilão de Reserva de Capacidade em 2025 com baterias e até o horizonte 2030, elas já tenham maturidade e aplicações que poderão trazer maior flexibilidade e eficiência operativa ao sistema interligado nacional (SIN). Esperamos colher frutos das ações que fizemos em 2024, como o início da operação comercial das primeiras plantas de hidrogênio verde e produção de seus derivados. Para 2030, estimamos que estaremos perto de começar a operar os primeiros parques de eólicas offshore e nossa expectativa é estar com 55 GW de capacidade instalada em onshore.
Canal: Além da sustentabilidade, a energia eólica tem gerado empregos e desenvolvimento regional. Pode nos contar sobre os impactos socioeconômicos observados nas comunidades onde os parques eólicos estão instalados?
Elbia: A energia eólica tem desempenhado um papel importante no fortalecimento das economias locais onde há parques operando, e na geração de empregos, especialmente no Nordeste, onde estão localizados cerca de 90% dos parques. Para cada megawatt instalado, são gerados aproximadamente 11 novos postos de trabalho, com a criação de mais de 300 mil empregos diretos e indiretos até o momento. Outro ponto importante é o fator multiplicador da economia, a cada R$ 1 investido em usinas eólicas, o impacto no PIB brasileiro é de R$ 2,90. O PIB e o IDHM dos municípios com parques eólicos apresentam um crescimento de 20% e 21%, respectivamente.
Canal: O Brasil tem atraído investidores estrangeiros para projetos de energia renovável. Qual o papel dos incentivos governamentais e como a ABEEÓLICA trabalha para fortalecer a confiança do mercado?
Elbia: A sinalização do governo federal na agenda verde de descarbonização a partir de usinas eólicas onshore e offshore e nos seus vetores energéticos como hidrogênio verde é um mecanismo muito forte. Isto porque as grandes economias têm feito sua sinalização através de incentivos financeiros muito robustos, como os Estados Unidos e a União Europeia, por exemplo. Apesar do Brasil não dispor da mesma maneira esses recursos, o país pode fornecer um ambiente institucional bem estruturado, com incentivos a sua medida e garantir investimento estrangeiro direto, uma vez que temos uma posição geográfica e recursos renováveis em grande abundância. Esses recursos não estão disponíveis nas principais economias desenvolvidas e evidencia nossas vantagens comparativas para a transição energética.
A ABEEólica trabalha para garantir que essas estruturas mínimas estejam desenhadas e a partir dela, naturalmente os investidores estrangeiros mobilizaram seu capital para o desenvolvimento de usinas eólicas onshore e offshore e viabilizar a estratégia de adensar as cadeias produtivas localmente, próximo a geração renovável.
Canal: Apesar dos avanços, o setor enfrenta desafios como logística e regulação. Quais são os principais gargalos hoje, e como a associação tem atuado para superá-los?
Elbia: Os desafios do segmento em 2025 é principalmente a continuidade de alguns problemas enfrentados em 2024. Nós estimamos uma redução do número de parques instalados em 2025 em comparação ao resultado de 2023 e 2024. Isto porque o impacto no número de parques instalados é refletido no horizonte de 18 a 24 meses depois do período de contratação de máquinas, equipamentos e serviços. Com base nisso, entendemos que será um ano ainda mais desafiador para a indústria e sua cadeia de produção, reflexo da continuidade de baixa demanda de energia, contratos de energia pouco atrativos, continuidade dos cortes de geração e ascensão da MMGD. Quando aos desafios como os cortes de geração e outras questões de regulação, a ABEEólica segue com seu trabalho junto aos órgãos governamentais, além de promover discussão e estudos técnicos para apoiar as decisões pendentes com bases técnicas, dados e informações.
Canal: Como a ABEEÓLICA enxerga o impacto da digitalização e da inovação tecnológica, como turbinas mais eficientes, no futuro do setor?
Elbia: A digitalização e inovação tecnologia no segmento de energia eólica é uma realidade e será extremamente relevante que as empresas absorvam esse fenômeno, uma vez que cada vez mais as turbinas eólicas ganham tamanho e potência. Por exemplo, hoje o mercado já é capaz de fornecer com aerogeradores na faixa de potência de 4,5 a 7,5 MW de potência, realidade muito diferente do cenário da energia eólica há 10 anos. A digitalização é uma realidade e trará maior eficiência para a operação e manutenção de aerogeradores, para obter melhores taxas de falhas de aerogeradores, lubrificação mais adequadas de rolamentos, paradas de manutenção mais efetivas, além da elaboração de curvas de potência até na influência na medição anemométrica dos recursos de vento disponíveis. Logo, a indústria eólica participará da discussão de indústria 4.0 e digitalizada, incorporando a gestão de big data e uso de algoritmos de inteligência artificial visando uma operação de parques eólicos mais eficiente e minimizando perdas e falhas. Sem contar que a digitalização e uso de inteligência artificial no futuro contribuirá para a operação das grandes usinas eólicas offshore, que necessitarão de recursos tecnológicos ainda mais robustos.
Canal: A energia eólica offshore ainda é um campo em exploração no Brasil. Quais são as expectativas para o desenvolvimento desse segmento no país, e que oportunidades ele oferece?
Elbia: Com o PL de Offshore recém aprovado, aguardamos a sanção do presidente para as empresas avançarem para fase de estudos de viabilidade e no aguardado leilão de sessão de área. Já há pedidos de licenciamento no Ibama, mas antes é preciso que a regulamentação das eólicas offshore seja sancionada. A Previsão é que os primeiros aerogeradores no mar comecem a operar em 2030/2031. A chegada das offshore oferece uma grande oportunidade de reindustrialização verde do país e uma nova fonte de energia que irá gerar emprego, renda, desenvolvimento econômico, social e tecnológico além de fornecer energia para suprir uma nova demanda com a produção de hidrogênio de baixo carbono e os data centers.