Foto: Revista Fapesp

Pesquisas indicam novos usos para as microalgas

Dois grupos de pesquisa, um em Curitiba, no Paraná, e outro em São Carlos, no interior paulista, desenvolvem novas técnicas de produção de biocombustíveis a partir de microalgas. Esses organismos aquáticos unicelulares, que estão entre os mais antigos do planeta, reproduzem-se rapidamente e são considerados usinas de produção de biomassa e compostos bioativos. Além de fazerem fotossíntese como as plantas, aproveitando a luz solar e o gás carbônico (CO2) da atmosfera, podem usar fontes orgânicas de carbono presentes em resíduos. Como resultado, desde que estejam em condições adequadas de luminosidade e temperatura, produzem oxigênio e matéria orgânica da qual, por meio de diferentes processos de separação, podem ser extraídos compostos químicos usados como combustíveis, cosméticos ou suplementos alimentares. Em laboratório e em plantas-piloto, os microrganismos se mostraram capazes de se nutrir com resíduos – da produção de petróleo e de etanol ou mesmo da criação de animais, como suínos, entre outros – e transformá-los em compostos químicos úteis e ambientalmente aceitáveis. Em todos os casos, ainda há uma grande dificuldade de aumentar a escala de produção.

O Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Energia Autossustentável da Universidade Federal do Paraná (NPDEAS-UFPR) tem feito experimentos tentando contornar esse problema. O objetivo de longo prazo do grupo é produzir diesel verde, biocombustível com composição semelhante à do diesel do petróleo. Um dos estudos utiliza fotobiorreatores em escala industrial, com capacidade para 12 mil litros. O passo inicial é a produção, nesses equipamentos, de biomassa a partir das microalgas. Depois de colhido, o material é seco e dissolvido em um solvente quente, formado por uma mistura de compostos químicos. Na etapa seguinte, os pesquisadores retiram o solvente e, por destilação, separam os óleos resultantes.

Os primeiros resultados indicaram que a taxa de conversão do concentrado de microalgas Tetradesmus obliquus em óleo bruto poderia chegar a 25%, um salto considerável em comparação com os atuais 10%. “Está caminhando bem”, avalia o engenheiro de petróleo e químico Iago Gomes Costa, responsável pelo trabalho. “Estamos na fase de ajuste de faixas de temperatura, mas já conseguimos recuperar o solvente do concentrado, que poderia ser reaproveitado, e separar as frações do óleo.”

Como detalhado em um artigo publicado em setembro na Journal of Environmental Management, por meio da destilação do óleo bruto de algas, os pesquisadores obtiveram 25 compostos diferentes, incluindo hidrocarbonetos como alcanos, usados em gás de cozinha e na gasolina, e alcenos, matéria-prima para embalagens plásticas. A pesquisa da UFPR é uma das poucas no país que avança para além da etapa de produção de biomassa a partir de microalgas.

Outra possibilidade de produzir biocombustíveis com microalgas está sendo avaliada no laboratório da bióloga Ana Teresa Lombardi, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). No início de setembro, em uma das salas do laboratório, corria o primeiro teste em escala um pouco maior, em um tanque com capacidade para 20 litros. O objetivo era elevar, talvez para 70%, como já verificado em ensaios em menor escala, o rendimento de óleo das microalgas por meio de processo patenteado pela equipe.

“Conseguimos ótimos resultados estimulando as microalgas com nutrientes específicos, de modo que o crescimento é mantido e a biomassa, com alto teor de óleos, é gerada”, diz Lombardi. “A abordagem tradicional é submetê-las a estresse, o que interrompe o crescimento.” A pesquisadora da UFSCar planeja levar seus resultados para aplicações industriais.

Trabalhando de modo independente, as equipes da UFPR e da UFSCar renovam o interesse científico e tecnológico pelas microalgas. Há cerca de 15 anos, elas foram vistas como alternativa para amenizar o excesso de CO2 da atmosfera, transformando-o em biocombustíveis que poderiam ser usados em carros, aviões e navios, com menor emissão de poluentes que os combustíveis fósseis.

