A capacidade da cana-de-açúcar de acumular altos níveis de biomassa e de sacarose no colmo ao longo de seu desenvolvimento tornou a planta a mais usada para obter açúcar e a segunda maior matéria-prima para produção de etanol no mundo.
Já se sabia que a acumulação de biomassa e de sacarose pela planta está relacionada ao uso de metabólitos, como carboidratos não estruturais (NSCs), produzidos pelo processo de fotossíntese durante o dia. Não estava claro como as condições ambientais e os estágios de desenvolvimento da cana influenciam a produção de NSCs e afetam o crescimento da planta.
Um estudo realizado por pesquisadores do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), publicado na revista Functional Plant Biology, ajudou a esclarecer essa questão.
Os resultados do estudo, feito no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol – um dos INCTs apoiados pela FAPESP em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no Estado de São Paulo –, podem contribuir para o desenvolvimento de estratégias voltadas a aumentar a produção de biomassa pela cana.
“Descrevemos, pela primeira vez, o comportamento diuturno da cana, no campo, durante todo um ciclo de desenvolvimento. Com isso, fizemos algumas descobertas interessantes e estratégicas na direção do nosso objetivo de produzir uma ‘supercana’ [capaz de acumular biomassa e altos teores de fibra rapidamente]”, disse Marcos Buckeridge, professor do IB-USP e um dos autores do estudo, à Agência FAPESP.
Os pesquisadores acompanharam um ciclo completo de crescimento da cana, de 12 meses, em campo, 24 horas por dia, em uma fazenda em Piracicaba, no interior de São Paulo. Eles analisaram parâmetros, como as trocas gasosas pelas folhas e a acumulação de NSCs durante diferentes estágios de desenvolvimento da planta.
Os resultados das análises dos dados indicaram que a cana apresenta uma transição entre três e seis meses de desenvolvimento, em que passa de um “modo” de crescimento para outro de armazenamento.
Até os três a quatro meses de desenvolvimento, em que são registradas as maiores taxas de fotossíntese, a cana forma uma copa operacional, com um determinado número de folhas. Após atingir esse estágio e até os seis meses de desenvolvimento, a cada folha produzida pela planta outra folha – geralmente da parte mais abaixo da copa – começa a envelhecer. Dessa forma, a cana mantém um determinado número de folhas.
A partir dos seis meses, a planta começa a armazenar sacarose, no colmo e nas raízes, e amido nas folhas até os 12 meses. Nessa fase, a cana-de-açúcar praticamente deixa de fazer fotossíntese e está pronta para ser cortada e usada para produção de açúcar e etanol.
“Sabíamos que a cana acumula açúcares durante a fase de desenvolvimento de seis a 12 meses, mas constatamos, agora, que isso acontece ao mesmo tempo em que diminui gradativamente a fotossíntese nas folhas, onde há um acúmulo muito grande de amido aos 12 meses”, disse Amanda Pereira de Souza, que fez pós-doutorado no IB-USP com Bolsa da FAPESP e é primeira autora do estudo.
Os pesquisadores também observaram que os açúcares que ficam guardados na raiz da cana cortada e mantida no solo após a soca para rebrotar e iniciar um novo ciclo ajudam a regenerar a parte inicial do desenvolvimento da nova planta.
Mais sacarose e amido
Outra descoberta foi a de que as folhas da cana abrem seus estômatos (estruturas celulares que têm a função de realizar trocas gasosas entre a planta e o meio ambiente) para absorver água durante a madrugada, em que a umidade é mais alta, entre seis e nove meses de desenvolvimento, quando a planta passa por um período de seca e faz menos fotossíntese.
“Achamos que isso pode estar relacionado com um mecanismo fisiológico de proteção da planta contra a seca”, disse Buckeridge.
Na avaliação do pesquisador, a detecção do ponto de transição da cana entre três e seis meses de desenvolvimento, em que passa da fase de crescimento para a de armazenamento de sacarose, abre a perspectiva de ativar e desativar genes que determinam o processo de acúmulo de açúcares em diferentes partes da planta.
“O entendimento de como cada órgão controla o acúmulo de açúcares na mesma planta abre caminho para o desenvolvimento tanto de uma cana com mais sacarose nas folhas ou uma cana com mais amido no colmo. Ambas as estratégias podem ser interessantes em diferentes situações”, disse Buckeridge.
Já a descoberta de que as folhas da cana abrem seus estômatos para absorver água na madrugada durante o período de seca pode possibilitar a identificação de variedades mais tolerantes ao estresse hídrico.
“Isso abre um leque de novas oportunidades para entendermos o efeito da seca sobre a cana, inclusive aspectos relacionados às suas respostas às mudanças climáticas”, afirmou.
O artigo Diurnal variation in gas exchange and nonstructural carbohydrates throughout sugarcane development (doi: 10.1071/FP17268), de Amanda P. De Souza, Adriana Grandis, Bruna C. Arenque-Musa e Marcos S. Buckeridge, pode ser lido na revista Functional Plant Biology em www.publish.csiro.au/FP/FP17268. Agência FAPESP –