No entanto, as microalgas não apresentaram o rendimento desejado. Verificou-se também que a produção em escala comercial não seria viável e o preço final ficaria mais que o dobro dos derivados de petróleo. Como resultado, muitas empresas que investiram na produção de biocombustíveis a partir desse microrganismo fecharam ou mudaram o foco da pesquisa. “A grande dificuldade é passar da escala de produção laboratorial, de 100 a mil litros, para a industrial, de 10 mil litros para cima”, comenta o engenheiro-agrônomo Sergio Goldemberg. Em laboratório, equipes de centros de pesquisa e de empresas identificaram as melhores faixas de temperatura e luminosidade e combinações de nutrientes para as microalgas formarem a massa da qual se extraía compostos de interesse comercial. Porém, à medida que aumentava a produção para volumes 10 ou 20 vezes maiores, era mais difícil manter a temperatura estável, porque a biodigestão gera calor. Com isso, o risco de contaminação por bactérias aumentava e o rendimento caía, inviabilizando o processo.

Em 2009, Goldemberg fundou uma das poucas empresas nessa área no Brasil, a Algae Biotecnologia. Durante anos, a Algae se manteve com o apoio de agências de financiamento à pesquisa, entre elas a FAPESP. Em 2014, começou na InterCement, do grupo Camargo Corrêa, um projeto de aproveitamento do CO2, por microalgas, gerado na produção de cimento. Após alguns anos, o contrato para continuar a pesquisa não foi renovado e, em setembro deste ano, a InterCement entrou em recuperação extrajudicial.

Um fertilizante foliar para fornecimento de micronutrientes e ação bioestimulante vegetal produzido pelos microrganismos, desenvolvido pelas duas empresas, segundo Goldemberg, mostrou bons resultados em laboratório. Mas a dificuldade de conseguir financiamento para os testes em campo fez com que o trabalho parasse. “Usamos vinhaça [resíduo da produção de açúcar e álcool] para fazer crescer as microalgas, mas tivemos muitas dificuldades técnicas”, conta. Em 2019, sem clientes, Goldemberg fechou a empresa.

A bióloga Sílvia Helena Govoni Brondi viveu situação parecida. Em 2020, com apoio da FAPESP, havia obtido um pigmento alaranjado, os carotenoides, importantes para a saúde humana, a partir de microalgas como Chlorella vulgaris, mas não conseguiu evitar a oscilação de temperatura no processo, que prejudica a produção. “Os equipamentos são muito caros”, diz ela. Sem financiamento complementar, também fechou sua empresa, a AlgaeTech Pesquisa, de São Carlos.

Permanecem em pé as empresas dedicadas a nichos de mercado, que utilizam microalgas para a produção de ingredientes para cosméticos e alimentos, como pigmentos que conferem o tom róseo ao salmão criado em cativeiro. No Brasil, a Fazenda Tamanduá, em Santa Teresinha (PB), e a Ocean Drop, em Balneário Camboriú (SC), produzem spirulina (Arthrospira platensis). Microalga de processamento relativamente simples, ela pode ser usada como suplemento alimentar por ser uma rica fonte de proteínas, minerais, vitaminas do complexo B, ferro e antioxidantes. Em Orindiúva (SP), a Terravia, filial de uma empresa multinacional sediada nos Estados Unidos, utiliza microalgas que consomem a sacarose da cana-de-açúcar para produzir ácidos graxos, um tipo de óleo usado como ingrediente de sabonetes e cremes faciais.

Emergem também possibilidades de empregar microalgas para aproveitamento de resíduos e efluentes industriais e agroindustriais. Em um período de estágio de pós-doutorado na UFSCar, o engenheiro de pesca Lucas Guimarães Cardoso desenvolveu em parceria com a equipe de Lombardi um processo utilizando microalgas para tratar a chamada água produzida. O líquido, carregado com minerais, óleo, produtos químicos e gases, é usado para fazer o petróleo subir dos poços à superfície.

Em biorreatores de 1,5 litro contendo culturas de Chlorella vulgaris, o grupo verificou que as microalgas consomem (se alimentam) os compostos presentes na água produzida. A partir dessa experiência, geraram dois grupos de produtos de valor comercial: ácidos linoleico e palmitoleico, que entram na composição do biodiesel, e carboidratos e proteínas, que podem ser empregados para produzir etanol. Os pesquisadores também conseguiram remover da água produzida metais pesados como cobre, manganês e molibdênio, conforme detalhado em artigo publicado em 2022 na Environmental Technology & Innovation.

A partir daquele ano, como professor contratado na Universidade Salvador (Unifacs), na Bahia, e do Programa de Pós-graduação em Engenharia Química da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Cardoso prosseguiu a pesquisa. Em um congresso internacional de biotecnologia, realizado em agosto em Florianópolis, ele apresentou uma descoberta da engenheira química Ingrid Rocha Teixeira, sua orientanda de doutorado: alimentada por uma solução de 50% de água produzida e 50% de glicerol bruto, a microalga Phaeodactylum tricornutum removeu com mais eficiência metais pesados e produziu um polímero biodegradável que pode ser um substituto aos plásticos convencionais. “Pretendo apresentar os resultados em novembro para as empresas que nos fornecem os resíduos da exploração de petróleo”, diz.

Em outro experimento, Cardoso e o grupo do também engenheiro de alimentos Jorge Alberto Vieira Costa, da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), no Rio Grande do Sul, verificaram que duas espécies de microalgas, Spirulina sp. e Chlorella fusca, cultivada em água salobra, produziam lipídeos e carboidratos, respectivamente, como relatado em um artigo de 2022 na Bioresource Technology. Com colegas da unidade Semiárido da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Costa prepara uma unidade-piloto a ser construída em Petrolina (PE) para, com as microalgas, produzir alimentos, ração, fertilizante e água potável a partir da água salobra, comum no sertão do Nordeste.

Outra estratégia para absorver contaminantes de águas poluídas é um carvão poroso obtido por meio de um aquecimento leve de uma massa de microalgas. O método foi desenvolvido pelo grupo da Furg e detalhado em um artigo na Enzyme and Microbial Technology, em 2023. Costa, coordenador do grupo, que trabalha nessa área há 30 anos, está otimista: “A pressão da legislação por aproveitamento dos resíduos aumenta no Brasil”.

As microalgas também parecem se deliciar com resíduos, como o esterco de suínos e aves, que a equipe da NPDEAS da UFPR diluiu e usou como nutriente para esses seres microscópicos. “Elas cresceram mais rápido, em três dias, em vez de 15”, relata o farmacêutico industrial André Bellin Mariano, vice-coordenador do grupo, integrado também pela pós-doutoranda Ihana de Aguiar Severo. A pesquisa está em escala-piloto, com biodigestor de 6 mil litros. As microalgas removeram 99% do fósforo e do nitrogênio dos resíduos e produziram uma água que poderia ser usada para saciar a sede de animais de criação. “Apesar dos bons resultados, ainda temos arestas a acertar em vários processos de aproveitamento de resíduos usando microalgas”, comenta.

A reportagem acima foi publicada com o título “Os múltiplos usos das microalgas” na edição impressa nº 345, de novembro de 2024.

Projetos 1. Bioprospecção, caracterização e otimização de microalgas brasileiras para a biofixação de CO2 e produção de biomoléculas de importância comercial (nº 18/07988-5); Modalidade Projeto Temático; Pesquisadora responsável Ana Teresa Lombardi (UFSCar); Investimento R$ 3.011.694,89. 2. Definindo os melhores sistemas de cultivo para o escalonamento das novas espécies de microalgas (espécies selecionadas nas etapas anteriores do Projeto Temático) (no 20/15688-1); Modalidade Pós-doutorado; Pesquisadora responsável Ana Teresa Lombardi (UFSCar); Bolsista Lucas Guimarães Cardoso; Investimento R$ 153.834,88. 3. Cultivo das microalgas Chlorella sorokiniana e Chlorella vulgaris visando à produção de carotenoide e proteínas para atender as indústrias farmacêutica, alimentícia, cosmética e de química fina (no 17/50360-4); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisadora responsável Silvia Helena Govoni Brondi; Investimento R$ 431.085,08. Revista Pesquisa FAPESP

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